A síndrome do camaleão também afeta profundamente a vida de
muitas pessoas na Igreja, de modo particular padres, bispos e teólogos. Tais
pessoas não têm convicções próprias, não acreditam em determinados valores e
não pautam suas vidas por essas convicções e por esses valores. Trocam sempre
de atitudes, comportamentos e opiniões, seguindo aquilo que no momento está na
moda e traz fama, vantagens e oportunidades.
José Lisboa Moreira de Oliveira
Corria o ano de 1964 e eu ainda não tinha completado oito
anos de idade. Depois de três anos terríveis de seca, a chuva voltou com
abundância na região nordeste do estado da Bahia, onde se localiza o município
de Araci, minha terra natal. A caatinga estava verdejante, as flores se
espalhavam por toda parte. Borboletas multicoloridas enchiam o ambiente. Os
pássaros gorjeavam nas árvores. A Asa Branca cantava bem afinada. Num desses
dias bonitos fui com minha mãe buscar água na "Fontinha”, uma aguada a
poucos metros de nossa casa e que meu pai havia destinado exclusivamente para o
consumo humano. Ao chegar à fonte demos de cara com um belíssimo camaleão,
todos esverdeado e robusto. Fiquei por um momento contemplando aquele bichinho
até que ele desapareceu no meio da vegetação.
Mas no Nordeste a seca sempre volta. Já no final do ano de
1964 todo o verde e o colorido tinham desaparecido e o tempo dava sinais de que
a chuva não voltaria tão cedo. E, de fato, não voltou. Todo o ano de 1965 foi
seco e somente em 1966 voltou a chover forte. Durante a seca voltei com minha
mãe à Fontinha e, de novo, encontramos um camaleão. Porém, ele não era verde,
mas totalmente cinzento. Ao interrogar minha mãe sobre o porquê daquele
camaleão ser diferente do outro, ela me respondeu que provavelmente era o
mesmo; apenas tinha mudado de cor. Não entendi muito bem a razão da mudança da
cor. Só algum tempo depois, quando passei a estudar Ciências Naturais, fiquei
sabendo que se tratava da metamorfose, um processo com o qual a mãe Natureza
presenteia alguns viventes (camaleões, rãs, mariposas, gafanhotos etc.), os
quais mudam de cor conforme o ambiente onde se encontram e, assim, se protegem
de seus possíveis predadores.
Foi baseado na experiência deste réptil que o grande diretor
Woody Allen, na década de 1920, produziu o filme "Zelig: o
homem-camaleão”, uma obra magnífica em preto e branco que ainda não perdeu sua
atualidade. No filme o próprio Allen vive o personagem Leonard Zelig, um
sujeito que muda constantemente de personalidade, de acordo com o ambiente onde
se encontra inserido. Alguns críticos de cinema dizem que com o seu filme Woody
Allen queria denunciar de maneira cômica o emergente American Way Life (Estilo
Americano de Vida), cheio de hipocrisias, de faz de conta e de aparências e que
levava as pessoas a serem voláteis, mudando sempre que necessário, desde que
isso permitisse ficar na crista da onda e obter vantagens.
Com a sua obra cinematográfica Allen antecipava a denúncia
da anomalia e da doença da modernidade: as pessoas correm loucamente e tentam
desesperadamente se adaptar a novas circunstâncias e a novos ambientes,
recusando-se a serem elas mesmas, pois permanecer fiel a uma identidade, a um
perfil, a uma personalidade, a princípios e valores, comporta algumas perdas e
poucos têm a coragem de pagar este preço. A Psicologia já se debruçou sobre
este fenômeno e começou a falar de "síndrome do camaleão” para definir a
situação de pessoas que são extremamente voláteis, que vivem sempre preocupadas
em acompanhar os modismos, deixando-se arrastar por todo e qualquer vento que
sopra.
A síndrome do camaleão também afeta profundamente a vida de
muitas pessoas na Igreja, de modo particular padres, bispos e teólogos. Tais
pessoas não têm convicções próprias, não acreditam em determinados valores e
não pautam suas vidas por essas convicções e por esses valores. Trocam sempre
de atitudes, comportamentos e opiniões, seguindo aquilo que no momento está na
moda e traz fama, vantagens e oportunidades. Grande parte de eclesiásticos vive
segundo os ventos que sobram no Vaticano. E por essa razão são capazes de
passar de um extremo ao outro, sem a menor dificuldade e sem o menor pudor. Não
agem por acreditar em certos princípios, mas porque querem seguir mimeticamente
aquilo que é feito em Roma e no Vaticano.
Desta forma um padre brasileiro nordestino passou
improvisamente de suas camisetas coloridas com frases libertárias, e suas
calças jeans surradas, para o "empacotamento” em um clergyman preto, usado
na Europa somente em dias excessivamente frios. Não demorou muito e foi
promovido a bispo e depois a arcebispo. Tudo porque a linha vaticana tinha se
inclinado profundamente para a direita e ele percebeu que se continuasse com
suas camisetas e seus jeans surrados não faria carreira. Certo teólogo,
conhecido por seus inúmeros escritos – aliás, bem fundamentados – sobre a
experiência de Deus no pobre, sobre o encontro entre fé e política, sobre a
relação entre compromisso político da fé, a causa do oprimido e a constituição
da Igreja, de repente vira a casaca e começa a dizer que tudo isso é bobagem e
que os teólogos da libertação blefaram, enchendo a Igreja de puro marxismo.
Outro teólogo famoso, perito durante o Vaticano II, num escrito bem
fundamentado e cheio de bons argumentos teológicos, tentou provar que não
existem impedimentos teológicos para a ordenação das mulheres. Percebendo que a
partir de 1978 ventos contrários cada vez mais fortes sopravam no Vaticano,
resolveu desdizer tudo o que afirmara antes e defender intransigentemente que
era vontade divina que a mulher não fosse ordenada. Como premio foi nomeado
bispo. Quando questionado sobre seus escritos anteriores respondia
laconicamente que se tratava de "puras elucubrações teológicas”.
Começo a perceber que a síndrome do camaleão está voltando
com intensidade nestes últimos dias. Vendo que o papa Francisco sinaliza para
uma Igreja pobre, simples, comprometida com os pobres, alguns eclesiásticos
começam a mudar seus discursos e seus comportamentos. Começam a seguir
mimeticamente o papa. Até agora se revelavam como ultraconservadores, inimigos
da teologia da libertação, das comunidades eclesiais de base, intransigentes
críticos de uma Igreja Povo de Deus. Fiquei pasmo ao ver nestes dias um padre
presidindo a eucaristia numa televisão católica ultraconservadora e usando
apenas uma estola. Isso era impensável até alguns dias atrás.
Precisamos ficar de olho nesses camaleões eclesiásticos. Não
podemos baixar o tom da crítica e da denúncia. Precisamos desmascarar seus
jogos de interesses e de oportunismo, seus disfarces e suas farsas. É claro que
não podemos excluir a possibilidade de verdadeiras conversões, mas não podemos
deixar nos enganar. As verdadeiras conversões, como aquela de Dom Oscar Romero,
são sempre na direção de uma vida comprometida com o povo, na direção do
martírio. Não podemos deixar de ser vigilantes porque, amanhã, se os ventos
voltarem a soprar em direção contrária, eles novamente trocarão de identidade e
de posição, para se adaptarem ao momento. Temos que manter a crítica e a
vigilância porque tais pessoas, oportunistas e carreiristas, são os piores
inimigos da Igreja. Uma desgraça para a verdadeira evangelização.
Fonte: Adital
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