A autoridade masculina, imposta
institucionalmente, é uma das estruturas mais antigas da humanidade. Uma ou
outra cultura, aqui ou acolá, desenvolveu sistemas matriarcais, mas nas grandes
civilizações dais quais somos herdeiros, as mulheres viviam sob condições
legais limitadas, sem direitos políticos. Os assuntos de Estado foram de
exclusividade dos homens durante séculos, com raríssimas exceções.
Por Luiza Bulhões Olmedo, do Sul
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A partir do iluminismo francês, e
particularmente da revolução industrial inglesa, o papel feminino começa a
mudar. A combinação de racionalismo iluminista, um toque de ideologias
comunistas, e um novo sistema produtivo, foram a deixa para que ideais feministas
florescessem no seio do movimento operário. As mulheres se tornaram parte da
engrenagem da produção, e passaram a reivindicar mais direitos. Não à toa,
nessa época, em 1893, as mulheres neozelandesas foram as primeiras a conquistar
o sufrágio.
Desde então, o voto feminino
lentamente se espalhou pelo mapa-múndi. E esse ano, finalmente, um dos últimos
Estados a proibir que mulheres votassem mudou suas leis. A partir de 2015, as
mulheres da Arábia Saudita podem votar (agora só falta o Vaticano!). É claro que
não acaba por aí. Os direitos são conquistados na mesma medida em que as pautas
se multiplicam. Agora que as mulheres votam, e são metade do eleitorado, elas
não querem mais simplesmente decidir quem as representa; elas também querem
representar.
Pensando nisso, em 1995,
delegados na Quarta Conferência Mundial da ONU sobre a Mulher, em Pequim,
debateram a desigualdade entre homens e mulheres nos processos de tomada de
decisão. Foi reconhecido que apesar dos movimentos de democratização, as
mulheres ainda eram amplamente sub-representadas em quase todos os níveis de
governo. Em 1995, as mulheres representavam cerca de 10% dos membros do
parlamento no mundo, e os números eram ainda menores para posições
ministeriais. Assim, estabeleceu-se a meta de 30% de representação política
feminina até 2015.
Vinte anos se passaram, e o
resultado é que a meta terá de ser adiada para 2020. De 190 países, em 2015,
apenas 41 legislaturas ultrapassam os 30%. A média mundial de mulheres no
parlamento dobrou nessas duas décadas, mas ainda não passa dos 22%. O avanço é
muito mais lento do que se esperava, e ainda pouco “natural”. Desses 41 países
com maior representação política feminina, 34 aplicaram alguma forma de cotas.
Ruanda (64%), Bolívia (53%) e
Cuba (49%) estão no topo da lista, e são os únicos três países do mundo que
praticamente atingiram ou superaram a equidade no parlamento. Mas a maioria dos
países ainda está bem longe desse ideal. Em 37 Estados ainda há menos de 10% de
mulheres nas legislaturas; em 6 desses, não há nenhuma mulher sequer. Em
regimes democráticos e autoritários, indistintamente, a tendência é
sub-representação.
Segundo alguns analistas, o
aumento das mulheres em posição de tomada de decisão teria atingido algum tipo
de “teto de vidro”, uma barreira invisível. Afinal de contas, as dificuldades
ao acesso feminino ao poder são principalmente de ordem cultural. Mesmo com o
aumento de cotas de gênero, por exemplo, não raro elas são ignoradas ou
descumpridas. As práticas tradicionais demandam arcabouços legais capazes de
alterar a mentalidade institucional. Mas, para isso, é preciso vontade
política, que ainda é limitada.
No último fim de semana, por
exemplo, houve o Décimo Encontro de Mulheres Parlamentares, na ONU. Mas, de
maneira geral, não foi discutido como cada país pretende atacar o desequilíbrio
de gênero em suas legislaturas. A promessa final foi vaga: “redobrar os
esforços” para que em 2020 se atinja a meta de 30% estabelecida em 1995. Não
incluiu nenhuma recomendação específica, nada executável.
O próprio sistema da ONU, que é
palco dessas discussões, ainda não propicia a igualdade de gênero em posições
de poder. Desde sua criação, há 70 anos, nunca houve uma mulher na Secretaria
Geral da organização; candidaturas femininas nunca foram abertamente consideradas.
Mesmo com uma resolução de 1997 que prevê a igualdade entre homens e mulheres
na direção da ONU, os últimos secretários-gerais continuaram sendo do gênero
masculino. Para a próxima seleção, em 2016, a delegação da Colômbia lidera um
grupo que quer preencher a vaga com uma mulher. Entretanto, apesar de o grupo
já contar com 44 países, nenhum dos membros permanentes do Conselho de
Segurança (quem realmente decide o próximo Secretário-Geral) apoia a ideia.
O Brasil, além de ser do grupo
que apoia uma próxima Secretária-Geral e de ser comandado por uma das 19
mulheres mandatárias do mundo, ainda tem muito a avançar a termos de
participação feminina em cargos de poder. Apesar da implementação de uma lei de
cotas para mulheres nas candidaturas partidárias para câmara de deputados, em
1997, desde então, a porcentagem de mulheres aumentou apenas de 7 para 10%. Em
um ranking mundial de representação feminina no Parlamento, estamos em 124 de
145 países. Na América Latina, estamos acima apenas do Haiti.
O sistema de cotas de gênero
adotado por aqui costuma ser de fachada. Mesmo que 30% dos candidatos de um
partido devam ser mulheres, essa proporção não chega às bancadas. Muitas
mulheres são nominadas pelos partidos como candidatas apenas para cumprir com a
norma, mas depois de devidamente apresentadas, elas desistem da candidatura,
por falta de financiamento ou simplesmente porque são “laranjas” dos partidos e
nunca tiveram a intenção de concorrer.
Na semana passada, o plenário do
Senado aprovou em primeiro turno, uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode mudar essa realidade.
Essa PEC prevê a reserva de um percentual de cadeiras femininas nas
representações legislativas. Ou seja, a cota passa a ser diretamente para a
ocupação dos assentos parlamentares, não apenas para as candidaturas. De acordo
com essa proposta, os percentuais serão progressivos: nas próximas eleições
10%, na seguinte 12% e na terceira 16%. A medida ainda está longe de ser
aprovada, mas gera otimismo.
A desigualdade é alimentada por
atitudes, práticas culturais e crenças, e desafiar essa mentalidade vai muito
além de legislação. A mudança depende do debate público e da educação sobre
igualdade de gênero para meninos e meninas. A maneira como as mulheres são
apresentadas na sociedade, através dos diferentes meios de comunicação, tem
impacto decisivo sobre a participação feminina na política. Tratar desse
assunto é estimular a reflexão que gera mudança.
Luiza Bulhões Olmedo é bacharela
em Relações Internacionais e mestranda em Estudos Estratégicos Internacionais
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Fonte: Geledes
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