sexta-feira, 17 de julho de 2015

Combates, protestos… E muito machismo

Práticas machistas atravessam a história e aprofundam a desigualdade, mas a discriminação de gênero não é combatida de maneira contundente. Qualquer semelhança com o que rola em grande parte do rap e do hip hop não é mera coincidência.

Em 31 de março de 1997, a historiadora gaúcha Ana Maria Colling lançou o livro A Resistência da Mulher à Ditadura Militar, obra que denuncia o machismo entre os militares e os guerrilheiros.
De acordo com Ana Maria, há uma visão quase que uniforme em relação às guerrilheiras: “São quase sempre classificadas de prostitutas comunistas ou homossexuais. Mulheres que seriam apenas amásias, amantes ou que entrariam nas organizações de esquerda apenas para arranjar homem”. Ainda de acordo com a historiadora, as guerrilheiras sempre eram acusadas de promíscuas, algo que a repressão nunca fe em relação aos militantes homens.
Segundo matéria publicada sobre o livro de Ana Maria no Jornal do Brasil, as próprias organizações guerrilheiras, sem saber como tratar as relações entre homens e mulheres, “reproduziam a cultura machista de que a mulher seria mais frágil e que deveria ser protegida, visão que as impedia de assumir postos de comando nos grupos armados.”
Ana Maria também relata que as guerrilheiras procuravam se anular como mulheres – não se arrumavam melhor, evitavam vaidades, etc – para, “na condição de assexuadas, serem vistas apenas como militantes dentro das organizações armadas”, mas os companheiros nunca puderam encará-las simplesmente como companheiras, sempre as viam como mulheres.”
Loop
Na edição de junho da Revista de História da Biblioteca Nacional, Esther Solano Gallego, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, abordou o ciclo de protestos de 2013 e 2014 no Brasil. A professora registrou “episódios de abuso policial, assédio dos próprios manifestantes e atitude de uma suposta proteção das ativistas mulheres, tratadas como frágeis e emotivas.”
Tudo é machismo
“Ah, também não é isso. Vocês mulheres têm uma obsessão com essa coisa de machismo. Porra, tudo é machismo, a gente não pode falar mais nada. Aí já é demais, não? Vira uma paranóia”, reclama um ativista que, segundo a reportagem, faz parte dos que têm incapacidade de perceber a rotina de desigualdade, ignorando as engrenagens de um sistema que perpetua a violência.
Esther ainda afirma que nos relatos sobre os protestos apareceram tentativas de violência sexual. De acordo com a professora, os espaços de reivindicação deveriam ser lugares privilegiados de empoderamento feminino. Já deu pra perceber que não é essa a realidade.
Dos anos de chumbo aos debates que polarizam e empobrecem o discurso político entre “coxinhas” e “petralhas”, a discriminação de gênero não é combatida de maneira contundente. São mais de 50 mil estupros denunciados por ano, mas parece que há sempre algo mais importante para a sociedade dedicar sua preocupação.
Qualquer semelhança com o que rola em grande parte do rap e do hip hop não é mera coincidência. Quem nunca ouviu coisas semelhantes vindas de integrantes da cultura de rua? Desde a frase “as minas dos anos 90 se vestiam como manos”, passando pela ignorante fala “Sou contra qualquer forma de preconceito, odeio machismo e o feminismo. Essas minas não precisam falar isso nos raps, bagulho chato!”…e chegando na indagação “Como essas minas querem respeito no rap usando essas roupas curtas?”
Daí para o “ela mereceu, pois estava provocando” são dois palitos. As imagens que acompanham este post fazem todo sentido.
Fonte: Geledes
DJ Cortecertu
Editor do Bocada Forte. Também é DJ, bibliotecário, produtor musical e colunista do jornal Brasil de Fato.


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