Em nossa luta pelo transporte
livre e gerido de fato pelas pessoas, nós observamos todos os dias utilizando
transporte público de forma humilhante, nos ônibus, trens e metrôs. Somos
submetidas a condições degradantes para ir e voltar do trabalho, da escola ou
mesmo para circular pela cidade.
A reportagem é do MPL Mulheres*,
publicada pelo jornal El País, 12-11-2015.
As mulheres trabalhadoras, em
sua maioria negras e moradoras da periferia, sofrem ainda mais: além dos
deslocamentos demorados e sufocantes, são constantemente assediadas por homens
que se aproveitam da precariedade do transporte público para impor sua lógica
machista de tratar mulheres como coisa, como coisa pública.
A imensa maioria das mulheres são
encoxadas, assediadas e submetidas a inúmeras outras formas de violência
diariamente. A superlotação dos trens e ônibus, por sua vez, também cumpre
outro papel perverso: é resultado de um sistema de transporte mercadológico,
que visa o lucro das empresas, e não o bem estar e o interesse das usuárias e
usuários. É essa lógica que mantém seguranças vigiando as catracas, mas que
ignoram um estupro dentro das dependências do metrô. Ou que espancam uma garota
menor de idade por não pagar a passagem. A cidade que já é agressiva com os de
baixo é ainda mais hostil às mulheres.
Apesar de nós mulheres
representarmos em São Paulo mais da metade do total de usuárias e usuários de
transporte público, sabemos que ainda hoje somos impedidas de participar da
construção e apropriação da cidade, através da restrição de nossa circulação:
lugar de mulher não é na rua. Assim, mesmo quando ocupamos espaço no mercado de
trabalho, somos duplamente humilhadas no transporte público: através da tarifa
e das condições da viagem.
Além de ainda recebermos menos
que homens, mulheres solteiras que criam os filhos são quase dez vezes mais numerosas
que pais que fazem o mesmo. Ou seja, quando a tarifa sobe, são as mulheres que
sentem mais nos salários. Além disso, o preço que pagamos corresponde a uma
viagem sujeita a assédios de toda a natureza: 48% das usuárias de transporte
público já foram vítimas de algum tipo de abuso. Esse sistema reforça e
representa a construção cotidiana de nossa sociedade capitalista patriarcal que
violenta as mulheres diariamente. A mercantilização do transporte obriga também
o corte de gastos e, apesar de lutarmos por uma cidade que respeite a mulher, e
não uma que apenas coíba a violência, a possível demissão de cobradoras e
cobradores que vem sendo apresentada pela SPTrans pode também colaborar com
nossa insegurança, já que elimina uma figura que muitas vezes ajuda a evitar
assédios.
A mobilização feminina que
acontece nas últimas semanas no entanto demonstra que as mulheres estão
dispostas a brigar por seu espaço na cidade e seus corpos. Nos locomover pela
cidade com liberdade é parte da mesma autonomia e liberdade que desejamos
experimentar em relação às escolhas com nossos corpos. Somam-se as mulheres que
se mobilizam em outras lutas que não necessariamente "feministas" mas
onde nosso sofrimento bem como nossa força se mostra: as secundaristas que se
organizam em escolas públicas contra seu fechamento, as mulheres negras que
irão marchar em novembro pelo direito à vida da população negra, as mulheres de
Mariana-MG, que lutam por sua terra e manutenção da vida. Somos muitas, estamos
juntas, e vamos fazer a revolução.
*MPL Mulheres São Paulo faz parte
do Movimento Passe Livre, uma frente que trabalha pela tarifa zero para o
transporte público.
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