Em mensagem direcionada ao papa Francisco, irmã Dolores
Aleixandre exorta-lhe: “Irá encontrar muitas pedras nesse caminho: críticas,
resistências e até rasteiras, assim, seguindo a recomendação de sua preciosa
homilia no dia de São José, trate de cuidar um pouco de você mesmo”.
A carta é publicada no sítio Reflejos de Luz, 04-04-2013. A
tradução é do Cepat.
Irmão Francisco: nunca pensei que me dirigiria assim a um
papa, mas como em sua saudação inicial não nos chamou de “filhos e filhas”, mas
de “irmãos e irmãs”, sinto que tenho permissão para proceder assim. E uso
também um você, embora cheio de respeito, porque não me imagino chamando de
senhor um irmão de verdade e o vós argentino não soltarei.
No jornal “La Nación”, do dia 14 de março, li que sua
eleição “foi balsâmica” e me pareceu um adjetivo perfeito para qualificar o que
está nos acontecendo desde que você nos cumprimentou da sacada, com aquele tom
que mesclava a timidez e a confiança. Primeiro efeito balsâmico: nós o vemos
relaxado e até brincalhão (que maravilha! Um papa com senso de humor...!), sem
em nenhum momento dar a impressão de estar constrangido pelo peso dessa
responsabilidade agoniante e desmesurada que os Papas jogam sobre os ombros,
como se a eles tocasse se encarregar de toda a Igreja universal. Como se não
existissem os outros Pastores, como se o Povo de Deus fosse um fardo a ser
carregado e não uma comunidade de homens e mulheres capazes de iniciativa e com
desejos de participar e de colaborar, como sonhamos com o Concílio.
Ao contrário, você está conseguindo nos comunicar a
convicção de que esse caminho que inicia, fará acompanhado por todos nós. Que
maneira tão franciscana pela simplicidade e tão inaciana por sua lucidez em assinalar
um novo estilo eclesial. Porque se o desejado por você é que sejamos
reconhecidos pela fraternidade, amor e confiança, começam a sobrar e a estorvar
(há bastante tempo que não estavam sobrando e estorvando...) tantas condutas,
práticas e costumes em que se foram confundindo a dignidade com a magnificência
e o solene com o suntuoso. É uma surpresa balsâmica sentir que agora o temos
como cúmplice no desejo de ir mudando esses costumes e inércias que ninguém
havia decidido declarar obsoletos e ante cuja incongruência tinham deixado de
disparar os alarmes. Não são questões irrelevantes, são indicadores que revelam
uma preocupante atrofia dos sensores que há tempo deveriam estar em alerta, que
estavam em contradição com as atitudes de Jesus.
Desta forma, seja bem vinda essa tarefa que você empreende
em voltar ao frescor do Evangelho e à radicalidade de suas palavras: já estamos
nos dando conta de que, no que diz respeito aos pobres, não irá nos dar trégua.
Você inicia o seu caminho em momentos de extrema fragilidade
da Igreja: o mesmo no qual aquele jovem fugiu nu no horto, dela tem sido
arrancado as vestes com as quais se protegia: secretismo, hermetismo,
ocultamento, negação do evidente. Porém, é precisamente agora, quando aparece
nua e despojada diante do olhar avaliativo do mundo, que lhe é apresentada,
inesperadamente, uma ocasião maravilhosa: a de finalmente se revestir,
unicamente, do manto da glória de seu Senhor.
Confiou-nos a tarefa de sustentá-lo com nossa oração e neste
momento estou pedindo-lhe algumas coisas: paciência diante do rastreamento que
a imprensa está fazendo sobre o seu passado, que é uma consequência do que
disse aos jornalistas: “Vocês têm trabalhado, hein? Têm trabalhado...”. É isso,
cresceram e continuam trabalhando. Também peço que não o deixe angustiado, além
da conta, as expectativas descomunais que você está despertando e que se sinta
livre (e muito hábil também) para escolher a quem você acredita que possa
ajudá-lo no governo da Igreja, embora eu suponha um ERE para a Cúria.
Irá encontrar muitas pedras nesse caminho: críticas,
resistências e até rasteiras, assim, seguindo a recomendação de sua preciosa
homilia no dia de São José, trate de cuidar um pouco de você mesmo. E se por si
não acerta tudo, que se ocupem disso as santas da Igreja de Roma: Cecília,
Inês, Domitila, Tatiana, Agripina, Demétria, Martina, Basilissa, Melânia,
Anastácia, Digna, Emérita, Sabina.
Foram buscá-lo quase no fim do mundo e foi um acerto:
obrigado por ter aceitado ficar, sem poder voltar para pegar suas coisas. Ainda
bem que os sapatos que estão com você parecem ser cômodos.
Agora, muitos de nós nos sentimos responsáveis em rezar por
você, mesmo que não sejamos de sua diocese e alegra-nos saber que está
encarregado de velar pela Igreja universal. De repente, está recuperando o
sentido chamar o Bispo de Roma de Papa. Que o Senhor o abençoe, guarde e
derrame sobre você o bálsamo de sua paz.
Fonte: Ihu
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