Uma série de ensaios no jornal
semioficial do Vaticano insta a Igreja Católica a autorizar que mulheres
preguem no púlpito durante as missas, função que tem estado reservada quase que
exclusivamente ao sacerdócio masculino por quase 800 anos.
“Este tópico é delicado, porém
acredito ser urgente o abordarmos”, escreveu Enzo Bianchi, líder de uma
comunidade religiosa ecumênica do norte da Itália e famoso comentador católico,
em seu artigo no L’Osservatore Romano.
“Com certeza, para os leigos
fiéis em geral, mas sobretudo para todas as mulheres, esta seria uma mudança
fundamental para a participação delas na vida da Igreja”, afirmou Bianchi, que
considerou uma tal reforma como um “caminho decisivo” para a resposta aos
pedidos generalizados – inclusive do Papa Francisco – para se achar meios de
dar a elas um papel maior na Igreja.
Duas irmãs consagradas também
contribuíram com artigos publicados em uma seção especial de 1º de março, seção
que faz parte de uma nova série do L’Osservatore Romano sobre a mulher
intitulada “Mulheres Igreja Mundo”.
Em sua coluna, a Irmã Catherine
Aubin, dominicana natural da França que leciona Teologia na Pontifícia
Universidade em Roma, observou que Jesus incentivou as mulheres a pregarem a
sua mensagem de salvação, e disse que, ao longo da história da Igreja,
existiram muitas evangelistas extraordinárias. Hoje também as mulheres conduzem
retiros e, com efeito, pregam de outras formas, argumentou.
“Façamo-nos”, escreveu Aubin,
“sinceramente a seguinte pergunta: Por que as mulheres não podem também pregar
em frente de todo mundo durante a celebração da missa?”
Uma outra irmã dominicana,
Madeleine Fredell, da Suécia, escreveu que a pregação “é a minha vocação como
dominicana, e embora eu não o possa fazê-la na maioria dos lugares, às vezes
nem mesmo em uma comunidade luterana, creio que a escuta da voz de mulheres no
momento da homilia enriqueceria o nosso culto católico”.
Caso isso aconteça, uma tal
mudança causaria polêmica.
No começo do século XIII, como
parte do movimento em direção à consolidação do poder católico no papado e no
clero, o Papa Gregório IX efetivamente proibiu os leigos – homens não ordenados
e mulheres – de pregar, especialmente sobre assuntos teológicos ou
doutrinários, temas que eram considerados a província dos clérigos.
Embora exceções ocasionais fossem
permitidas, foi somente no começo da década de 1970 que houve indícios de se reconsiderar
esta proibição, estimulado pelos crescentes apelos para que as mulheres – e os
leigos em geral – assumissem mais funções e responsabilidades na Igreja. Em seu
artigo, Bianchi notou que, em 1973, o Vaticano deu aos bispos alemães a
permissão de autorizar leigos, entre eles muitas mulheres, a pregar com
permissão especial durante um período experimental de oito anos.
Mas a eleição em 1978 de São João
Paulo II, papa conservador em termos doutrinais, deu início a um período de
proibições mais estritas.
O Código de Direito Canônico
revisado que João Paulo II promulgou em 1983 afirmava que a homilia “está
reservada ao sacerdote ou ao diácono” porque faz parte integral da missa e deve
ser feita por um homem ordenado atuando no papel de Cristo.
Então, em 1997, um documento do
Vaticano apoiado por oito diferentes departamentos da Cúria Romana buscava
reforçar ainda mais a proscrição contra a pregação dos leigos; o texto também
advertia os bispos que eles não podiam autorizar nenhuma exceção.
No entanto, na mesma época em que
o Vaticano estava reforçando a distinção entre leigos e clérigos ordenados, os
leigos – entre eles muitas mulheres – estavam desempenhando um papel mais
visível na missa como leitores e ministros da Eucaristia. As meninas também haviam
sido permitidas a atuarem como coroinhas, prática que se tornou generalizada.
Estas mudanças levaram uma série
de conservadores a condenar a “feminização” da Igreja Católica, e quaisquer
propostas sérias em permitir que as mulheres pregassem certamente aumentaria a
ansiedade deles.
O argumento para uma mudança
nesse sentido não é que ela estaria “modernizando” a Igreja, mas, pelo
contrário, está remontando à tradição dos primeiros anos do cristianismo, onde,
conforma Bianchi e outros ensaístas observam, elas regularmente recebiam a permissão
para pregar e, frequentemente, o faziam em frente dos sacerdotes, bispos e
mesmo do papa.
Na verdade, Maria Madalena era
conhecida como “a apóstola dos apóstolos” porque os Evangelhos contam como
Jesus apareceu primeiramente a ela na manhã de Páscoa, e a enviou para dar a
notícia da ressureição – a crença cristã fundamental – aos seguidores
masculinos de Jesus.
O que, portanto, Francisco vai
fazer?
O pontífice tem repetidamente
pedido por uma maior participação das mulheres na Igreja, porém ele também
reiterou a proibição contra a ordenação feminina ao sacerdócio e advertiu
contra a “clericalização” delas, com as tentativas de torná-las cardeais ou
focando-se em promovê-las a cargos eclesiásticos mais altos.
De qualquer forma, que o próprio
jornal do Vaticano dedique tanto espaço para a questão das mulheres pregadoras
é, em si, algo intrigante, disse Massimo Faggioli, historiador da Igreja e
professor da Universidade de St. Thomas, em Minnesota.
“Eu acho que isso é um grande
sinal”, completou ele.
Fonte: Ihu
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