Por ano são registados 48,338 casos
de violações de menores na Índia DANISH SIDDIQUI/REUTERS
Há dias, duas garotas indianas
de 14 e 16 anos foram violadas em grupo. E, depois, enforcadas numa árvore. Foi
tudo pragmático: mulher violada e morta não fala, logo não pode acusar. Aos
costumes, sentiu-se alguma indignação internacional, embora casos desta
natureza surjam com cada vez mais frequência nos média indianos para a seguir
se espalharem urbi et orbe.
por Azeredo Lopes do Jornal de
Notícias via Guest Post para o Portal Geledés
Este é, de alguma forma, um caso
terrivelmente banal. Todos os anos são apresentadas milhares de queixas por
violação na Índia, mas o número real de violações é muitíssimo superior, não só
porque muitas vezes a Polícia recusa pura e simplesmente registar a queixa
como, outras vezes, a faz desaparecer, como outras vezes, não faz qualquer
investigação como, outras vezes, até pode haver uma investigação, mas daquelas
lentas, muito lentas, para não aborrecer ninguém. Ora, sem queixa, na Índia não
há crime, e já se viu como, mesmo havendo, a via-sacra pode ser interminável.
Daí, também, o clima de terror
que se abate sobre as vítimas e as suas famílias. Por exemplo, num caso
recente, a mãe de uma jovem violada foi espancada com tremenda brutalidade porque
apresentou queixa e porque recusou retirá-la. É assim mesmo: bico calado.
Já agora, é melhor que a
resistência não seja demasiada. Há alguns dias, um grupo de indivíduos entrou
na casa de uma família perto da fronteira com o Bangladesh. Levaram a mulher,
de trinta e cinco anos, fecharam o marido e os filhos. Só que a mulher, vejam
lá, não queria ser violada, e resistiu. Foi abatida de imediato com um tiro na
cabeça.
Mas, nesta galeria das violações,
há mais, há muito mais. Uma bebé de 10 meses violada em Nova Deli por um
vizinho? Já há. Uma bebé de 18 meses violada e abandonada na rua em Calecute?
Já há. Uma rapariga de 14 anos violada e assassinada numa esquadra de Polícia
no Uttar Pradesh? Já há. Um marido que organiza a violação grupal da sua
própria mulher? Já há. Uma avó de 65 anos violada no Kharagpur? Já há.
Podia continuar, e seria fácil.
Na Índia, segundo dados oficiais – e mesmo contando apenas aquela que se
calcula ser a muito pequena minoria que recusa calar – há uma queixa por
violação a cada 21 minutos.
É claro que podemos admitir que
se trata de uma questão “cultural”. Só há um ou dois pequenos problemas nesta
abordagem. Primeiro, não consigo descobrir como é que a “cultura”, a “tradição”
ou o “uso” podem explicar e muito menos justificar a agressão sexual, dirigida
de forma indistinta a mulheres, raparigas ou crianças. Depois, a violação
constitui uma das formas mais gritantes e absolutas de desprezo de um ser
humano por outro, porque nem sequer lhe reconhece o direito de ser, mas apenas
o de ser objeto de prazer.
A esta infâmia junta-se agora
repelência mais grave. Babulal Gaur, ministro do Interior do estado indiano do
Madhya Pradesh, sabe-se agora, não concorda comigo. Pois que, falando da
violação, afirmou: “Este é um crime social que depende de homens e mulheres.
Umas vezes é correto, outras vezes é errado”.
Aviolação, por isso, tem dias. Às
vezes, até pode ser uma violação “certa”. Só na cabeça deste energúmeno, é
claro. Mas este energúmeno é um alto responsável indiano, e nem sequer está
isolado nestes propósitos e, mais do que isso, nestas convicções. Por isso,
estas declarações são especialmente graves e passam uma mensagem devastadora.
Para as vítimas, claro. Mas também porque acicatam os agressores, abençoados
com esta benevolência tão (pouco) masculina.
Narendra Modi, o recém-eleito
primeiro-ministro indiano, nada disse sobre o caso das duas jovens violadas e
enforcadas. Mas, ao calar, falou. E “falou” muito mal.
Na Idade Média, os senhores
reivindicavam um direito de pernada. No séc. XXI, muitos mais homens reclamam
esse direito sobre qualquer ser humano do sexo feminino. Qualquer que seja a
idade, o número de violadores que se abate sobre uma só vítima ou as consequências
para esta. Na Índia, porque sobre este caso decidi hoje escrever, é e continua
a ser assim, apesar do endurecimento das penas.
Mas não é só na Índia, não é só
longe.
Pode até ser, sei lá, numa
família perto de si.
Nota: roubei o título de forma descarada
a Stieg Larsson.
Leia a matéria completa em: Os
homens que odeiam as mulheres - Geledés
http://www.geledes.org.br/os-homens-que-odeiam-as-mulheres/#ixzz3ft9Ohayj
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