Monique Prada não é uma mulher
comum. A forte personalidade, com fala pausada e ponderada, é comparável apenas
à marcante presença online em seus perfis nas redes sociais. Entre suas grandes
ousadias, está o fato de ser uma mulher que ousa ser feminista, sexuada e
inteligente ao mesmo tempo.
Para todos os casos, não poupa
palavras – escritas, na maioria das vezes. Monique é prostituta e divide seu
tempo entre o trabalho que lhe provém sustento e a atuação como feminista que
extrapola a esfera virtual. Se todo ato é político, ela leva a máxima a todos
os lugares, até para a cama. "Mesmo quando estou entrando em um trabalho,
tenho a liberdade de falar alguma coisa graças à internet do telefone. Não é
que eu fique parada num escritório fazendo o meu ativismo, estou na rua, em
qualquer lugar”, conta.
Numa tarde de feriado fria e
cinza na capital gaúcha, Monique aparece para um encontro com a reportagem em
que falará da batalha pelos direitos das prostitutas e pelos das mulheres. Vive
e fala sobre prostituição, ativismo e feminismo, intensa e furiosamente, o que,
às vezes, não deixa de lhe trazer contratempos.
“A partir do momento em que tu
começa a falar, o teu trabalho começa a dar uma despencada”, revela, ponderando
que já deve ter perdido alguns clientes. “Não é uma interação que se espere de
uma prostitua, que tenha opinião e que, eventualmente, essa opinião entre em
conflito com a tua. Não é conveniente, mas eu já tenho uma lista de clientes
bem antiga, então não chega a me prejudicar gravemente”, afirma Monique, que é
prostituta desde os 19 anos e ativista há cinco.
Acontece de, é claro, ela deixar
a cama de alguém em função de algum tópico sensível. Outras vezes, deixa a
política pra lá: “Conversamos muito o tempo todo [online], então, quando
encontro com eles, prefiro o sexo”. Acontece ainda de ser procurada justamente
por seus posicionamentos. “Um cliente me seguia no Twitter e começou a me
chamar pra sair, como se fosse pra me convencer de que o que ele fez foi uma
coisa boa”, lembra ao falar de um militar que participou da ditadura no Brasil.
Monique defende os direitos das
minorias e não recusa trabalho por conta de visões reacionárias. “Mas não
escreveria para um portal de direita”, garante a coeditora do Mundo Invisível,
um site que trata de temas LGBT, feministas, da prostituição e de direitos de
cada um dos grupos. Com a tradução também de artigos publicados no exterior, o
portal ajuda a expandir a educação sobre o tema.
Com base na premissa, ela mantém
uma carta de clientes de longa data, numa história que começou por um impulso
já desde muito cedo sentido: tinha curiosidade em fazer sexo com estranhos.
“Acontecia de eu pegar uma carona ou outra e fazer sexo”, revela. Mais sobre
sua trajetória? Silêncio. "Não faz sentido [falar disso]", justifica.
Monique com o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ)
Monique com o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ)
A opção pelo trabalho sexual não
foi fácil. Aos 19 anos, era estagiária do Ensino Médio e ganhava muito pouco.
“Você tem que conviver num mundo em que há pessoas com poucas opções. Há
pessoas que têm a opção de catar lixo ou de fazer um trabalho doméstico ou
sexual. Considero que há uma condição mais empoderadora no trabalho sexual.
Parece melhor trabalhar com sexo, mas todo trabalho tem seu lado complexo”,
avalia.
Monique defende a profissão como uma
escolha, mas lembra que ser trabalhadora sexual não é aquela imagem bonita da
prostituta jovem que quer pagar os estudos e sustentar a família, como é
representado nas novelas. “É uma escolha muito difícil, tem um estigma muito
grande. Do meu trabalho eu gosto, as consequências dele é que são
desagradáveis.”
Muito da visão preconceituosa que
é mostrada do trabalho sexual parte de um entendimento que há na atividade
exploração da mulher. É o que Gabriela Leite, a primeira prostituta a militar
em favor dos direitos das trabalhadoras sexuais no País e fundadora da Rede
Brasileira de Prostitutas, tentava explicar, lembra Monique: “Há a prostituta
que vai fazer qualquer coisa por uma pedra. Para essa moça, se você pedir que
ela faça um malabarismo, ela vai fazer. Ela não é uma profissional, ela está
lutando pelo direito dela”. O mesmo serve para uma mulher que troca sexo por
comida.
Gabriela faleceu em outubro de
2013 e deixou o “movimento órfão”, segundo Monique. Por isso, o aparecimento de
militantes como ela se torna ainda mais importante para dar seguimento ao
trabalho e promover pautas que estão há muito engessadas. Mesmo contando com um
apoio emergente de ativistas feministas no mundo todo, a escolha da
prostituição como profissão é alvo de críticas.
“Somos vistas como vítimas, como
na Síndrome de Estocolmo. E não somos, estamos trabalhando. Todas as pessoas
exercem seu trabalho e precisam de algum modo se submeter aos patrões. O
desafio do trabalhador sexual é não se submeter ao desejo alheio,
simplesmente”.
Para Monique, ser prostituta e
feminista ao mesmo tempo é possível, e buscar este ponto de convergência é uma
das missões que ela assumiu para 2015, cinco anos depois de ter assumido o
ativismo digital.
“A sexualidade da mulher é uma
coisa clandestina. Enquanto o homem pode e deve expor o quanto ele é promíscuo,
conquistador, maravilhoso, nós nos escondemos. E imagina como é isso para uma
prostituta que tá lá na esquina, ou na esquina da tua internet, no site, sempre
de rosto coberto, de nomes trocados, com muito medo.”
Aos poucos, ela deixa a
clandestinidade com o apoio de seus interlocutores na internet, da família e de
movimentos espalhados pelo mundo. “Mas a personagem Monique deixou de existir
pra mim faz tempo”, garante a prostituta que sempre trabalhou longe da
abordagem direta. "Sou muito tímida."
O estigma que acompanha o sexo
feminino é muito maior se pensado sob a ótica da trabalhadora sexual, que não
tem direitos trabalhistas – uma luta que a gaúcha também abraçou, organizando
um debate na Assembleia Lesgislativa do Rio Grande do Sul para discutir os
problemas da profissão e seus possíveis rumos.
No cerne da questão, balizada
pelo Projeto de Lei (PL) Gabriela Leite, de Jean Wyllys (PSOL-RJ), está a
regulamentação do trabalho sexual e a descriminalização da prostituição em
locais privados – que atinge não só as casas de prostituição, mas também os
espaços privados das prostitutas, suas próprias camas. A prostituição é uma
profissão reconhecida pelo Código Brasileiro de Profissões desde 2002.
O trabalho de Monique é uma forma
de afirmar o poder feminino frente às visões conservadoras que ainda persistem
em 2015. O que não deveria separar as mulheres, mas uni-las, numa forma de luta
contra o status quo, que mantém o feminino refém de uma criação social
fundamentada no patriarcal. “A pior ofensa para uma mulher é ter uma vida
sexual, e uma vida sexual ativa, mudar de parceiros. Esse é o estigma da puta”,
explica.
Um estigma e um preconceito que
não se encerra nas mentes conservadoras ou masculinas, como se bem sabe: “Não
tem a ver com cobrar por sexo. Tem a ver com regular o sexo das mulheres. Nós
vigiamos a sexualidade uma da outra, nós mesmas reprimimos. Não entendo como nos convenceram disso”.
Fonte: Carta Capital
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