A Igreja tem necessidade de um
anúncio do “Evangelho da família” que “dê esperança e não a oprima”. A Igreja
Católica se prepara para iniciar um processo de inclusão de cristãos
homossexuais e divorciados, conforme consta em um documento apresentado nesta
terça-feira (23) que será a base para a 14ª Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos, convocado pelo papa Francisco para os dias 4 a 25 de outubro
para discutir o tema da "Vocação e Missão da Família na Igreja e no Mundo
Contemporâneo".
O Vaticano publicou nesta
terça-feira o documento com as orientações para o Sínodo sobre a Família de
outubro. O documento integra as conclusões da assembleia extraordinária do ano
passado e retoma as discussões sobre os temas mais diversos que se relacionam
com a família, desde as convivências pré-matrimoniais até a missionariedade da
família, desde a questão dos divorciados recasados até a situação dos
homossexuais, desde o aborto até a anticoncepção, desde a educação sexual até a
necessidade de envolver as mulheres e as famílias na formação do clero nos
seminários. Um texto no qual se destaca, concluindo, que não se pode “esquecer
que a celebração do próximo Sínodo se situa em sintonia com o Jubileu
Extraordinário da Misericórdia, que começa no próximo dia 08 de dezembro de
2015.
A reportagem é de Iacopo
Scaramuzzi e publicada por Vatican Insider, 23-06-2015. A tradução é de André
Langer.
Não se recomeça, pois, do zero e
isto é evidente: o Instrumentum Laboris, com efeito, apresenta integralmente todos
os parágrafos da Relatio Synodi de 2014; ampliados graças às contribuições das
conferências episcopais, das famílias, das universidades e das instituições
acadêmicas. O documento se subdivide em três partes: a escuta dos desafios
sobre a família, o discernimento da vocação familiar e a missão da família
hoje.
Não se deve anular a diferença
sexual. Com respeito ao primeiro ponto, trazem-se à luz as “contradições
culturais” da nossa época na qual se diz que “a identidade pessoal e a
intimidade afetiva devem afirmar-se em uma dimensão radicalmente desvinculada
da diversidade biológica entre varão e mulher” ou na qual se quer reconhecer a
“titularidade matrimonial” para casais instituídos independentemente da
diversidade sexual. Por isso, faz um apelo para um “melhor aprofundamento
humano e cultural, não apenas biológico, da diferença entre os sexos”, porque
sua anulação “é o problema, não a solução”.
A família é o pilar fundamental
da sociedade. O Instrumentum Laboris assinala as “contradições sociais” que
levam à dissolução da família: guerra, migrações, pobreza, usura, cultura do
descarte, conjuntura econômica “desfavorável e ambígua”, enquanto as
instituições são incapazes de apoiar os núcleos familiares. As famílias, ao
contrário, “pilares fundamentais e irrenunciáveis da vida social”, necessitam
de “políticas adequadas” que tenham em conta sua “ação compensativa” em relação
ao bem-estar.
Dignidade para os idosos e
pessoas diversamente hábeis; uma pastoral específica para famílias migrantes.
Por isso, o Instrumentum Laboris ressalta a importância da família como
instrumento de inclusão, sobretudo de categorias frágeis como os viúvos, os
idosos, os deficientes, que devem ser acompanhados para fazer frente às “formas
impiedosas de estigma e preconceito”. Espera-se uma pastoral específica para as
famílias em migração, porque, sobretudo, onde não há “autêntica acolhida e
respeito dos direitos de todos”, podem se alimentar “fenômenos de
fundamentalismo”. E o drama aumenta quando a migração é ilegal, patrocinada por
“circuitos internacionais do tráfico de seres humanos”. O Instrumentum Laboris
detém-se, além disso, no papel das mulheres e recorda que nos países em
desenvolvimento, a exploração e a violência se agregam ao aborto e
esterilizações forçadas, entre outros fenômenos, mas espera também uma “maior
valorização na Igreja”.
O Sacramento do matrimônio é
indissolúvel. A segunda parte reafirma a indissolubilidade do matrimônio
sacramental e, ao mesmo tempo, recorda que a Igreja deve ‘acompanhar’ os
momentos de sofrimento conjugal, com uma ótica de misericórdia, que não subtrai
nada da verdade da fé. Todos têm necessidade de dar e de receber misericórdia,
lê-se depois na terceira parte, e alguns pedem que também a Igreja demonstre
uma atitude análoga para com aqueles que fracassaram na união.
O Instrumentum Laboris recorda
também um ponto chave da Relatio Synodi, ou seja, o dos casos de nulidade
matrimonial. Registra-se um amplo consenso no que se refere à gratuidade dos
procedimentos de reconhecimento da nulidade. Ao mesmo tempo, não é uma
unanimidade a ideia de um procedimento administrativo, sob a responsabilidade
de um bispo diocesano.
Repensar as formas de exclusão
litúrgico-pastorais dos divorciados recasados. No que se refere, em particular,
aos divorciados recasados deseja-se uma reflexão sobre a oportunidade de
abandonar as formas de exclusão, que se praticam atualmente, no âmbito
litúrgico-pastoral, educativo e caritativo, porque estes fiéis não estão fora
da Igreja. No entanto, assinala-se que os caminhos de integração pastoral devem
estar precedidos por um discernimento oportuno e devem ser realizados segundo
uma lei de gradualidade, respeitando o amadurecimento das consciências.
Sobre o acesso à Eucaristia para
os divorciados recasados, o Instrumentum Laboris evidencia o comum acordo sobre
a hipótese de um caminho penitencial, sob a responsabilidade de um bispo.
