Flaviane Silva (Coletivo Troca Entre Manas)
Em 2015 houve uma explosão
feminista dentro do Brasil que ficou marcada como a Primavera das Mulheres. As redes sociais foram tomadas
por hashtags, como #PrimeiroAssédio, #AgoraÉQueSãoElas e #MeuAmigoSecreto, que
denunciaram diversos tipos de violência contra a mulher.
O feminismo e o debate sobre a
desigualdade de gênero ganharam força dentro da mídia, em publicidades mais
inclusivas, em mudanças na linha editoral de grandes revistas, em discursos do
Oscar, em músicas de cantoras pop famosas. Dentro das faculdades e de colégios
coletivos feministas se formaram ou se fortaleceram.
Mas esse feminismo que foi e
continua sendo pautado pela mídia abrange, de fato, todas as mulheres?
Em busca de responder a essa
questão, o HuffPost Brasil entrevistou mulheres das periferias de São Paulo e
Rio de Janeiro para entender como elas militam, enxergam e exercem o feminismo
em suas vidas.
Representatividade
"Vivemos um momento muito
importante, pois a questão de gênero está sendo evidenciada em muitos cantos. É
a voz da mulher tomando capas das revistas, o noticiário. Mas é importante
pensar como isso tudo está chegando às mulheres negras da periferia. Nossa
preocupação é a inclusão dessa mulher no debate, muitas das nossas não são
letradas, não têm acesso à internet (a net chegou em minha casa apenas em 2012,
só em 2007 eu tive computador em casa), essa mulher é também a mais afetada
pelas políticas públicas destinadas ao público feminino, como a questão da
reprodução. Não temos hospitais em bairros onde há muito mais de 200 mil
habitantes. Como assegurar direitos a essa mulher? Não temos creches para seus
filhos. Como ela pode sair para trabalhar? Não temos ruas com iluminação. Como
ela pode se sentir segura?"
Jéssica Moreira, 24 anos, Perus,
SP (Coletivo Nós, Mulheres da Periferia)
"Eu tenho visto toda essa
movimentação feminista na rede, e meio que me deixa feliz e triste ao mesmo tempo.
Feliz por estarem propagando nossas idéias e triste pois muitas vezes a fala
das manas é acadêmica demais, não contemplando a mulher da favela, que tem suas
especificidades e muitas vezes não tá na facul. Sinceramente as mulheres
feministas que me representam são mulheres negras e periféricas, e geralmente
elas não estão na mídia. Sobre discursos do Oscar, eu, como muitas, acordo
muito cedo para fazer minhas coisas (5h20 da manhã), na hora que passa o Oscar
eu já estou no terceiro sono porque preciso fazer meu corre pela manhã."
Flaviane Silva, 18 anos,
Periferia da Caixa D'água, Niterói, RJ
Recortes dentro da Luta
"Nosso feminismo tem um
recorte: a luta da mulher branca burguesa não é a mesma luta da mulher negra e
de periferia. A minha mãe trabalha desde que eu me entendo por gente e eu cuido
da minha irmã desde os meus nove anos de idade. E isso não é uma coisa que uma
menina branca burguesa normalmente passa. Aos 9 anos ela está onde? Na natação,
no balé e sendo cuidada pela minha mãe... Cuidada por mulheres negras de
periferia. Nesse sentido a gente busca sempre conversar com as meninas
periféricas para pensar o reflexo que o período da escravidão trouxe pra gente
até hoje. Nossas mães, que são mulheres negras, periféricas, lutadoras,
mulheres que estão na luta, estão ainda ocupando este lugar de cuidar dos
filhos da mulher branca para que a mulher branca possa militar, por
exemplo."
Elânia Francisca, 31 anos,
Grajaú, SP
"O feminismo como é
conhecido e difundido pela sociedade não se aproxima em sua totalidade do
feminismo periférico, pois nós temos lutas diferentes oriundas de quem vive na
periferia. O tipo de feminismo que lutamos é aquele que compreende nossas
dores, nossas necessidades e reconhece a violência que sofremos na periferia. O
feminismo da mulher branca é diferente do da mulher preta, assim como existe
diferença de luta entre outras vertentes do feminismo e do feminismo
periférico. Portanto o feminismo acadêmico não me completa, pois ele não
entende minhas dificuldades e não estuda minhas lutas, pois ela muitas vezes ou
não está nos livros da Academia, ou está nos livro que a Academia não lê."
