O estupro coletivo de quatro
adolescentes em Castelo do Piauí, cometido com chocante crueldade, é um
daqueles episódios que abalam nossa confiança na viabilidade da espécie humana.
Por Cristiane Segatto
O segundo impulso de quem toma
conhecimento de barbaridades desse tipo é supor que elas estejam restritas aos
ambientes pouco desenvolvidos. Coisa dos rincões carentes de educação, saúde e
respeito às leis, onde tudo se resolve à bala e mulher não vale nada.
É um erro. Mudam os detalhes, os
cenários, a sanha dos agressores, mas um estupro é sempre um estupro. Um crime
hediondo que não pode ser abafado onde quer que ele ocorra. Seja no interior do
Piauí, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nas mais
disputadas instituições de ensino americanas, canadenses ou europeias.
O colchão que a aluna da
Universidade Columbia arrasta por onde vai, até mesmo durante a cerimônia de
formatura, simboliza a verdade inconveniente que ronda as melhores instituições
de ensino superior do Brasil e do Exterior.
Estupros são frequentes nesses
ambientes e, em geral, não são cometidos por estranhos. Uma boa medida da seriedade
das instituições é a forma como lidam com cada agressão sexual – todas elas
inaceitáveis. A prática típica no Brasil é tentar abafar o caso, bem diferente
do que algumas universidades canadenses têm feito.
Recentemente, as alunas do
primeiro ano foram convidadas a participar de um treinamento para prevenir
agressões sexuais nas universidades Calgary, Alberta, Windsor e Guelph. Além
das aulas curriculares e das atividades extras, as calouras de faculdades de
alto nível de um dos países mais desenvolvidos do mundo, têm de se preocupar em
fazer um cursinho antiestupro.
Seria bizarro se a realidade não
fosse ainda mais. É preciso assumir que iniciativas desse tipo, ou qualquer
outra medida para acabar com os estupros em ambiente universitários, são
necessárias. Na semana passada, um estudo publicado no The New England Journal
of Medicine comprovou que um treinamento bem estruturado realmente funciona.
Um programa completo de defesa
pessoal criado pela professora de psicologia social Charlene Y. Senn, da
Universidade de Windsor, foi capaz de reduzir o risco de estupro. Ele é baseado
no Wen-Do, um método de autodefesa psicológica e física (com golpes e outros
movimentos de ataque) para mulheres.
Durante a pesquisa canadense, 893
universitárias foram divididas em dois grupos. O risco de estupro no grupo que
recebeu o treinamento completo foi de 5%. Metade do índice verificado entre as
voluntárias que receberam apenas apostilas e assistiram a uma palestra.
O risco de sofrer uma tentativa
de estupro foi ainda mais baixo (3,4%) entre as que participaram do programa,
em comparação com o grupo que não participou (9,3%).
“A cada 22 universitárias que
participam do programa, é possível evitar um estupro no período de um ano”,
concluiu Charlene, no artigo. Abaixo, quatro observações e conselhos da
psicóloga para reduzir o risco de estupro no ambiente universitário.
Saiba identificar as situações de risco de estupro
Muitas garotas temem ser atacadas
por estranhos ao caminhar à noite ou no momento em que saem do carro.
Subestimam o fato de que cerca de 80% dos estupros são cometidos por conhecidos
e ocorrem nas proximidades de casa ou da escola.
O que aumenta o risco de estupro
é estar isolada. Isso dá uma vantagem ao agressor. Uma situação de alto risco:
entrar, durante uma festa, num cômodo onde ninguém possa ouvi-la. O ideal é
dizer aos colegas onde está indo e pedir que alguém verifique se está tudo bem
depois de certo tempo.
Confie nos seus sentimentos
Antes do ataque, é comum que as
mulheres percebam algo estranho no comportamento do agressor. Em geral, ele age
de uma forma que as faz sentir desconfortáveis. Olhares, movimentos ou outros
detalhes. As mulheres não deveriam menosprezar esse sentimento. Ao perceber
qualquer atitude ou intenção inadequada, o melhor é buscar refúgio ou companhia
de pessoas de confiança.
Aceite o fato de que o agressor pode ser um conhecido
As garotas têm dificuldade de
entender que um colega ou conhecido possa representar uma ameaça. Quando
percebem uma aproximação indesejada, elas tendem a achar que precisam ser
educadas para não ferir os sentimentos do outro. É uma reação compreensível,
mas que costuma retardar uma ação que poderia evitar o estupro.
Um exemplo: a garota divide o
dormitório da universidade ou o apartamento com uma amiga. Está sozinha em
casa, mas o namorado da amiga insiste em entrar. Se o rapaz der sinais de que
tem más intenções, a garota pode demorar a agir ao imaginar que a amiga ficaria
triste se ela fosse rude ou agressiva.
“Se fosse um estranho, talvez a
garota não hesitasse em enfiar as chaves nos olhos dele”, diz Charlene. Um dos
objetivos do programa é ensinar as universitárias a identificar essas situações
e romper as barreiras emocionais que as impedem de agir rapidamente.
Use resistência verbal ou física
Se o agressor é um conhecido, a
reação normal das garotas é implorar que ele pare. “Infelizmente, em geral isso
não funciona”, diz Charlene. A forma mais eficaz de evitar uma agressão sexual
é reagir verbalmente de forma enérgica. “Aproximar-se do rosto do agressor,
xingá-lo e aplicar técnicas de defesa pessoal.”
O que achou dos conselhos? É
possível que sejam úteis em algumas circunstâncias, mas nada disso vale se o
agressor estiver armado. Nesses casos não se deve reagir. O programa de
Charlene me parece uma iniciativa louvável por reconhecer, antes de tudo, que o
problema existe e precisa ser assumido pelas instituições e pelas autoridades.
Mais uma vez, o ônus da prevenção
é lançado sobre as mulheres. Não deveria ser assim. Seja como for, aprender a
mostrar os dentes quando necessário nunca é demais.
Fonte: Revista Época
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