Práticas machistas atravessam a
história e aprofundam a desigualdade, mas a discriminação de gênero não é
combatida de maneira contundente. Qualquer semelhança com o que rola em grande
parte do rap e do hip hop não é mera coincidência.
Em 31 de março de 1997, a
historiadora gaúcha Ana Maria Colling lançou o livro A Resistência da Mulher à
Ditadura Militar, obra que denuncia o machismo entre os militares e os
guerrilheiros.
De acordo com Ana Maria, há uma
visão quase que uniforme em relação às guerrilheiras: “São quase sempre
classificadas de prostitutas comunistas ou homossexuais. Mulheres que seriam
apenas amásias, amantes ou que entrariam nas organizações de esquerda apenas
para arranjar homem”. Ainda de acordo com a historiadora, as guerrilheiras
sempre eram acusadas de promíscuas, algo que a repressão nunca fe em relação
aos militantes homens.
Segundo matéria publicada sobre o
livro de Ana Maria no Jornal do Brasil, as próprias organizações guerrilheiras,
sem saber como tratar as relações entre homens e mulheres, “reproduziam a
cultura machista de que a mulher seria mais frágil e que deveria ser protegida,
visão que as impedia de assumir postos de comando nos grupos armados.”
Ana Maria também relata que as
guerrilheiras procuravam se anular como mulheres – não se arrumavam melhor,
evitavam vaidades, etc – para, “na condição de assexuadas, serem vistas apenas
como militantes dentro das organizações armadas”, mas os companheiros nunca
puderam encará-las simplesmente como companheiras, sempre as viam como
mulheres.”
Loop
Na edição de junho da Revista de
História da Biblioteca Nacional, Esther Solano Gallego, professora de Relações
Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, abordou o ciclo de
protestos de 2013 e 2014 no Brasil. A professora registrou “episódios de abuso
policial, assédio dos próprios manifestantes e atitude de uma suposta proteção
das ativistas mulheres, tratadas como frágeis e emotivas.”
Tudo é machismo
“Ah, também não é isso. Vocês
mulheres têm uma obsessão com essa coisa de machismo. Porra, tudo é machismo, a
gente não pode falar mais nada. Aí já é demais, não? Vira uma paranóia”,
reclama um ativista que, segundo a reportagem, faz parte dos que têm
incapacidade de perceber a rotina de desigualdade, ignorando as engrenagens de
um sistema que perpetua a violência.
Esther ainda afirma que nos
relatos sobre os protestos apareceram tentativas de violência sexual. De acordo
com a professora, os espaços de reivindicação deveriam ser lugares
privilegiados de empoderamento feminino. Já deu pra perceber que não é essa a
realidade.
Dos anos de chumbo aos debates
que polarizam e empobrecem o discurso político entre “coxinhas” e “petralhas”,
a discriminação de gênero não é combatida de maneira contundente. São mais de
50 mil estupros denunciados por ano, mas parece que há sempre algo mais
importante para a sociedade dedicar sua preocupação.
Qualquer semelhança com o que
rola em grande parte do rap e do hip hop não é mera coincidência. Quem nunca
ouviu coisas semelhantes vindas de integrantes da cultura de rua? Desde a frase
“as minas dos anos 90 se vestiam como manos”, passando pela ignorante fala “Sou
contra qualquer forma de preconceito, odeio machismo e o feminismo. Essas minas
não precisam falar isso nos raps, bagulho chato!”…e chegando na indagação “Como
essas minas querem respeito no rap usando essas roupas curtas?”
Daí para o “ela mereceu, pois
estava provocando” são dois palitos. As imagens que acompanham este post fazem
todo sentido.
Fonte: Geledes
DJ Cortecertu
Editor do Bocada Forte. Também é
DJ, bibliotecário, produtor musical e colunista do jornal Brasil de Fato.
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