As novas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) para estimular o parto normal, que entraram em vigor em junho passado,
uniram mulheres ativistas pela modalidade.
As normas determinam que operadoras
de saúde devem informar qual a taxa de cesáreas praticada por seus médicos
credenciados. A partir disso, militantes se organizaram em mutirões para pedir
os dados em diversos Estados e disponibilizá-los em planilhas na Internet para
quem quiser consultá-los.
Com as informações em mãos, houve casos de mulheres que
acabaram trocando seus obstetras no meio da gestação, porque as taxas de
cesáreas do médico eram altas demais. Outras descobriram que seus médicos, que
se diziam pró-parto normal, provavelmente as induziram para uma cesárea
desnecessária. “Quando fui ter meu filho, há cinco anos, escolhi um médico que
todo mundo na cidade dizia que era a favor do parto normal. Diziam que eu podia
confiar. Duas semanas antes da data prevista para o parto, ele disse que o bebê
não podia mais esperar e que eu não tinha dilatação suficiente. Acreditei e
acabei em uma cesárea”, conta a fotógrafa Laiz Zotovici, de 35 anos. Há duas
semanas, quando viu a lista com as taxas de diversos médicos da cidade, ela
percebeu o que pode ter acontecido: “96% de cesáreas! Ele era um cesarista! Fui
enganada”, indigna-se.
As listas têm gerado tanto furor que grupos de médicos já
chegaram a ameaçar as mulheres de processo. “Eles afirmavam que as associações
médicas iriam acionar o Ministério Público”, conta a obstetriz e ativista Ana
Cristina Duarte. A própria ANS esclarece que não há nada de errado em divulgar
os dados, já que eles são, de fato, públicos.
O incômodo dos profissionais tem explicação. Pela planilha é
possível saber, por exemplo, que de 1.020 médicos de São Paulo cujos dados já
foram disponibilizados, 720 praticaram as cirurgias todas as vezes que fizeram
um parto. No Rio, dos 696 médicos cadastrados, 472 tem taxa de 100% de
cesáreas.
Em um país onde oito de cada dez mulheres que engravidam
terminam em um parto cesárea na rede privada, os dados não deveriam espantar.
Mas eles serviram como um alerta importante, porque podem indicar que a taxa de
cirurgias é tão elevada porque a maioria dos médicos agenda as cesáreas de
todas as suas pacientes, alertam as militantes.
“O único jeito de um médico fazer cesárea todas as vezes é
marcando. E marcando para antes do tempo previsto do parto. Porque não é
possível que ele não tenha tido nunca nenhuma paciente que entrou em trabalho
de parto e já chegou ao hospital com o bebê prestes a nascer”, diz Duarte.
“Isso mostra que as taxas são elevadas porque o médico quer organizar sua
agenda e acaba marcando todos os partos precocemente”, complementa ela, que
defende que as medidas adotadas pela ANS são inócuas e que a forma mais eficaz
de reduzir as cirurgias seria proibir as cesáreas agendadas.
O tema é polêmico. Os que defendem as cesáreas agendadas
afirmam que a proibição interferiria no direito de escolha da mulher. Mas o
agendamento é condenado por muitos especialistas, que afirmam que é necessário,
pelo menos, que a mulher entre em trabalho de parto para que o bebê nasça, já
que antes disso o pulmão dele, que amadurece por último, pode não estar
completamente pronto, aumentando as chances de que a criança tenha que ser
internada em uma UTI neonatal.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), que afirma que o
país é o campeão neste tipo de cirurgias, não há motivos que expliquem uma taxa
de cesarianas maior do que 10% a 15%. Como todas as cirurgias, elas só deveriam
ser feitas quando há necessidade. Ou seja, quando a mulher entra em trabalho de
parto e, por complicações, o parto se torna uma emergência.
Para tentar tocar no assunto, ainda que de forma bastante
delicada, as normas da ANS que passaram a vigorar em junho também trouxeram
algumas outras limitações para as cesáreas. Cirurgias só poderão ser marcadas
quando a mulher completar 39 semanas de gestação –muitos médicos marcavam para
37 semanas, quando o bebê já deixa de ser considerado prematuro, apesar de nem
sempre estar com o pulmão pronto. Os obstetras também têm que preencher um
partograma, que registra informações detalhadas do trabalho de parto. Eles
deverão apresentar ainda uma justificativa por escrito quando não for possível
fazer o documento porque a mulher não entrou em trabalho de parto. Até agora,
entretanto, nada mudou na incidência global de cesáreas do país, afirma a
diretora de desenvolvimento setorial da ANS, Martha Regina de Oliveira, que
ressalta que ainda é cedo para tirar conclusões.
A agência, no entanto viu indícios de sucesso em um
projeto-piloto, implementado em 42 hospitais e 30 operadoras de saúde há seis
meses. Ele identificou os procedimentos que levavam às cesáreas nessas unidades
e adotou algumas medidas, entre elas a de esclarecer as futuras mães sobre os
riscos de cesáreas desnecessárias, capacitar médicos e enfermeiros, reduzir
intervenções dolorosas desnecessárias, como a episiotomia (corte cirúrgico na
região do períneo, entre a vagina e o ânus), e substituir salas cirúrgicas por
salas de parto. A taxa de partos normais nesses hospitais passou de uma média
de 19,8%, em 2014, para 27,2%, em setembro de 2015.
“A gente tenta lidar com essa situação desde 2005. Durante
esses dez anos só vimos as taxas aumentarem independentemente das ações
implementadas. Isso mostra que a gente vai precisar mudar a forma como essa
cadeia de atendimento está organizada”, afirma a diretora da ANS. Uma nova
estratégia que será testada no grupo-piloto é mudar a forma como a remuneração
dos partos é feita. Uma das ideias é que as operadoras passem a pagar mais pelo
parto normal, para compensar a perda financeira que os hospitais terão ao reduzir
as cesáreas. “Com menos cesáreas, se reduz também a quantidade de internações
nas UTIs neonatais, que é algo caro. Os hospitais vão receber menos ao mudar
para os partos normais. Por isso, é preciso reorganizar o financiamento e pagar
mais pelos partos bem-feitos”, diz.
Fonte: El Pais
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