A resposta pode parecer óbvia.
Eles são ricos, poderosos e famosos. Gente rica, poderosa e famosa tem maneiras
de dar um jeitinho na questão legal. Mas e a repercussão cultural? O fato de que esses homens têm mais respeito
que estigma fala muito sobre a falta de consideração que nossa cultura tem
pelas mulheres.
Em setembro, Straight Outta
Compton tornou-se a biografia cinematográfica de músicos de maior sucesso da
história: arrecadou 134 milhões de dólares nas três primeiras semanas de
exibição.
Apesar do sucesso, o filme foi
criticado por excluir personagens femininas, e a história de abuso contra
mulheres por parte de Dr. Dre, produtor executivo e ex-integrante do N.W.A.,
voltou à tona.
Pela primeira vez em 20 anos, Dre
foi forçado a falar sobre o assunto, inclusive sobre as agressões físicas
contra a jornalista Dee Barnes em 1992 e o suposto ataque contra a noiva
Michel’le durante o relacionamento de seis anos entre os dois.
O magnata deu uma declaração à
revista Rolling Stone e depois fez um pedido público de desculpas, que foi
seguido por outro comunicado da Apple (que comprou sua empresa, a Beats
Electronics, fabricante dos famosos fones de ouvido, por 3 bilhões de dólares
no ano passado). Agora, algumas semanas depois, o burburinho arrefeceu.
Mas há uma pergunta que deve ser
feita na esteira da controvérsia, agora basicamente esquecida graças ao sucesso
de “Straight Outta Compton”.
Por que foram necessários 20 anos
para que Dre enfrentasse sua história de violência? Vinte anos nos quais ele
passou de rapper de sucesso a empreendedor e segundo rapper mais rico do mundo.
Isso não significa que ele não
mereça o sucesso por causa de seu passado, mas seu sucesso representa uma
tendência no mundo das celebridades – homens famosos que se sempre acabam se
safando de casos de violência e abuso contra mulheres.
Há uma lista enorme de
celebridades da música, do cinema e dos esportes cujos passados de abuso não
são considerados manchas em suas carreiras de sucesso.
Em 1987, Sean Penn torturou
Madonna, sua então mulher, por nove horas.
Ele a amarrou numa cadeira,
ameaçou cortar seu cabelo, a forçou a praticar atos sexuais degradantes e a
agrediu com um taco de beisebol.
Desde então, o ator e diretor de
55 anos estrelou vários filmes que foram sucesso de crítica, ganhou dois Oscar
e tornou-se defensor de várias causas sociais e políticas. O passado violento
de Penn é chocante, mas mal se fala do assunto.
E não foi só Penn, claro, que
conquistou respeito, elogios e uma carreira de êxitos apesar do envolvimento em
episódios de violência contra mulheres.
Sean Connery defendeu abertamente
as bofetadas nas mulheres.
Bill Murray foi acusado de
agressão pela ex-mulher Jennifer Murray – ela afirma ter ouvido de Murray que
“tinha sorte” por ele não tê-la matado.
Charlie Sheen se declarou culpado
por uma agressão contra a ex-mulher Brooke Mueller, que diz ter sido ameaçada
com uma faca.
E a lista não para por aí:
Eminem, Semyon Varlamov, Michael Fassbender, Josh Brolin,Gary Oldman, John
Lennon, Nicolas Cage, Sean Bean, Brandon Marshall.... Todos foram acusados ou
indiciados por violência doméstica contra namoradas ou esposas. Todos têm carreiras
e reputações que permanecem (em sua grande maioria) intactas.
Como esses homens famosos
conseguem se safar da violência contra as mulheres?
A resposta pode parecer óbvia.
Eles são ricos, poderosos e famosos. Gente rica, poderosa e famosa tem maneiras
de dar um jeitinho na questão legal. Mas e a repercussão cultural?
O fato de que esses homens têm
mais respeito que estigma fala muito sobre a falta de consideração que nossa
cultura tem pelas mulheres.
É o mesmo motivo pelo qual Bill
Cosby conseguiu atacar sexualmente dezenas de mulheres ao longo de décadas, ao
mesmo mantendo o personagem adorável de Cliff Huxtable.
A cultura das celebridades serve
basicamente aos homens, da objetificação das mulheres à fetichização da riqueza
e do poder masculinos.
O poder das celebridades
masculinas, portanto, está calcado numa cultura desenhada para aplaudi-las e
protegê-las, para manter seu poder intacto e silenciar quem as ameaça.
Não é surpresa que em tantos
desses casos, como o de Fassbender e a ex-namorada Sunawin Andrews, as
acusadoras são culpadas e tachadas de mentirosas, interesseiras ou loucas por
atenção.
As experiências dessas mulheres
sempre são examinadas com microscópio. As pessoas só passaram a acreditar que
Cosby pudesse ter cometido abuso sexual quando ele mesmo se implicou no uso das
drogas usadas para cometer os estupros.
As denúncias de abuso de
Michel’le contra Dr. Dre foram questionadas simplesmente porque ela nunca fez
uma denúncia formal na polícia, apesar de mulheres agredidas não costumarem
procurar a polícia para denunciar seus agressores.
Se não cobrarmos a
responsabilidade desses homens, acabamos por colocá-los em pedestais, com
prêmios e honras e dinheiro.
Punições na Justiça são uma
coisa, mas é difícil reconciliar as supostas ações desses homens com a punição
cultural que eles recebem (ou não recebem). Britney Spears teve de salvar sua
imagem depois da crise que atravessou em 2007.
Vanessa Williams teve de
renunciar ao título histórico Miss Estados Unidos e reconstruir sua reputação
depois do vazamento de fotos em que aparecia nua.
Quase uma década se passou até
que a carreira de Janet Jackson entrasse nos trilhos de novo -- tudo por causa
de um mamilo que apareceu por alguns segundos na TV.
Foram necessários 20 anos para
que Dr. Dre tivesse de responder publicamente pelo que fez com Dee Barnes. É um
problema, e é ainda mais difícil saber qual seria a solução.
A longa lista de celebridades de
Hollywood ligadas a episódios de violência contra as mulheres deveria ser
reconhecida. Mas não é suficiente apenas reconhecer o status quo. Precisamos
questioná-lo.
Fonte: Brasil Post
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