sexta-feira, 18 de março de 2016

Discriminação de pessoas com HIV/Aids: uma realidade ainda ser combatida

Para o defensor público Rodrigo Augusto Martins, apesar da política de saúde pioneira, o país não avançou o suficiente em termos culturais e sociais na garantia de outros direitos das pessoas soropositivas.

O preconceito atinge mulheres lésbicas e bissexuais, a quem a política parece não contemplar em suas necessidades, como também a população transexual e travesti, "estigmatizada como exclusivamente associada ao mercado do sexo e que, por vezes, sequer é respeitada no uso do seu nome social.”


O Brasil foi um dos primeiros países a fornecer tratamento gratuito para pessoas que vivem com HIV/Aids, por meio do Serviço Único de Saúde (SUS), em 1996. Segundo dados da Unaids [Programa das Nações Unidas para o HIV/Aids], em 2014, 734 mil pessoas conviviam com o vírus, no Brasil. O total de brasileiros com acesso ao tratamento com antirretrovirais no país passou de 231 mil pacientes (2009) para 455 mil (2015). Apesar dos avanços nas estratégias de enfrentamento ao HIV, persistem as situações de preconceito e de estigma sobre as pessoas soropositivas.

Para debater o assunto, a Defensoria Pública de São Paulo promoveu, juntamente com outras entidades, a conferência "Direitos humanos e combate à discriminação na perspectiva da vida com HIV/AIDS: avanços e retrocessos”. O evento, realizado recentemente, contou com a participação de defensores públicos, especialistas da área de saúde, representantes do poder público e pessoas que portam o vírus HIV.

Em entrevista à Adital, o defensor público Rodrigo Augusto Martins faz um balanço positivo da conferência e disse que as discussões, ao longo de oito painéis, fomentaram debates sobre diversos aspectos relacionados aos direitos das pessoas que vivem com HIV/Aids. "Ainda há muitos desafios para a garantia dos direitos humanos e da cidadania soropositiva, o debate está longe de se encerrar”.

Martins avalia o contexto do HIV/Aids no Brasil, os desafios presentes e quais avanços o país alcançou. Segundo ele, o Brasil conseguiu implementar uma política pública pioneira e bem sucedida de distribuição de preservativos e de medicamentos antirretrovirais, o que representa um grande avanço. Porém, o defensor aponta que é preciso atualizar a política de saúde, tendo em vista que o direito constitucional à saúde é dinâmico, variável, conforme as novas tecnologias que surgem. "Isto significa, hoje, discutirmos, no Brasil, as profilaxias pós e pré-exposição, bem como informar a população sobre a descoberta de ser baixíssimo o risco de contaminação em uma relação sexual desprotegida quando a pessoa está com carga viral indetectável, por exemplo”.

Além dos desafios quanto ao tratamento, Martins pontua que o país não avançou o suficiente em termos culturais e sociais na garantia de outros direitos das pessoas soropositivas, principalmente em relação ao direito à não discriminação. Ele destaca que é preciso superar uma "questão antiga” - os juízos morais sobre a vida de quem tem HIV/Aids, que reproduzem uma série de preconceitos e controles públicos indevidos sobre a sexualidade alheia.

Conceitos como "promiscuidade”, por exemplo, a despeito de, hoje, se evitar a palavra, ainda estão presentes na mentalidade de algumas pessoas que atuam e que pensam a política pública, relata Martins. "A política existe para garantir direitos e possibilitar a cidadania plena, jamais para que, a partir dela, se proceda em qualquer incursão de julgamento ou de controle moral do legítimo exercício da liberdade sexual das pessoas.” Segundo o defensor público, o julgamento persiste e se repete, de forma discriminatória e atentatória à dignidade humana, por meio da "inconveniente”, mas ainda frequente pergunta sobre como a pessoa que chega aos serviços de saúde contraiu o HIV.

Martins chama a atenção para as inúmeras formas de discriminação que os portadores do vírus HIV sofrem. Discriminação que perpassa as relações familiares, as dificuldades no mercado de trabalho e, por vezes, até mesmo alguns serviços de saúde especializados, quando nestes se repetem os julgamentos morais e se constrange o usuário.

O preconceito atinge mulheres lésbicas e bissexuais, a quem a política parece não contemplar em suas necessidades, como também a população transexual e travesti, "estigmatizada como exclusivamente associada ao mercado do sexo e que, por vezes, sequer é respeitada no uso do seu nome social.”, denuncia.

Martins alerta que as discriminações são ainda mais graves quando há outros "marcadores de diferença” presentes na vida da pessoa, como, por exemplo, ser mulher, ser LGBT [Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual], ser negro ou pardo, estar nas periferias, ser idoso, entre tantos outros. O defensor cita que estudos apontam para uma íntima ligação entre a violência doméstica contra a mulher e o maior risco de contaminação, um dado que deve ser trabalhado tanto nas políticas públicas de saúde, quanto de atendimento à mulher vítima de violência.

Martins alerta que é preciso discutir o HIV/Aids dentro do sistema carcerário.
A política de saúde também precisa contemplar o sistema carcerário. Martins destaca a necessidade de se debater o HIV/Aids nesses espaços e a importância das políticas de saúde lidarem com as relações sexuais entre presos, dentro da unidade prisional. O defensor explica que, pelos próprios preconceitos da sociedade, os contatos sexuais intramuros são muito velados e sigilosos e, por vezes, falta informação aos presos. Para Martins, negar esse contexto é negar o acesso efetivo ao direito à saúde.

Em São Paulo, onde o defensor atua, uma pesquisa estatística indicou, surpreendentemente, que é baixo o número de pessoas privadas de liberdade com sorologia positiva. Porém, o resultado não afasta a discussão sobre o tema. "Ainda não podemos, em hipótese alguma, deixar de nos preocuparmos em garantir que as pessoas privadas de liberdade tenham amplo acesso ao tratamento e às consultas com um infectologista, o que depende de um esforço conjunto das três esferas de governo e de fiscalização pelos atores do sistema de Justiça, como faz a Defensoria Pública”.


O 1º de março marcou o Dia Mundial de Zero Discriminação, uma iniciativa lançada pelo Unaids. Com o objetivo de celebrar o direito de todos a uma vida plena e produtiva, com dignidade, a entidade lançou a campanha com a hashtag #ZeroDiscriminação, para ser usada nas redes sociais.

Veja vídeo da campanha com o jogador de futebol brasileiro David Luiz:




Fonte: Adital

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