Ficando firme a posição da Igreja, contrária ao casamento entre pessoas com
tendências homossexuais, reitera-se que toda pessoa, independentemente de sua
tendência sexual, deve ser respeitada em sua dignidade e acolhida com respeito
e delicadeza, na Igreja e na sociedade. Deve-se fomentar projetos pastorais
específicos para pessoas homossexuais e suas famílias.
A educação dos filhos baseia-se
sobre a diferença sexual. Convidando para valorizar a importância da adoção e
da custódia, o documento afirma que a educação de um filho deve se basear na
diferença sexual, assim como a procriação, porque também esta se fundamenta no
amor conjugal entre um homem e uma mulher. O documento termina recordando o
Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que começará no dia 08 de dezembro de
2015, à luz do qual se coloca o próximo Sínodo. A assembleia episcopal será de
04 a 25 de outubro, sob o tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no
mundo contemporâneo”.
É um texto prudente ao propor
soluções, que quer chegar à assembleia sem rachaduras, para permitir que o
debate se desenvolva e que o papa faça as suas próprias escolhas. Mas que
aborda firmemente os temas decisivos da família.
Eis, a seguir, os pontos
principais.
O nó da Eucaristia
"A atenção e o
acompanhamento em relação aos divorciados recasados civilmente devem se
orientar rumo a uma integração cada vez maior deles na vida da comunidade
cristã."
Sobre o controverso tema da
readmissão à comunhão, surgiu "um acordo comum sobre a hipótese de um
itinerário de reconciliação ou via penitencial". Essa formulação, no
entanto, prevê duas hipóteses, subordinadas e contrapostas, que devem ser
avaliadas e votadas no Sínodo.
A primeira é que o caminho
penitencial, ao lado da "conscientização do fracasso e das feridas por ele
produzidas" e, portanto, ao lado do "arrependimento", seja
acompanhado pela "verificação da eventual nulidade do matrimônio".
Se essas condições não existem, o
caminho penitencial deveria simplesmente levar "ao empenho à comunhão
espiritual e à decisão de viver (o seu segundo matrimônio) em
continência".
A segunda hipótese, mais
realista, diz respeito à possibilidade de que o caminho penitencial "sob a
responsabilidade do bispo diocesano" leve ao acesso aos sacramentos.
Concretamente, a hipótese é de "uma acolhida não generalizada à mesa
eucarística, em algumas situações particulares e com condições bem precisas,
sobretudo quando se trata de casos irreversíveis e ligados a obrigações morais
em relação aos filhos que viriam a passar por sofrimentos injustos".
O documento preparatório do
Sínodo admite que "a questão ainda deve ser aprofundada". Mas os
divorciados não devem ser excluídos da possibilidade de serem padrinhos,
testemunhas de bodas, leitores nas liturgias e catequistas.
Respeito aos homossexuais
"Cada pessoa, independentemente
da própria tendência sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida
com sensibilidade e delicadeza, seja na Igreja, seja na sociedade. Seria
desejável que os projetos pastorais diocesanos reservassem uma atenção
específica ao acompanhamento das famílias em que vivem pessoas com tendência
homossexual."
Bodas não equiparáveis
"Não poucas são as
contradições culturais que afetam a família", incluindo a teoria de gênero
e os casamentos gays. O texto incorpora aquilo que foi aprovado por maioria
simples (e, portanto, formalmente não aprovado) na última assembleia, sobre o
tema das famílias que têm pessoas homossexuais no seu interior.
"A esse respeito – afirma-se
–, interrogamo-nos sobre qual atenção pastoral é oportuna diante dessa
situação, referindo-se ao que a Igreja ensina: 'Não existe fundamento algum
para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmo remotas, entre as uniões
homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família'. No entanto,
os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com
respeito e delicadeza", evitando "qualquer marca de discriminação
injusta".
Boa conduta nos casamentos mistos
"Os matrimônios mistos e os
matrimônios com disparidade de culto apresentam aspectos de criticidade
múltiplos e de não fácil solução, não tanto em nível normativo, mas em nível
pastoral: a problemática da educação religiosa dos filhos; a participação na
vida litúrgica do cônjuge".
Do questionário que serviu para
redigir o documento, surge uma proposta concreta: "Elaborar um código de
boa conduta, de modo que nenhum cônjuge seja obstáculo ao caminho de fé do
outro".
Nulidades gratuitas
"Destaca-se um amplo
consenso sobre a oportunidade de tornar mais acessíveis e ágeis, possivelmente
gratuitos, os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade
matrimonial."
Casais de fato
"A Igreja deve ser capaz de
acompanhar aqueles que vivem o casamento civil ou a coabitação, até a plenitude
da união sacramental. A escolha do casamento civil ou da coabitação muitas
vezes não é motivada por preconceitos ou resistências contra a união
sacramental, mas por situações culturais ou contingentes. Essa vontade, que se
traduz em um vínculo duradouro, confiável e aberto à vida, pode ser considerado
uma condição para se inserir um caminho de crescimento aberto à possibilidade
do matrimônio sacramental: um bem possível que deve ser anunciado como dom que
enriquece e fortifica a vida conjugal e familiar."
Por trás das separações
É preciso "prestar
atenção", diz o documento, "aos diferentes aspectos que determinaram
a ruptura da relação matrimonial. Muitas vozes evidenciam que o drama da
separação, muitas vezes, chega ao fim de longos períodos de conflitualidade
que, no caso em que há filhos, produziram ainda mais sofrimento. Segue-se a
isso mais uma prova da solidão em que se encontra o cônjuge que foi abandonado
ou que teve a força de interromper uma convivência caracterizada por graves
maus-tratos".
Cuidado pelas famílias feridas
"Cuidar das famílias feridas
– separados, divorciados, recasados – e fazê-los experimentar a infinita
misericórdia de Deus é considerado por todos como um princípio
fundamental."
Fonte: Ihu
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