Aline Juliano, 20 anos, Grajaú,
SP
Reconhecer-se enquanto feminista
"Feministas todas nós somos
e, em nosso caso, já éramos, antes mesmo da palavra. E nossas mães e avós,
diaristas, babás, também já eram. E as mulheres que vivem ao nosso redor,
utilizam o transporte público todos os dias, não possuem sistema público de saúde
de qualidade e lutam por creches? Também já são feministas, pela garra que
apresentam ter dada as diversidades e desigualdades presentes em nossas
periferias. Somos feministas na tentativa de ir contra a maré disso tudo e
passar na universidade (voltar de madrugada para casa e sair praticamente no
mesmo dia). Somos feministas há muito tempo."
Jéssica Moreira, 24 anos, Perus,
SP (Coletivo Nós, Mulheres da Periferia)
Aline Juliano
"Eu conheci o feminismo
através de mim mesma refletindo minha vida e dificuldades como mulher negra.
Não consigo saber um dia ou uma hora que me tornei feminista. Me considero
feminista pelo fato de militar, no meu cotidiano, contra os pequenos machismos,
a fim de conseguir meu espaço e respeito na sociedade como mulher preta, algo
que sabemos ser extremamente difícil... Me considero feminista porque luto para
sobreviver em uma sociedade que me exclui a todo momento e principalmente por
ser mulher, acima do peso, preta e periférica."
Aline Juliano, 20 anos, Grajaú, SP
A importância do feminismo dentro
da Periferia
"O território periférico é
marcado por forte machismo aliado a uma falta de direitos a serviços básicos
que chega a ser inacreditável. Muitas vezes, não há luz na rua por onde
andamos. Temos medo, o estupro ronda nossa mente e coração. Não à toa, já que a
violência contra a mulher preta, da periferia, sobe em níveis alarmantes. A
violência doméstica, mais uma vez aliada à questão econômica e social,
encarcera em suas próprias casas muitas mulheres. Não há serviço social
suficiente nas periferias. Dito tudo isso, sim, é muito importante acolher,
ouvir, dar apoio às mulheres da periferia. É nessa forma de exercer o feminismo
que nós acreditamos. Pois cada mulher vai trazer sua bagagem de vida, de
conceitos, de questões e contradições que precisam ser levadas em conta. Não é
simplesmente levar o feminismo para a periferia, mas sim viver junto às
mulheres, ter empatia às suas histórias e narrativas, muito mais que levar a
teoria feminista , apontando em cartilha como deve ser uma feminista."
Jéssica Moreira, 24 anos, Perus,
SP (Coletivo Nós, Mulheres da Periferia)
Coletivo Nós, Mulheres da
Periferia
Modo de organizar a militância
"A militância de internet
não é o suficiente, hoje as redes sociais têm um papel importante, porém não
pode ser seu único espaço de ação. Eu milito dentro de escolas da periferia,
tanto na questão do feminismo como do racismo, e a Fernanda Gomes atua na
ocupação de moradia do Brás e no coletivo NegraSó da PUC. Mas nós sempre
estamos auxiliando outros projetos de nossas amigas, estamos batalhando no dia
a dia, ajudamos uma amiga aqui outra ali... São ações pequenas mas que para o
indivíduo é extremamente importante; a militância se dá também em pequenas
ações e todos os dias."
Ane Sarinara, Osasco, SP (Página
Feminismo Periférico)
"O jornalismo é a ferramenta
que escolhemos para dar voz às mulheres que nunca são ouvidas pela mídia e,
quando são, é de forma sensacionalista ou sexista. Além disso, temos como
objetivo pautar a grande imprensa, servindo de ponte entre a mídia e as
mulheres não ouvidas da periferia. Pretendemos contribuir para o empoderamento
das mulheres moradoras da periferia de São Paulo, promovendo espaços de
reflexão, debate, informação, troca de conhecimento, experiências e
visibilidade sobre seus protagonismos, histórias e dilemas."
Jéssica Moreira, 20 anos, Perus,
SP (Coletivo Nós, Mulheres da Periferia)
Ane Sarinara
"A gente vai pra rua, pra
internet, pra onde for pra tentar desconstruir, mostrar que nós queremos e
devemos ter nossos direitos garantidos, para deixarmos de morrer na mão de
macho, tanto marido, conhecido, desconhecido, estuprador e polícia. Porque na
periferia a gente tem medo de morrer na mão da polícia, além de tudo."
Flaviane Silva, 18 anos,
Periferia da Caixa D'água, Niterói, RJ
Fonte: Brasil Post
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