"Porque procurais entre os mortos aquele que está
vivo?"
Feliz Páscoa aos que nunca fecham a janela ao horizonte, regam suas raízes e não temem pisar descalços a terra em que nasceram. E aos que se embriagam de chuvas, ofertam luas à namorada e fazem da poesia a sua lógica.
Frei Betto
Feliz Páscoa aos que desdobram a subjetividade, rompendo a
casca do ego para deixar renascer a mulher ou o homem novo, e a quem se nutre
de TV sem enxergar as maravilhas encerradas no próprio peito.
Feliz Páscoa aos artífices da paz que, entre conflitos,
exalam suavidade, não achibatam com a língua a fama alheia, nem naufragam nas
próprias feridas. E aos emotivos que deixam escapar das mãos as rédeas da
paciência e nunca abandonam as esporas da ansiedade.
Feliz Páscoa aos que tecem com o olhar o perfil da alma e,
no silêncio dos toques, curam a pele de toda aspereza. E aos amantes tragados
pelo ritmo incessante de trabalho, carentes de carícias, que postergam para o
futuro o presente que nunca se dão.
Feliz Páscoa a quem acredita ser o ovo portador de vida, sem
que a fé exija que o quebre, e aos incrédulos e a todos que jamais dobraram os
joelhos diante do mistério divino.
Feliz Páscoa aos que identificam as trilhas aventurosas da
vida mapeadas na geografia de suas rugas e não se envergonham da topografia
disforme de seus corpos. E a todos aqueles que, robotizados pela moda, se
revestem de estátuas gregas carcomidas pela anorexia, sem se dar conta de que a
mente mente.
Feliz Páscoa aos que ousam ser gentis e doces, sem pudor de
abraçar o menino que carregam dentro de si. E aos afoitos, competitivos,
turbinados e sarados, enamorados da própria vaidade, incapazes de suportar uma
fila de espera.
Feliz Páscoa aos que sabem amarrar o seu burrico à sombra da
sabedoria e jamais negociam a felicidade em troca de uma arroba de milho que,
vista à distância, parece pepita de ouro. E aos idólatras do dinheiro, fiéis
devotos dos oráculos do mercado, reféns de pobres desejos que, saciados de
supérfluos, nunca alcançam o essencial.
Feliz Páscoa a quem abre caminhos com os próprios passos e
cultiva em seus jardins a rosa dos ventos. E aos que colhem borboletas ao
alvorecer e sabem que a beleza é filha do silêncio.
Feliz Páscoa aos que garimpam utopias nos campos da miséria
e trazem seus corações prenhes de indignação, sem jamais olvidar o próximo como
seu semelhante. E aos que, montados na indiferença, atropelam delicadezas, até
que a dor lhes abra a porta do amor.
Feliz Páscoa aos que nunca fecham a janela ao horizonte,
regam suas raízes e não temem pisar descalços a terra em que nasceram. E aos
que se embriagam de chuvas, ofertam luas à namorada e fazem da poesia a sua
lógica.
Feliz Páscoa aos colecionadores de araucárias, que enfeitam
de sonhos suas florestas e, na primavera, colhem frutos de plenitude. E aos que
brincam de amarelinha ao entardecer e desconfiam dos adultos exilados da
alegria.
Feliz Páscoa aos que se repartem nas esquinas, distribuem
aos passantes moedas de sol e, nada tendo, nada temem. E aos que, ao desjejum,
abrem sua caixa de mágoas e recontam uma a uma, gravando nos cadernos do afeto
dívidas e juros.
Feliz Páscoa aos que caminham sobre tatames e, por terem
muita pressa de chegar, jamais correm. E aos navegadores solitários, pilotos
cegos e peregrinos mancos, que se arrastam pelas trilhas da desesperança.
Feliz Páscoa aos políticos obrigados a inventar, para os
outros, o futuro que não se deram no passado, e estendem sorrisos para mendigar
votos. E aos que não se deixam iludir pela insipidez da política e nem atiram
seus votos na lixeira do desinteresse, alimentando ratos.
Feliz Páscoa aos trovadores de esperanças, aos fazendeiros
do ar e aos banqueiros da generosidade, que sabem tirar água do próprio poço. E
aos que mantêm em cada esquina oficinas de conserto do mundo, mas desconhecem
as ferramentas que arrancam as dobradiças do egoísmo.
Feliz Páscoa a quem seqüestra o melhor de si, escondendo-o
nas cavernas de suas mesquinhas ambições, sem coragem de pagar o resgate da
humildade. E aos que nunca banem do espírito a presença de Deus e fazem da vida
uma or/ação.
Feliz Páscoa às bailarinas fantasiadas de anjos que sobem,
na ponta dos pés, a curva policrômica do arco-íris, e aos palhaços ovacionados
que, no camarim, se miram tristes no espelho, vazios da euforia que provocam.
Feliz Páscoa aos que descobrem Deus escondido numa compota
de figos em calda ou no vaga-lume que risca um ponto de luz na noite
desestrelada. E aos que aprendem a morrer, todos os dias, para os apegos de
desimportância e, livres e leves, alçam vôo rumo ao oceano da transcendência.
Fonte: http://www2.uol.com.br
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