Isabel C. Brandão
Psicologa na Pastoral da Mulher de BH
Faz grande sucesso, especialmente
entre as mulheres, a história de Anastasia Steele, jovem ingênua e inexperiente
e Christian Grey, jovem milionário (grande e raro feito para sua idade) muito
belo, sedutor, controlador e desejoso de prazeres extravagantes. Ambos
protagonistas da saga Cinquenta tons de Cinza.
De imediato percebemos uma
hierarquia de poderes onde, para variar, a mulher está em desvantagem. E é
óbvio que Ana cederá aos encantos de Christian ainda que muitas vezes seja
humilhada nesta relação.
Cabe perguntar o que faz a mulher
se submeter a relações humilhantes, desrespeitosas em troca de migalhas?
Historicamente há uma
domesticação do corpo feminino. Este é e foi sempre um corpo mais sofrido que o
corpo masculino. Sua função está predeterminada por sua condição biológica: um
corpo para reproduzir, servir e dar prazer ao outro. Esta armadilha foi
construída em base as exigências da maternidade: gestar e cuidar. Que
estranhamente constrói um imaginário de que o corpo feminino é frágil e
inferior ao masculino. Esta condição
está simbolicamente expressa nas características dos protagonistas do livro
Cinquenta tons de cinza e na relação que estes estabelecem entre si.
Outra questão para refletir: a sexualidade humana.
Não existe uma “norma natural”
para a sexualidade. Basta pensar nos casos de assédio sexual, incestos,
violência e estupros. Olhamos com repugnância e consideramos como desvio patológico
tais condutas que cada vez mais se tornam tão corriqueiras. Contudo, estas confirmam
que somos dominados por uma pulsão, que extrapola a noção de instinto (entendido
como comportamento hereditariamente fixado, próprio de uma espécie animal que
se repete sem alterações) e envereda pelos caminhos do inconsciente. A pulsão
está no campo do desvio, não está atrelada tão somente à função sexual
reprodutiva. Vale dizer que, nesta perspectiva, nem sempre escolhemos o melhor
para nós ou para as pessoas que amamos. Paradoxalmente há prazer na dor e no
desprazer. Relações sadomasoquistas, onde a mulher se submete às exigências do
outro, podem expressar a pouca liberdade de expressão de sua sexualidade imposta às mulheres. Valorizar o sofrimento
para agradar ao outro, mais que chicotes e algemas explicita uma relação de poder
onde um se impõe ao outro.
A ocidentalização propõe um
modelo de felicidade e bem-estar baseado no consumo desenfreado. Isto vale
inclusive para a sexualidade. Há um modelo de prazer imposto onde é proibido
não sentir prazer. Mas o prazer sexual tem seus
(des)caminhos. Ele exige encantamentos que técnicas sexuais de busca de
prazer, por si só não podem oferecer. Nem sempre quando se diz sexo se deseja
sexo. Há o que podemos chamar de beleza (al)química que faz com que um corpo
vibre diante de outro corpo. E isto é suficiente para transformar cinquenta
tons de cinza em um único tom de vermelho. Mais do que se saber objeto de
desejo para o outro o que nossa humanidade deseja é afeto, companheirismo e
cumplicidade.
Sexo e amor andam em trilhos
paralelos que podem ao final não terminar na mesma estação.Um pretende chegar a
um lugar de vazio, satisfação, situação análoga a morte onde não seja mais
necessário desejar. Em vez de prazer, gozo, onde o erotismo se expressa no
sofrimento e na dor, inclusive física que pode se realizar nos excessos. Quem
já não se viu diante de uma geladeira repleta de guloseimas e depois de devorar
todas continuar com a sensação de que ainda não comeu o que queria?
Por outro lado, o amor se
alimenta de pequenos sinais, cheiros, cores, restos de palavras, doses
homeopáticas que produzem indescritível sensação de alegria, andar nas nuvens.
No fundo o que queremos é ser para o outro, existir nele como ele existe em nós. Os poetas sabem bem desvelar estes véus de
encantamento. Como explicar o que acontece quando amamos? Difícil explicar.
Sabemos, porém, que exige parceria, cumplicidade e perseverança, pois de trata
de uma conquista. Certamente também é dor prazerosa, mas ao contrário da outra
que traz sensação de vazio, esta nos plenifica.
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