segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Por que homens famosos conseguem se safar de casos de violência contra mulheres?

A resposta pode parecer óbvia. Eles são ricos, poderosos e famosos. Gente rica, poderosa e famosa tem maneiras de dar um jeitinho na questão legal. Mas e a repercussão cultural?  O fato de que esses homens têm mais respeito que estigma fala muito sobre a falta de consideração que nossa cultura tem pelas mulheres.


Em setembro, Straight Outta Compton tornou-se a biografia cinematográfica de músicos de maior sucesso da história: arrecadou 134 milhões de dólares nas três primeiras semanas de exibição.



Apesar do sucesso, o filme foi criticado por excluir personagens femininas, e a história de abuso contra mulheres por parte de Dr. Dre, produtor executivo e ex-integrante do N.W.A., voltou à tona.

Pela primeira vez em 20 anos, Dre foi forçado a falar sobre o assunto, inclusive sobre as agressões físicas contra a jornalista Dee Barnes em 1992 e o suposto ataque contra a noiva Michel’le durante o relacionamento de seis anos entre os dois.

O magnata deu uma declaração à revista Rolling Stone e depois fez um pedido público de desculpas, que foi seguido por outro comunicado da Apple (que comprou sua empresa, a Beats Electronics, fabricante dos famosos fones de ouvido, por 3 bilhões de dólares no ano passado). Agora, algumas semanas depois, o burburinho arrefeceu.

Mas há uma pergunta que deve ser feita na esteira da controvérsia, agora basicamente esquecida graças ao sucesso de “Straight Outta Compton”.

Por que foram necessários 20 anos para que Dre enfrentasse sua história de violência? Vinte anos nos quais ele passou de rapper de sucesso a empreendedor e segundo rapper mais rico do mundo.

Isso não significa que ele não mereça o sucesso por causa de seu passado, mas seu sucesso representa uma tendência no mundo das celebridades – homens famosos que se sempre acabam se safando de casos de violência e abuso contra mulheres.

Há uma lista enorme de celebridades da música, do cinema e dos esportes cujos passados de abuso não são considerados manchas em suas carreiras de sucesso.

Em 1987, Sean Penn torturou Madonna, sua então mulher, por nove horas.


Ele a amarrou numa cadeira, ameaçou cortar seu cabelo, a forçou a praticar atos sexuais degradantes e a agrediu com um taco de beisebol.

Desde então, o ator e diretor de 55 anos estrelou vários filmes que foram sucesso de crítica, ganhou dois Oscar e tornou-se defensor de várias causas sociais e políticas. O passado violento de Penn é chocante, mas mal se fala do assunto.



E não foi só Penn, claro, que conquistou respeito, elogios e uma carreira de êxitos apesar do envolvimento em episódios de violência contra mulheres.

Sean Connery defendeu abertamente as bofetadas nas mulheres.

Bill Murray foi acusado de agressão pela ex-mulher Jennifer Murray – ela afirma ter ouvido de Murray que “tinha sorte” por ele não tê-la matado.

Charlie Sheen se declarou culpado por uma agressão contra a ex-mulher Brooke Mueller, que diz ter sido ameaçada com uma faca.

E a lista não para por aí: Eminem, Semyon Varlamov, Michael Fassbender, Josh Brolin,Gary Oldman, John Lennon, Nicolas Cage, Sean Bean, Brandon Marshall.... Todos foram acusados ou indiciados por violência doméstica contra namoradas ou esposas. Todos têm carreiras e reputações que permanecem (em sua grande maioria) intactas.

Como esses homens famosos conseguem se safar da violência contra as mulheres?

A resposta pode parecer óbvia. Eles são ricos, poderosos e famosos. Gente rica, poderosa e famosa tem maneiras de dar um jeitinho na questão legal. Mas e a repercussão cultural?

O fato de que esses homens têm mais respeito que estigma fala muito sobre a falta de consideração que nossa cultura tem pelas mulheres.


É o mesmo motivo pelo qual Bill Cosby conseguiu atacar sexualmente dezenas de mulheres ao longo de décadas, ao mesmo mantendo o personagem adorável de Cliff Huxtable.

A cultura das celebridades serve basicamente aos homens, da objetificação das mulheres à fetichização da riqueza e do poder masculinos.

O poder das celebridades masculinas, portanto, está calcado numa cultura desenhada para aplaudi-las e protegê-las, para manter seu poder intacto e silenciar quem as ameaça.

Não é surpresa que em tantos desses casos, como o de Fassbender e a ex-namorada Sunawin Andrews, as acusadoras são culpadas e tachadas de mentirosas, interesseiras ou loucas por atenção.

As experiências dessas mulheres sempre são examinadas com microscópio. As pessoas só passaram a acreditar que Cosby pudesse ter cometido abuso sexual quando ele mesmo se implicou no uso das drogas usadas para cometer os estupros.

As denúncias de abuso de Michel’le contra Dr. Dre foram questionadas simplesmente porque ela nunca fez uma denúncia formal na polícia, apesar de mulheres agredidas não costumarem procurar a polícia para denunciar seus agressores.

Se não cobrarmos a responsabilidade desses homens, acabamos por colocá-los em pedestais, com prêmios e honras e dinheiro.

Punições na Justiça são uma coisa, mas é difícil reconciliar as supostas ações desses homens com a punição cultural que eles recebem (ou não recebem). Britney Spears teve de salvar sua imagem depois da crise que atravessou em 2007.

Vanessa Williams teve de renunciar ao título histórico Miss Estados Unidos e reconstruir sua reputação depois do vazamento de fotos em que aparecia nua.

Quase uma década se passou até que a carreira de Janet Jackson entrasse nos trilhos de novo -- tudo por causa de um mamilo que apareceu por alguns segundos na TV.

Foram necessários 20 anos para que Dr. Dre tivesse de responder publicamente pelo que fez com Dee Barnes. É um problema, e é ainda mais difícil saber qual seria a solução.

A longa lista de celebridades de Hollywood ligadas a episódios de violência contra as mulheres deveria ser reconhecida. Mas não é suficiente apenas reconhecer o status quo. Precisamos questioná-lo.


Fonte: Brasil Post

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