"O pior castigo da mulher é
a perda do poder familiar sobre os filhos”,Juliana Belloque, defensora pública
no Estado de São Paulo. Para ela, um dos maiores problemas do encarceramento
feminino é o que considera a "extensão da pena” para além da liberdade
deixada pelas detentas: a família.
No Brasil, 20.541 mulheres estão
em situação de cárcere. A informação é do Infopen 2015 – Levantamento Nacional
de Informações Penitenciárias, relatório do Ministério da Justiça, divulgado
recentemente, sobre a população carcerária brasileira.
O documento aponta que 63% das
mulheres em situação de cárcere respondem por crimes relacionados ao tráfico de
drogas: 5.096 são acusadas de tráfico, 421 por tráfico internacional e 832
mulheres, por associação com o tráfico. A variedade de acusações ocorre desde a
instituição da Lei 607.431, de 2006, que tornou as punições para o tráfico mais
severas; ao estabelecer novos critérios que não esclarecem quem deve ser
considerado usuário e quem deve ser traficante, a lei abre margem para interpretações
que contribuíram para o encarceramento pelo tráfico.
No ano de 2005, antes da
aprovação da Lei, 34% da população carcerária feminina respondia por crimes
ligados ao tráfico. Em menos de 10 anos, essa proporção ultrapassa o dobro. É
uma informação que acompanha um fenômeno internacional de aumento do
encarceramento feminino pela criminalização das drogas: 60% da população
feminina mundial respondem por crimes dessa natureza.
Nos Estados Unidos, país com a
maior população carcerária mundial, o aumento de prisões de mulheres por
tráfico aumentou em 800% nos últimos 30 anos. Os dados são da organização
internacional de direitos humanos The Witchcraft and Human Rights Information
Network (WHRIN), que divulgou um infográfico, no último dia 26 de junho, dia da
Ação Global "Support, Don’t punish”. A campanha tem como objetivo discutir
as políticas de drogas sob uma perspectiva de apoio e preservação dos direitos
humanos aos usuários.
"Essas mulheres não
representam nada para o tráfico, cometem crimes menores e apenas comprovam a
falência do sistema prisional, que com uma política de encarceramento, lota
prisões e não resolve o verdadeiro problema”, critica Juliana Belloque,
defensora pública no Estado de São Paulo.
Para ela, um dos maiores
problemas do encarceramento feminino é o que considera a "extensão da
pena” para além da liberdade deixada pelas detentas: a família.
Maternidade ameaçada
"O pior castigo da mulher é
a perda do poder familiar sobre os filhos”, lamenta. No entanto, sua denúncia
tem o caráter de sentença na maioria dos casos em que, nos tribunais, o lado
dos réus é ocupado por mulheres. Enquanto elas são presas provisoriamente e
passam meses à espera do julgamento, sua maternidade é ameaçada pela Justiça:
em muitos casos, ao final da pena judicial, a egressa encontra, em liberdade, a
perda da custódia dos filhos, encaminhados para adoção.
Para evitar essas situações, o
projeto Mães no Cárcere surgiu a partir de demandas de grupos da sociedade
civil que acompanham o problema, como a Pastoral Carcerária. Instituído em maio
de 2014, o programa é uma parceria entre a Defensoria Pública e o Sistema de Administração
Penitenciária (SAP). A partir da prisão, é realizado um cadastro da detenta
pelo Convive, grupo da SAP responsável pelo levantamento e o envio das
informações, recebidas por núcleos de situação carcerária da Defensoria pública
e por núcleos da Infância e Juventude. Dessa forma, há um trabalho para que
haja a defesa do exercício da maternidade dentro do sistema prisional do Estado
de São Paulo, com o acompanhamento de histórias como de uma mãe que, devido à
sua gravidez de risco, cumpriu sua prisão provisória em caráter domiciliar. No
entanto, a criança faleceu e, mesmo sob o estado de luto, respondeu à intimação
judicial. No tribunal, sua prisão foi decretada.
"O juiz olhou para ela e não
enxergou o luto, apenas o fato dela não exercer a maternidade e não ter motivos
aparentes para continuar em casa. Sabendo desse caso, pudemos intervir”, conta
Bruno Shimizu, defensor-público e coordenador auxiliar do Núcleo Especializado
de Situação Carcerária de São Paulo. Ele aponta que, no Estado de São Paulo, na
maioria dos casos, as mães têm apenas seis meses garantidos para a amamentação
dos filhos recém-nascidos, tempo que, na Lei de Execução Penal, é considerado
mínimo. Em 2009, a resolução nº3 do Conselho de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP) cria recomendações específicas para a situação de filhos
de mães encarceradas, e institui o prazo mínimo de um ano e nove meses para que
eles fiquem em contato, norma que não é respeitada no Estado de São Paulo,
segundo o defensor.
Conservadorismo do Judiciário
Shimizu responsabiliza o
"comprometimento ideológico com o conservadorismo” do Sistema Judiciário
Brasileiro, que extrapola a Lei e suas recomendações. "É uma postura de
extermínio de classe e de machismo. A mulher, quando julgada, é moralmente
exposta. O juiz faz questão de expor que não a considera digna do exercício de
maternidade, já que cometeu uma infração e ultrapassou os limites do que ele
considera ser o lugar da mulher na sociedade”, explica. Ele ainda ressalta como
as prisões, nesses casos, são mais punitivas para as mulheres: enquanto os
homens recebem visitas de esposas e companheiras, os visitantes das prisões
femininas são mães e irmãs, que muitas vezes ainda dependem do sustento da
encarcerada.
As falas dos defensores também
são confirmadas por números e outras informações coletadas, durante nove meses,
pelas professoras Bruna Angotti, antropóloga e professora de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, e por Ana Gabriela Mendes Braga, doutora
em Criminologia e professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no
relatório "Dar à luz na sombra”. A pesquisa, publicada em novembro de
2014, faz parte do projeto"Pensando o Direito”, uma série de iniciativas
da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ), para
tornar acessível à sociedade civil dados sobre a prática legislativa
brasileira.
No caso do relatório, o objetivo
era acompanhar modelos prisionais que procuravam atender às demandas da Lei
relacionadas à maternidade. Além da consulta a especialistas, funcionários do
sistema prisional e outras informações de cunho oficial, as pesquisadoras
entrevistaram 80 detentas, que denunciaram a violação a direitos básicos,
principalmente o de defesa.
Foi constatada, durante a
pesquisa, que apenas seis estados possuem políticas direcionadas à maternidade
em situações de cárcere: Ceará, Bahia, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e
São Paulo. Nesses estados, há a implantação de alas de maternidade e programas
como o Mães de Cárcere. No entanto, as pesquisadoras constataram que não há, em
nenhuma delas, o respeito integral às leis para a maternidade, principalmente
em relação à resolução nº 203. O relatório também constatou a defasagem de
atendimento público à defesa: as mulheres estão sujeitas à taxa nacional de 16.
043 detentos por defensor.
"Em relação,
especificamente, ao acesso à justiça, pudemos perceber o duplo impacto da
precariedade deste, o primeiro de ordem material, identificado na falta de
acesso à informação, pouca participação no processo criminal e civil, e
exercício precário da autodefesa e defesa técnica; o segundo subjetivo, com
aumento da ansiedade gerada pela sensação de abandono, impotência e angústia
frente ao sistema de justiça e ao seu próprio destino.”, relata o documento.
Para Angotti, além das
informações a respeito do exercício da maternidade nas prisões, o relatório
expõe ainda mais o problema das prisões provisórias, visto que boa parte das
mulheres encarceradas estão nessa condição. O teor dos crimes demonstra, para a
pesquisadora, como o Judiciário não tem capacidade para avaliar a complexidade
dos casos, que estão longe de serem considerados como de "alta
periculosidade” que justifique o encarceramento.
"Muitas mulheres ali
cometeram os crimes por serem mães. Porque não possuíam condições para
sustentar a família e precisavam de bicos, trabalhos além de outros que já
tinham. O Judiciário não tem capacidade para entender que está prendendo apenas
mulas, ou vítimas do tráfico, que cometeram o crime apenas por uma questão de
sobrevivência”, lamenta.
Fonte: (Agnes Sofia Guimarães) ponte.org
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