A ideia de uma responsabilidade
das religiões na "desventura das mulheres " é generalizada nos
círculos feministas. Hierarquia de gênero, desconfiança das mulheres, muitas
proibições, falta de lugares de poder em instituições religiosas são elementos
que parecem confirmar esta visão crítica.
A entrevista é de Jean-Claude
Noyé, publicada por La Vie, 04-03-2016. A tradução é de Ramiro Mincato. Eis a
entrevista.
Feminismo e religião parecem não
se dar muito bem. Por quê?
A ideia de uma responsabilidade
das religiões na "desventura das mulheres " é generalizada nos
círculos feministas. Hierarquia de gênero, desconfiança das mulheres, muitas
proibições, falta de lugares de poder em instituições religiosas são elementos
que parecem confirmar esta visão crítica. Os anos 60-70, marcados pela segunda
onda do feminismo, viram desenvolver-se ataques muito severos à herança
judaico-cristã. Nos anos 1990-2000, voltou a questão das restrições impostas
sobre as mulheres por injunções religiosas, desta vez por causa do véu
islâmico. A terceira onda do feminismo, do início do século XXI, é
caracterizado pela reflexão sobre o secularismo, num período em que as mulheres
nos países do Sul do mundo são confrontadas com esse problema, às vezes de
forma violenta.
A oposição das feministas às
religiões parece particularmente forte na França. Por quê?
O feminismo francês foi marcado
historicamente pela presença ativa de mulheres "laicistas",
republicanas e anticlericais. Como Hubertine Auclert (1848-1914), pioneira dos
pedidos de direito de voto para as mulheres. Esta posição é explicada pelo peso
da tradição católica em nosso país e com o fato de que a Igreja Católica
manteve-se masculina ao longo dos séculos, fechada à ideia da emancipação das
mulheres, mas também, até o fim do século XIX, hostil à República.
O feminismo nasceu em ambientes
protestantes anglo-saxões...
A ênfase da Reforma ao acesso dos
fiéis à Bíblia levou a um verdadeiro investimento protestante na educação
também das meninas. Na França, Grã-Bretanha e Alemanha, no início do século XX,
sua educação era mais avançada do que a das jovens católicas. Vamos
encontrá-las nas primeiras organizações feministas dos anos 1900-1910, ligadas
a redes anglo-saxãs, também de cultura protestante. Há mulheres luteranas que
realizam a função de pastoras desde os anos 30. Os estudos de teologia já
estavam abertos para elas. Em 1966, o Sínodo da Igreja Reformada da França
valida oficialmente o acesso das mulheres ao pastorado. Nos anos 50 e 60, os
protestantes (homens e mulheres) são numerosos entre os promotores de
planejamento familiar. E o Conselho Nacional das mulheres francesas tem sido
dirigido por mulheres protestantes.
Acontece mais ou menos a mesma
coisa nos círculos judaicos ...
Sim. No início do século XX,
houve um alto nível de educação das meninas de famílias judias, que frequentam
o ensino médio e entram nas universidades. Uma realidade ligada a uma cultura
atenta à aquisição de conhecimentos e ao exercício do espírito crítico. Houve
advogadas judias que sustentaram as organizações feministas nos anos 1910 a
1930. Hoje, enquanto a ordenação sacerdotal de mulheres continua a ser
impossível na Igreja Católica, na França existem algumas mulheres rabinas. E
muito mais na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, onde o movimento judaico
progressista é mais forte do que na França, em que a corrente ortodoxa
predomina.
As feministas de hoje estão menos
predispostas a se livrar da herança religiosa?
Quanto às mulheres hebreias,
muitas tentam manter junto seu judaísmo - a ligação com Israel, a Torá como uma
inspiração... – e sua reivindicação de emancipação. Em vez disso as suas mães
eram fortemente laicizadas. Agora, porém, estamos assistindo a uma verdadeira
afloração das feministas muçulmanas. Elas não hesitam em invocar as suras do
Alcorão para opor-se as declarações de imãs e mulás que justificam a subjugação
das mulheres. Em dedicar-se ao trabalho de reler os hadith (palavras do
Profeta), para contextualizá-las, e para levantar perguntas sobre as suas
interpretações. A referência a Fátima, filha de Maomé, permite de valorizar a
mulher corajosa, a questionar o que é dado por indubitável. Minoritárias, mas
organizadas em redes estruturadas, essas feministas encontram-se em
conferências e reuniões internacionais.
E do lado católico?
Muitas mulheres deixaram a Igreja
na ponta dos pés após Humanae Vitae (1968), a encíclica de Paulo VI reiterando
a proibição da contracepção. Mas em 1970, o movimento franco-belga, Femmes et
hommes en Eglise, propôs, na esteira do Concílio Vaticano II, uma parceria mais
igualitária entre os dois sexos. Esse desejo de mudança está presente num livro
publicado em 1982, Et si on ordonnait des femmes? (E se ordenássemos
mulheres?), redigido por uma filosofa, Renée Dufourt, e por duas teólogas,
professoras na Universidade Católica de Lyon, Marie-Jeanne Bérère, leiga que se
interroga sobre a ligação entre masculinidade e sacerdócio, e Donna Singles,
religiosa, que se expressa com muita liberdade. Seu livro será muito mal
recebido pelos organismos oficiais da Igreja.
A crítica cresceu ao longo dos
anos 1980-2000 com os estudos de teólogas feministas de todas as denominações,
que repensam a herança cristã, discutem as interpretações dominantes, valorizam
as figuras femininas da tradição bíblica e apoiam a renovação do vocabulário
litúrgico. Até colocar a pergunta: "é preciso ainda falar de um Deus-pai?”
Hoje, nas paróquias, muitas mulheres jovens já não silenciam e continuam a
permanecer na Igreja.
Como no caso da fundadora do
Comité de la jupe (Comissão de saia), Anne Soupa e Christine Pedotti, muito
críticas sobre o funcionamento da Igreja, com uma linguagem muito próxima ao
das feministas, e que não querem "nem sair, nem calar".
Fonte: Ihu
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