A ressurreição de Jesus mostrou que Deus tomou partido dos vencidos. O algoz não triunfa sobre sua vítima. Deus ressuscitou a vítima e com isso não defraudou nossa sede por um mundo finalmente justo e fraterno que coloca a vida no centro e não o lucro e os interesses dos poderosos.
Leonardo Boff
Há uma questão da
existência social do ser humano que atormenta o espírito e para a qual a
ressurreição do Crucificado pode trazer um raio de luz: que sentido tem a morte
violenta dos que tombaram pela causa da justiça e da liberdade? Que futuro têm
aqueles proletários, camponeses, índios, sequestrados, torturados, assassinados
pelos órgãos de segurança dos regimes despóticos e totalitários, como os nossos
da América Latina, em fim, os anônimos que historicamente foram trucidados por
reivindicarem seus direitos e a liberdade de toda uma sociedade?
Geralmente a história é contada pelos que triunfaram e na
perspectiva de seus interesses. A nossa, a brasileira, foi escrita pela mão
branca. Só com o historiador mulato Capistrano de Abreu aparece a mão negra e
mulata. O sofrimento dos vencidos quem o honrará? Seus gritos caninos que sobem
ao céus quem os escutará?
A ressurreição de Jesus pode nos oferecer alguma resposta.
Pois, quem ressuscitou foi um destes derrotados e crucificados, Jesus, feito
servo sofredor e condenado à vergonha da crucificação.
Quem ressuscitou não foi um César no auge de sua glória, nem
um general no apogeu de seu poderio militar, nem um sábio na culminância de sua
fama, nem um sumo-sacerdote com perfume
de santidade. Quem ressuscitou foi um Crucificado, executado fora dos muros da
cidade, como lembra a Carta aos Hebreus, quer dizer, na maior exclusão e infâmia social.
Mas foi ele que
herdou as primícias da vida nova. Pois a ressurreição não é a reanimação
de um cadáver como aquele de Lázaro. A ressurreição é a floração plena de todas
as virtualidades latentes dentro de cada vida. Ela revela o sentido terminal da
vida: a irradiação suprema do “homo absconditus” (o humano escondido) que agora
se faz o “homo revelatus”(o humano revelado).
A ressurreição de Jesus mostrou que Deus tomou partido dos
vencidos. O algoz não triunfa sobre sua vítima. Deus ressuscitou a vítima e com
isso não defraudou nossa sede por um mundo finalmente justo e fraterno que
coloca a vida no centro e não o lucro e os interesses dos poderosos. Só
ressuscitando os vencidos, fazemos justiça a eles e lhes devolvemos a vida
roubada, vida agora transfigurada. Sem essa reconciliação com o passado
perverso, a história permanece um enigma.
Os injustamente executados voltarão, com a bandeira branca
da vida. O verdadeiro sentido da ressurreição se mostra como insurreição contra
as injustiças deste mundo que condena o justo e dá razão ao criminoso.
Agora pode começar uma nova história, com um horizonte
aberto para um futuro promissor para a vida, para a sociedade e para a Terra.
Dizem historiadores que o mundo antigo não conhecia o sorriso. Mostrava a
gargalhada do deus Baco ou o riso maldoso do deus Pan. O sorriso, comentam, foi
introduzido pelo Cristianismo por causa da alegria da Ressurreição. Só
podesorrir verdadeiramente quando se sabe que a grande palavra final é vida e
não morte. O sorriso, portanto, é filho da Ressurreição que celebra a vitória
da vida sobre a morte, testemunha o encantamento sobre a frustração e proclama
o amor incondicional sobre a indiferença e o ódio.
Este fato é religioso e somente acessível mediante a ruptura
da fé. Admitindo que a ressurreição realmente aconteceu, então seu significado
transcende o campo religioso. Ganha uma dimensão existencial, social e cósmica.
Na expressão de Teilhard de Chardin, a ressurreição configura um “tremendous”
de dimensões evolucionárias, pois representa uma revolução dentro da evolução.
Se o Cristianismo tem algo singular a testemunhar, então é
isso: a ressurreição como uma antecipação do fim bom do universo e a irrupção
dentro da história ainda em curso do “novissimus Adam” como São Paulo chama a
Cristo: o “Adão novíssimo”.
Depois disso, cabe apenas se alegrar, festejar, ir pelos
campos para abençoar os solos e as semeaduras como o faz a Igreja Ortodoxa na
manhã de Páscoa e entoar o Aleluia.
Fonte: Jornal do Brasil
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