A promotora Maria Gabriela Prado
Manssur usa o Instagram para incentivar denúncias e contesta a ideia que só as
mais pobres são agredidas.
Parte do trabalho da promotora
Maria Gabriela Prado Manssur, coordenadora do Núcleo de Combate à Violência
contra a Mulher do Ministério Público (MP), em Taboão da Serra, é mirar em um
público que sofre violência, mas pouco denuncia: as mulheres ricas ou com independência financeira. O
último caso público envolvendo a elite paulistana foi o de uma advogada,
ameaçada pelo ex. Amigas da advogada agredida é que acionaram a promotora.
Questionada, a vítima concordou em ir adiante com a denúncia.
por Thais Lazzeri no Época
Para chegar a mais mulheres
vítimas de violência, Gabriela tem uma conta no Instagram, com o nome Justiça
de Saia, para falar sobre violência contra a mulher. Nas redes, Gabriela conta
casos e sentenças sem expor a vítima. Este ano, conseguiu apoio público das
badaladas empresárias de moda Costanza Pascolato e Cris Arcangeli para uma
corrida de rua pelo fim da violência contra a mulher. Ambas publicaram a
iniciativa na internet. O empenho nas redes fez Gabriela ser convidada por duas
escolas particulares de São Paulo para falar com adolescentes sobre
compartilhamento de fotos e vídeos. O reconhecimento pelo trabalho dentro e
fora do Ministério público chegou. Este ano, Gabriela recebeu a Medalha Ruth
Cardoso, que desde 2008 premia os que se destacam na luta pelos direitos
femininos em São Paulo.
ÉPOCA – Quais são os casos de
violência contra a mulher que não chegam via promotoria?
Maria Gabriela Prado Manssur –
Dentro da promotoria recebo, por dia, pilhas e pilhas de pedidos de medida
preventiva, flagrante de violência, casos de abusos contra meninas e
adolescentes, de decisões machistas em atendimento de delegacias. No meu dia a
dia particular recebo as mesmas mensagens de pessoas que convivem com a
Gabriela e que não querem, por medo ou vergonha, tornar o caso público.
Mulheres ricas e escolarizadas também são vítimas e também têm medo de
denunciar.
ÉPOCA – Para mulheres com menos
recursos, o fator financeiro é um impeditivo para fazer a denúncia. Mas essa
questão não existe para mulheres com dinheiro.
Gabriela – Não é medo, é vergonha
de assumir que sofre violência e ser criticada. Têm mulheres que sentem pena do
agressor, que via de regra são bons pais de família, cumprem a função de
provedor. Existe ainda a dependência emocional. Muitas assumem que ainda gostam
dessa pessoa e que não conseguem romper o vínculo de anos de relacionamento ou
anos de namoro. Vejo isso com as meninas mais novas. Conheço uma mulher que
sofreu violência a vida inteira, mas não se separou porque não queria baixar o
padrão de vida. Ela não ia ficar pobre, mas não teria a vida de antes, com
motorista, carros e privilégios para os filhos, como estudar fora do país.
ÉPOCA – Um dos raros casos que
chegaram a público foi de um rapaz, indignado com o fim do namoro, que tentou
agredir a namorada numa festa privada. Esse caso chegou para a senhora antes,
não é?
Gabriela – Sim, foi um dos
últimos casos que recebi via redes sociais. Uma advogada foi ameaçada pelo
namorado de uma classe econômica alta. Não sei como, mas as amigas dela
conseguiram até o número do meu celular. Atendi a garota pessoalmente antes do
caso dela ir para o promotor competente do caso. Orientei-a e a encorajei a
manter a denúncia. Ela não desistiu.
“A culpa é delas”. É o que pensam
os brasileiros sobre a violência contra a mulher
ÉPOCA – A senhora usa o
Instagram, com o nome Justiça de Saia, para falar dos casos que recebe no MP.
Por que decidiu usar as redes?
Gabriela – As pessoas conhecem o meu trabalho e o do
Ministério Público no enfrentamento da violência contra a mulher. Antes de
criar o Justiça de Saia, me marcavam na internet em casos em que poderíamos
ajudar. Então criei a conta para falar de mulheres vencedoras, que denunciaram
e foram acolhidas, os projetos dos núcleo, as conversas que tenho nas escolas –
fui convidada por duas escolas particulares para falar sobre violência,
exposição e constrangimento moral na internet. Conto o que aconteceu, mas não
cito nomes nem ponho a foto. Dou informações de como e onde procurar ajuda. Em
nenhum dos casos estamos falando de rico ou pobre. São pessoas instruídas,
cientes de seus direitos e que usam as redes sociais para aprender a se
proteger. Não é um crime de camada social. É uma violência contra todas as
mulheres. Sei que me exponho um pouco e
posso sofrer preconceito em relação a isso, mas assim ajudo mais mulheres, e
esse é o meu objetivo e o do MP.
