Suzana Amaral, uma das mais
talentosas e longevas diretoras do cinema brasileiro, que realizou mais de 50
documentários para a TV e três longas (A Hora da Estrela, de 1985, Uma Vida em
Segredo, de 2001, e Hotel Atlântico, de 2009) costuma dizer que não existe
cinema feminino, mas sim cinema bom.
Para ela, que começou a estudar
cinema quando já tinha nove filhos e se preparava para ser avó, crucial é que
se tenha verba e respeito suficiente para realizar um filme de qualidade.
Produtoras, diretoras, assistentes de direção, diretoras de arte, figurinistas,
continuístas, fotógrafas e tantas outras profissionais concordam com Suzana.
Cada vez mais as profissionais do
cinema nacional e internacional querem que o tão apregoado empoderamento das
mulheres seja sinônimo de igualdade de condições e de respeito, tanto no
ambiente de trabalho e nas oportunidades quanto na avaliação de cada obra.
Em vista da recente repercussão
que o filme Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, tem tido tanto em relação a
seu conteúdo, que traz mulheres protagonistas, quanto na forma como os
profissionais homens têm lidado com o protagonismo feminino na tela e fora
dela, um debate se formou.
Nem sempre é dada a atenção
devida para a importância de termos narrativas contadas por mulheres
influenciando e colaborando para a formação maior do cinema nacional. Não há, e
nem deve, haver um rótulo definitivo de ‘cinema feminino’, mas as vivências que
as mulheres passam dão a cada uma delas, como indivíduos, um olhar único. Este
olhar precisa ser valorizado.
Diante da urgência de debater
este empoderamento da mulher brasileira também no universo audiovisual, o
TelaTela elencou dez filmes de diretoras brasileiras que merecem ser vistos,
revistos, pensados e apreciados de tempos em tempos.
Hoje, de Tata Amaral
Inspirada no livro Prova
Contrária, de Fernando Bonassi, Tata Amaral dirigiu a história sobre uma
ex-militante, vivida por Denise Fraga, que passa a ser assombrada pelas
memórias das torturas sofridas nos tempos da ditadura no novo apartamento para
o qual acaba de se mudar. Vencedor de diversos prêmios no Festival de Brasília,
o sensível longa acumula ainda uma passagem pelo Festival Internacional do Novo
Cinema Latino-Americano de Havana.
Quase Dois Irmãos, de Lucia Murat
Conhecido no submundo dos camelôs
de DVDs pirata como o Tropa de Elite 4, o que nunca afirmou ser, o filme é na
verdade a história da amizade entre um senador e um traficante de drogas que se
conheceram nos anos 1950. Os dois se reencontram vinte anos depois de se
conheceram na prisão de Ilha Grande, onde presos políticos eram tratados como
os comuns. O filme venceu a categoria de Melhor Filme Ibero-Americano no
Festival de Mar del Plata, levou os prêmios de direção e melhor ator no
Festival do Rio e foi eleito o melhor filme pelo júri popular do Festival de
Cinema Brasileiro de Paris.
Chega de Saudade, de Laís Bodanzky
Laís Bodanzky venceu os prêmios
de melhor direção e roteiro no Festival de Brasília além de ter sido ovacionado
e arrebatar o Troféu Candango de Melhor Filme por escolha do júri popular. Com
Betty Faria, Cássia Kiss, Elza Soares e Tônia Carrero no elenco, a produção se
passa num baile de um tradicional clube de dança em São Paulo desde as horas em
que o salão abre as portas até a saída dos últimos personagens, já na
madrugada.
A Hora da Estrela, de Suzana Amaral
A adaptação de Suzana Amaral para
o romance homônimo de Clarice Lispector marcou, para muitas gerações, o rosto e
os trejeitos da Macabea protagonista. A jovem nordestina, órfã em todos os
sentidos, vem a São Paulo trabalhar como datilógrafa e desenha-se, em suas
fragilidades, num forte retrato social. Suzana levou os prêmios de direção no
Festival de Berlim (que também contemplou a atriz Marcélia Cartaxo), no
Festival de Brasília (onde recebeu outros cinco troféus) e no Festival de
Havana.
Juízo, de Maria Augusta Ramos
Para retratar o que testemunhou
numa sala da Vara da Justiça do Rio de Janeiro, a diretora Maria Augusta Ramos,
escalou adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social para
interpretar as histórias de seus pares, menores de idade (que não podiam ser
retratados pelo filme), que aguardavam julgamento por roubo, tráfico e
homicídio. Maria Augusta mostra em breve, no Festival do Rio, em outubro, seu
novo longa, Futuro Junho, em competição na Première Brasil.
Memória para Uso Diário, de Beth Formaggini
A diretora Beth Formaggini, que
acaba de ser premiada no Festival de Curtas de São Paulo pelo forte Uma Família
Ilustre, parte neste longa de relatos de pessoas comuns para reconstruir as
memórias duras e traumáticas dos torturados e desaparecidos durante a ditadura.
Assim, parentes e militantes reconstroem histórias por entre cemitérios
clandestinos e documentos oficiais, num longa que retrata a luta do grupo Tortura
Nunca Mais.
A Via Láctea, de Lina Chamie
Lina Chamie conduz um casal
formado por Marco Ricca e Alice Braga por um labirinto de solidões e encontros.
Ele, após uma discussão por telefone, resolve enfrentar o trânsito e a cidade
para olhar nos olhos de sua namorada. Evoca o que de mais belo e de mais frio
povoa o imaginário paulistano.
Narradores de Javé, de Eliane Café
A relação entre narrativa oral e
memória são elementos fundadores desse drama de Eliane Café. No enredo, a
ameaça de perder a cidade em que vivem por obra de uma represa faz com os
moradores se unam para coletar e registrar relatos de sua história e provar que
se trata de um patrimônio nacional. Foi premiado do Cine PE, Festival do Rio,
Festival de Friburgo, Festival Internacional do Filme Independente de Bruxelas,
Festival Internacional de Cinema de Punta del Este e Festival de Cinema des 3
Aques.
Mutum, de Sandra Kogut
Campo Geral, de Guimarães Rosa, é
a inspiração para Sandra Kogut desenvolver o drama sobre a vida familiar do
menino Thiago no interior do Brasil. Ali, é obrigado a confrontar uma infância
dura diante de uma família que briga intensamente, apenas para ir perdendo,
pouco a pouco, a inocência. Um dos mais belos filmes nacionais da última
década, tem a direção segura e suave de Kogut, que retrata como poucos a poesia
e a aspereza da vida do Brasil profundo.
De Menor, de Caru Alves de Souza
Vencedora da edição 2013 do
Festival do Rio, Caru Alves desenvolveu em seu primeiro longa uma poderosa
ficção sobre uma defensora pública de crianças e adolescentes que mantém uma
relação próxima com Caio, seu irmão. Tudo se desorganiza, contudo, quando o garoto
comete um delito. Os limites entre certo e errado, entre a vunerabilidade da
infância e da juventude brasileira e a realidade social e emocial dos dois
irmãos, são retratados de forma sutil e contundente.
Menção Honrosa | Vêm por aí
Mate-me, Por Favor, de Anita Rocha Silveira
O longa de estreia da diretora
carioca representa o Brasil na mostra competitiva Horizontes do Festival de
Veneza este mês. Com produção de Vania Catani, o projeto vem sendo trabalhado
há anos por Anita, que foi selecionada em 2012 para apresentá-lo no programa
Fabrique des Cinemas du Monde (A Fábrica dos Cinemas do Mundo, em tradução)
durante o Festival de Cannes. Rodado em 2014, conta a história de Bia
(Valentina Herszag), uma garota de quinze anos, e de João (Bernardo Marinho),
seu irmão de 25. A vida deles muda depois que assassinatos em série começam a
ocorrer na Barra da Tijuca, no Rio.
São Paulo é uma Festa, de Vera Egito
O nome remete ao romance de
Ernest Hemingway, Paris é uma Festa, e retrata a história de três jovens amigos
que moram no mesmo prédio em São Paulo. Com olhar agudo sobre sua geração, a
que vive e se relaciona em uma grande metrópole brasileira, Vera leva para o
longa-metragem as angústias, alegrias e expectivas de Diego, Júlia e Micaela,
personagens respectivamente vividos por Thiago Pethit, fazendo sua estreia no
cinema, e as atrizes Maria Laura Nogueira e Renata Gaspar.
Fonte: CartaCapital
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