Saúde é um direito do cidadão e dever do Estado realizá-lo.
É um direito das prostitutas contarem com campanhas de prevenção da Aids
dirigidas especialmente a elas, pois em razão do exercício de suas atividades
lícitas estão mais sujeitas que a média da população à exposição ao vírus.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, há pouco adotou a
decisão de retirar campanha em favor da melhoria da auto-estima das
profissionais do sexo com vistas à prevenção da Aids e doenças sexualmente
transmissíveis. Um dos cartazes da campanha trazia a frase “Eu sou feliz sendo
prostituta”. Também foi exonerado pelo ministro o diretor do departamento de
DST, Aids e Hepatites Virais.
A retirada da campanha deu-se, aparentemente, por pressão da
chamada “bancada evangélica“, que usou da Comissão de Direitos Humanos,
presidida pelo deputado Marcos Feliciano (PSC-SP), para criticar a iniciativa.
Esse é o terceiro recuo do ministro em situações
semelhantes. Conforme matérias veiculadas pela mídia, diversos profissionais e
especialistas em saúde pública discordaram veementemente do recuo do ministro.
Tais especialistas apontam diversas pesquisas científicas que demonstram que
não é possível combater de forma plenamente eficaz o contágio da Aids sem a
valorização da auto-estima das parcelas mais vulneráveis da população.
Não é preciso gastar muito esforço de argumento para afirmar
que o Brasil é um pais laico, aliás como qualquer outra verdadeira democracia
representativa.
Por esta razão questões de saúde pública devem ser tratadas
por critérios exclusivamente técnico-científicos. Aspectos de moralidade
religiosa não devem interferir em decisões administrativas neste tema.
Queiram os evangélicos ou não, no Brasil a atividade de
prostituição é uma atividade lícita, não sendo capitulada como crime em nossa
legislação penal. Embora não regulamentada como profissão, é lícita como
qualquer outra das inúmeras atividades de trabalho lícitas não regulamentadas.
Em verdade, a regulamentação de uma profissão ou trabalho
serve à limitação de seu exercício e não à ampliação da possibilidade de seu
exercício, como pode imaginar o leigo. Tanto a prostituta que oferece e realiza
serviços sexuais quanto o cliente que paga pelos mesmos estão, ambos,
realizando uma atividade inerente a sua esfera pessoal de liberdade garantida
pelo direito e por nossas leis.
Saúde é um direito do cidadão e dever do Estado realizá-lo.
É um direito das prostitutas contarem com campanhas de prevenção da Aids
dirigidas especialmente a elas, pois em razão do exercício de suas atividades
lícitas estão mais sujeitas que a média da população à exposição ao vírus.
Mais do que um direito específico das prostitutas como grupo
minoritário vulnerável, medidas de contenção da transmissão da Aids neste meio
profissional beneficiam toda população e, portanto, é um direito de toda
sociedade.
Aparte a hipocrisia moral e social que o assunto traz à
tona, a realidade é que muitos homens, inclusive pais de família e até
evangélicos, usam dos serviços de prostitutas e como tal funcionam como vetores
de transmissão do vírus desse grupo mais vulnerável para o todo social,
inclusive suas esposas, namoradas, parceiras e parceiros.
Campanhas de aumento da auto-estima das profissionais do
sexo com vistas à mitigação da transmissão do vírus da Aids e demais DSTs em
seu meio são, além de direito desta minoria social, um direito difuso de toda
sociedade.
Ao ceder aos reclamos obscurantistas de setores religiosos,
nosso ministro da Saúde errou. E errou de forma incompatível com nossa
Constituição. Realizar as referidas campanhas de estimulo à auto-estima é seu
dever e não mera opção sua.
Por outro lado, é muito preocupante ver o parlamento como
voz do obscurantismo em termos dos direitos fundamentais e humanos. Embora não
majoritária a, bancada evangélica consegue ser cada vez mais dominante nas
pressões e ações parlamentares face à inação um tanto covarde da maioria mais
esclarecida das casas legislativas.
Tal circunstância serve para mostrar que na tensão entre
parlamento e STF não há mocinho ou bandido. Nos temas que tangenciam os
costumes afetivos, sexuais e familiares, se não fossem as medidas contundentes
da corte no exercício da interpretação constitucional, nossos direitos
fundamentais nesses temas seriam letra morta.
Em temas importantes da vida cotidiana estaríamos sujeitos a
interpretações medievais da Bíblia e não a valores humanos universais e laicos,
traduzidos em direitos, como posto em nossa Constituição.
Fonte: (Pedro Serrano) Carta Capital
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