ÉPOCA – Por que a senhora, em uma
campanha pelo fim da violência doméstica, pediu apoio para as empresárias de
moda Costanza Pascolato e Cris Arcangeli?
Gabriela – Sempre gostei de moda.
Aos poucos fui percebendo como usar essa afinidade para levar oi trabalho do MP
mais longe. Consegui o apoio das empresárias de moda Costanza Pascolato e Cris
Arcangeli para a primeira corrida contra a violência que o MP organizou. Um
site de moda abraçou a causa e divulgou para suas seguidoras. Quase vinte mil
mulheres que não falariam sobre violência tiveram acesso a essas informações importantes,
e 2500 pessoas correram.
ÉPOCA – No seu trabalho, a
senhora já ouviu que “mulher gosta de apanhar”?
Gabriela – Com tristeza digo que
ainda escuto isso, inclusive entre mulheres. Em todas as apresentações sobre
conscientização da violência, começo com o caso da Rihanna (a cantora que
apanhou do ex-namorado), por ser emblemático. Então pergunto: “Você acha que
ela gosta de apanhar?” Não é raro ouvir que sim. Numa palestra para enfermeiras
de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) – que funciona como porta de entrada de
mulheres que sofreram violência ou estão debilitadas física e
psicologicamente–, o primeiro retorno foi esse. Como representante do MP,
mostrei que a vítima tem medo do agressor, é dependente financeiramente, teme
pela vida dos filhos e etc. Nenhuma mulher gosta de apanhar mas, sozinha, não
consegue romper o ciclo de violência. As enfermeiras saíram da UBS dizendo que
iam multiplicar o que aprenderam.
ÉPOCA – Na última década, cerca
de 4.500 brasileiras morreram por ano vítimas de violência. Quais são os passos
para romper esse ciclo?
Gabriela – O primeiro caminho é
denunciar. Se a mulher não rompe o silêncio, ninguém vai ajudá-la. Ela pode
pedir ajuda pelo Disque 180 da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres,
diretamente ao Ministério Público, em centros de referências para a mulher ou
delegacias especializadas, em UBSs e etc. Ela precisa encontrar essa porta para
fazer a denúncia. O primeiro equipamento que aciona já encaminha o caso para a
rede toda. Infelizmente, não existe um documento único para tudo isso, o que
significa que a mulher tem que recontar várias vezes a mesma história triste.
Defendo a criação de um documento único. Além de evitar desgaste da vítima,
aceleraria o processo. Outra novidade é um aplicativo para smartphone que ajuda
a vítima a denunciar, em tempo real, a violência. Foi criado pela organização
Promotoras Legais Populares (PLP), uma entidade que nasceu em São Paulo, há
vinte anos, com a ativista Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha. Elas
desenvolveram um aplicativo gratuitopara android, o PLP 2.0, que ganhou o
prêmio Google. Depois de baixar o aplicativo, basta movimentar vigorosamente o
celular para o programa acionar uma rede protetiva de atendimento, formada por
líderes comunitárias capacitas pela organização. O aplicativo permite gravação
de vídeo e envio de foto, provas importantes num processo.
ÉPOCA – Ouvi de líderes
comunitárias que a lei Maria da Penha é ruim. Elas esperam que, denunciando, o
agressor seja afastado na hora, o que não acontece. Na opinião da senhora, a
lei é eficiente?
Gabriela – Entendo que a lei não
tem falhas, o que acontece é que ela é extremamente moderna para a nossa
realidade. Há necessidade de um investimento financeiro tanto em estrutura
quanto em engajamento das pessoas que trabalham diretamente com violência
contra a mulher. É preciso fazer capacitação e sensibilização de todos os
envolvidos – do policial que atende a ocorrência até desembargador que vai
gerar o recurso. É imprescindível ter afinidade com o tema. Se você acha que
mulher gosta de apanhar, você não consegue fazer justiça.
Fonte: Geledes
Nenhum comentário:
Postar um comentário