Dizem que é a profissão mais
antiga do mundo. Para a antropóloga Soraya Silveira Simões, a prostituição é
objeto de pesquisa há 15 anos. Para fugir a simplificações grosseiras e
suposições infundadas, ela ouviu um sem-número de mulheres da vida e, ao lado de
Hélio Silva e Aparecida Fonseca Moraes, reuniu artigos que abordam os mais
diversos aspectos dessa chamada vida fácil no livro Prostituição e outras
formas de amor. “Queríamos abordar essa troca econômico-sexual sem vieses
estigmatizantes”, concordam os três organizadores.
Por Vilma Homero
Para abarcar a abrangência dos
vários aspectos do tema, o livro, lançado pela editora da Universidade Federal
Fluminense (UFF), com recursos do Auxílio à Editoração (APQ 3), reúne, em 550
páginas, artigos de 22 pesquisadores, fruto dos grupos de trabalho organizados
nas reuniões brasileiras de antropologia (RBA) e no Congresso
Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. O título, que associa prostituição a
uma forma de amor, já é provocativo. “O que seria esse valor a que chamamos
amor, pensado como qualidade apenas de certas relações e frequentador apenas de
certos ambientes? Por amor ou em nome dele, sacrificamos algo que nos é caro.
Seja em nome de quem ou do que, algo que é feito por amor é sempre um prazer ou
um sacrifício”, sugere Soraya. A prostituição, por sinal, já havia sido tema de
sua dissertação de mestrado, defendida em 2003, e rendido um livro anterior,
Vila Mimosa – Etnografia de uma cidade cenográfica da prostituição carioca,
publicado em 2010 também pela editora da UFF, sobre o conhecido reduto de
prostituição no Centro do Rio de Janeiro.
Ao se conhecerem pessoalmente em
um congresso de antropologia, Soraya e Aparecida – que também já havia
publicado um livro sobre a Vila Mimosa – resolveram unir forças, já que
pesquisavam sobre o mesmo tema, e se juntaram a Hélio Silva, autor de Travesti:
a invenção do feminino (Relume Dumará, Iser, 1993), para organizar um trabalho
comum. No livro, Aparecida assina o
artigo “Corpos normalizados, corpos degradados: os direitos humanos e as
classificações sobre a prostituição de adultas e jovens”, mostrando como, nas
duas últimas décadas, as instituições de defesa dos direitos humanos passaram a
normalizar a sexualidade das prostitutas mais velhas, adultas, percebidas como
profissionais, agravando, ao mesmo tempo, a atribuição de desvio e degradação
das mais jovens, quase sempre consideradas em situação de exploração sexual
comercial. “Não é bem assim que as coisas acontecem.”
Ela mostra que, ao contrário do
que pensa o senso comum, que costuma ver a profissional do sexo como uma vítima
da ação de exploradores, muitas delas escolheram a ocupação por opção.
“Queríamos abrir essa perspectiva. Mostrar que muitas delas resistem ao
controle de gerentes e donos de clubes, impõem limites aos abusos, controlam o
assédio sexual e, em vez de objetos, são sujeitos ativos em relação a seus
clientes, criando espaço para exprimir e realizar sua própria sexualidade e
desejos.”
Nas muitas histórias ouvidas por
Soraya e por outros pesquisadores nesse extenso trabalho de campo, há desde as
mulheres que batalham a vida nos garimpos do Norte do País àquelas que
transitam pelas diversas fronteiras da Europa no trabalho do sexo, passando
pela prostituição nas saunas masculinas; pelas tentativas de segregação urbana
da atividade e por vários outros aspectos do exercício da profissão.
Mas mesmo na prostituição, há
espaço também para situações de afeto. “Das interações face a face entre
profissionais e clientes, podem nascer sentimentos para além das relações
comerciais. Várias delas falam, por exemplo, de clientes com os quais se
relacionam há mais de 20, 30 anos, sem os constrangimentos de uma relação
conjugal dita estável, e muitas vezes em um laço bem mais duradouro do que
muito casamento”, fala.
Da mesma forma que para várias
outras categorias profissionais e movimentos sociais, elas também querem ver a
categoria reconhecida e com direitos assegurados. A força mais visível desse
movimento foi Gabriela Leite, que, para quem não sabe, foi a primeira
prostituta a candidatar-se ao cargo de deputada federal no País e tema do
documentário Um Beijo para Gabriela, da antropóloga Laura Murray. Depois de sua
morte, em 2013, o movimento continuou firme, embora não de forma tão visível
para um público mais amplo. “Além disso, o momento político atual no Brasil tem
se configurado como o grande obstáculo para a reivindicação e produção de
direitos, esperada em regimes democráticos. As bancadas religiosas no Congresso
têm dificultado ou mesmo impedido o debate de pautas mais progressistas,
sobretudo as que dizem respeito ao exercício da prostituição e seus direitos,
como o projeto proposto pelo deputado Jean Wyllys”, comenta Soraya.
Como avalia a autora, desde o
episódio da violenta ação policial na Boca do Lixo paulista, em 1979, as coisas
melhoraram um pouco, mas ainda há muito a ser feito. “Quando se afirma de
maneira autônoma, sobretudo com relação à sua vida profissional e sexual, toda
mulher está passível de sofrer o estigma da puta, mesmo não sendo prostituta. A
vida pública e sexualizada de uma mulher é campo fértil e potencial para a
atualização desse estigma”, conclui Soraya.
Fonte: http://www.faperj.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário