Para o defensor público Rodrigo Augusto Martins, apesar da política de
saúde pioneira, o país não avançou o suficiente em termos culturais e sociais
na garantia de outros direitos das pessoas soropositivas.
O preconceito atinge mulheres lésbicas e bissexuais, a quem a política
parece não contemplar em suas necessidades, como também a população transexual
e travesti, "estigmatizada como exclusivamente associada ao mercado do
sexo e que, por vezes, sequer é respeitada no uso do seu nome social.”
O Brasil foi um dos primeiros
países a fornecer tratamento gratuito para pessoas que vivem com HIV/Aids, por
meio do Serviço Único de Saúde (SUS), em 1996. Segundo dados da Unaids
[Programa das Nações Unidas para o HIV/Aids], em 2014, 734 mil pessoas
conviviam com o vírus, no Brasil. O total de brasileiros com acesso ao
tratamento com antirretrovirais no país passou de 231 mil pacientes (2009) para
455 mil (2015). Apesar dos avanços nas estratégias de enfrentamento ao HIV,
persistem as situações de preconceito e de estigma sobre as pessoas
soropositivas.
Para debater o assunto, a
Defensoria Pública de São Paulo promoveu, juntamente com outras entidades, a
conferência "Direitos humanos e combate à discriminação na perspectiva da
vida com HIV/AIDS: avanços e retrocessos”. O evento, realizado recentemente,
contou com a participação de defensores públicos, especialistas da área de
saúde, representantes do poder público e pessoas que portam o vírus HIV.
Em entrevista à Adital, o
defensor público Rodrigo Augusto Martins faz um balanço positivo da conferência
e disse que as discussões, ao longo de oito painéis, fomentaram debates sobre
diversos aspectos relacionados aos direitos das pessoas que vivem com HIV/Aids.
"Ainda há muitos desafios para a garantia dos direitos humanos e da
cidadania soropositiva, o debate está longe de se encerrar”.
Martins avalia o contexto do
HIV/Aids no Brasil, os desafios presentes e quais avanços o país alcançou.
Segundo ele, o Brasil conseguiu implementar uma política pública pioneira e bem
sucedida de distribuição de preservativos e de medicamentos antirretrovirais, o
que representa um grande avanço. Porém, o defensor aponta que é preciso
atualizar a política de saúde, tendo em vista que o direito constitucional à
saúde é dinâmico, variável, conforme as novas tecnologias que surgem.
"Isto significa, hoje, discutirmos, no Brasil, as profilaxias pós e
pré-exposição, bem como informar a população sobre a descoberta de ser baixíssimo
o risco de contaminação em uma relação sexual desprotegida quando a pessoa está
com carga viral indetectável, por exemplo”.
Além dos desafios quanto ao
tratamento, Martins pontua que o país não avançou o suficiente em termos
culturais e sociais na garantia de outros direitos das pessoas soropositivas,
principalmente em relação ao direito à não discriminação. Ele destaca que é
preciso superar uma "questão antiga” - os juízos morais sobre a vida de
quem tem HIV/Aids, que reproduzem uma série de preconceitos e controles
públicos indevidos sobre a sexualidade alheia.
Conceitos como
"promiscuidade”, por exemplo, a despeito de, hoje, se evitar a palavra,
ainda estão presentes na mentalidade de algumas pessoas que atuam e que pensam
a política pública, relata Martins. "A política existe para garantir
direitos e possibilitar a cidadania plena, jamais para que, a partir dela, se
proceda em qualquer incursão de julgamento ou de controle moral do legítimo
exercício da liberdade sexual das pessoas.” Segundo o defensor público, o
julgamento persiste e se repete, de forma discriminatória e atentatória à
dignidade humana, por meio da "inconveniente”, mas ainda frequente
pergunta sobre como a pessoa que chega aos serviços de saúde contraiu o HIV.
Martins chama a atenção para as
inúmeras formas de discriminação que os portadores do vírus HIV sofrem.
Discriminação que perpassa as relações familiares, as dificuldades no mercado
de trabalho e, por vezes, até mesmo alguns serviços de saúde especializados,
quando nestes se repetem os julgamentos morais e se constrange o usuário.
O preconceito atinge mulheres
lésbicas e bissexuais, a quem a política parece não contemplar em suas
necessidades, como também a população transexual e travesti,
"estigmatizada como exclusivamente associada ao mercado do sexo e que, por
vezes, sequer é respeitada no uso do seu nome social.”, denuncia.
Martins alerta que as
discriminações são ainda mais graves quando há outros "marcadores de
diferença” presentes na vida da pessoa, como, por exemplo, ser mulher, ser LGBT
[Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual], ser negro ou pardo, estar nas
periferias, ser idoso, entre tantos outros. O defensor cita que estudos apontam
para uma íntima ligação entre a violência doméstica contra a mulher e o maior
risco de contaminação, um dado que deve ser trabalhado tanto nas políticas
públicas de saúde, quanto de atendimento à mulher vítima de violência.
Martins alerta que é preciso
discutir o HIV/Aids dentro do sistema carcerário.
A política de saúde também precisa
contemplar o sistema carcerário. Martins destaca a necessidade de se debater o
HIV/Aids nesses espaços e a importância das políticas de saúde lidarem com as
relações sexuais entre presos, dentro da unidade prisional. O defensor explica
que, pelos próprios preconceitos da sociedade, os contatos sexuais intramuros
são muito velados e sigilosos e, por vezes, falta informação aos presos. Para
Martins, negar esse contexto é negar o acesso efetivo ao direito à saúde.
Em São Paulo, onde o defensor
atua, uma pesquisa estatística indicou, surpreendentemente, que é baixo o
número de pessoas privadas de liberdade com sorologia positiva. Porém, o
resultado não afasta a discussão sobre o tema. "Ainda não podemos, em
hipótese alguma, deixar de nos preocuparmos em garantir que as pessoas privadas
de liberdade tenham amplo acesso ao tratamento e às consultas com um
infectologista, o que depende de um esforço conjunto das três esferas de
governo e de fiscalização pelos atores do sistema de Justiça, como faz a
Defensoria Pública”.
O 1º de março marcou o Dia
Mundial de Zero Discriminação, uma iniciativa lançada pelo Unaids. Com o
objetivo de celebrar o direito de todos a uma vida plena e produtiva, com
dignidade, a entidade lançou a campanha com a hashtag #ZeroDiscriminação, para
ser usada nas redes sociais.
Veja vídeo da campanha com o
jogador de futebol brasileiro David Luiz:
Fonte: Adital
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