Sempre preocupado com a vivência da fé no contexto atual, o
teólogo José María Castillo é sempre uma voz cortante e profética. Em sua
opinião, “a teologia necessita de uma atualização, que alude problemas muito
mais graves que os sapatos do Papa”.
O artigo é publicado
no seu blog Teología Sin Censura, 08-04-2013. A tradução é do Cepat.
Tem sido notícia, em todo o mundo, os novos costumes que o
papa Francisco introduziu na imagem pública que o sucessor de Pedro oferece ao
mundo. Ninguém mais duvida que o Papa cada dia mais se parece com um homem
normal, sem os sapatos vermelhos de Prada, cada vez com menos dessas
indumentárias tão chamativas como extemporâneas. É claro, isto é de elogiar, e
expressa que este papa tem uma personalidade forte, original, exemplar. Um papa
é importante, não por sua imagem pública, mas por sua exemplaridade. É evidente
que o papa Francisco tem isto muito claro. Por isso o admiramos, aplaudimos e o
sentimos mais próximo. E esperamos muito dele.
É claro, não sou eu quem tem que dizer ao papa o que tem que
fazer. Quem sou eu para isso? De qualquer forma, e com toda a modéstia e
humildade que me é possível, atrevo-me a sugerir que apenas com a simplificação
da vestimenta e a modificação de alguns costumes, pode-se pensar que a Igreja
não se apruma. Será notícia, isso sim. Principalmente, entre pessoas e grupos
mais tradicionais. Alguns já gritaram alto porque, na última Quinta-feira
Santa, o papa Francisco se atreveu a lavar os pés de duas mulheres. Dá pena
pensar que existam pessoas que, por semelhante coisa, se alarmem tanto. Não
seria mais razoável pensar profundamente sobre a raiz dos verdadeiros problemas
que a Igreja sobre? E, sobretudo, os problemas que tanta gente desamparada,
marginalizada e sem esperança de futuro sofre?
Pois bem, exposta a questão, o que eu me atrevo a sugerir é
que a raiz dos problemas, que a Igreja arrasta, não está na imagem pública
oferecida pelo papa. A raiz está na teologia que a Igreja ensina. Porque a
teologia é o conjunto de saberes que nos diz o que temos que pensar e crer
sobre Deus, sobre Jesus Cristo, sobre o pecado e a salvação etc. Como é do
conhecimento de qualquer pessoa medianamente instruída, a teologia continua
sendo um conjunto de saberes que ficou muito passado. Porque são ideias e
convicções que se elaboraram e se estruturaram há mais de oitocentos anos. E,
como é lógico, numa cultura como a atual, quando a mentalidade da quase
totalidade das pessoas tem outros problemas e busca outras soluções, nós vamos
estranhar que os ensinamentos do clero interessam pouco e cada dia menos
pessoas?
Concordo que Deus é sempre o mesmo. E não se trata de que as
pessoas de cada período inventem o “deus” que convém às pessoas desse tempo.
Nada disso. Trata-se, precisamente, do contrário disto. A questão é a que nos
questionemos seriamente se o que ensinamos, com nossas teologias e nossos
catecismos, é o que Deus nos disse. Ou melhor, se o que ensinamos é o que foi
ocorrendo a uma extensa série de teólogos, mais ou menos originais, que, em
tempos passados, disseram coisas que hoje servem para pouco.
Termino apresentando um exemplo, que ilustra o que tento
explicar. No “Credo” (nossa confissão oficial da fé), começamos dizendo:
“Cremos num só Deus, Pai todo-poderoso”. Isso é o que ensinou o primeiro
Concílio ecumênico, o de Niceia (ano 325). De outros qualitativos, que poderiam
ter sido atribuídos ao Deus de nossa fé, escolheu-se o de “todo-poderoso”, ou
seja, optou-se pelo “poder”, não pela bondade ou o amor, que é a maneira como o
Novo Testamento define Deus (1 Jo 4, 8.16). Contudo, não é isto o que ocasiona
mais dificuldades. O problema principal está no fato de que quando se lê o
texto original do Concílio, o grego, o que diz ali é que nós, cristãos,
acreditamos no “Pantokrátor”, que era o título que os imperadores da dinastia
dos “antoninos” atribuíam a si mesmos (do 96 ao 192), os que dominaram a idade
de ouro do Império, e que se igualaram aos deuses.
O “Pantokrátor” era o amo do universo, o dominador absoluto
do cosmos. Uma maneira de falar de Deus que pouco (ou nada) tem a ver com o Pai
que Jesus nos apresentou. Este exemplo, mesmo sendo importante, é relativamente
secundário. Sem dúvida alguma, a teologia necessita de uma atualização, que
alude problemas muito mais graves que os sapatos do Papa. Vamos intensificar
nossa fé e nossa esperança de que o papa Francisco dará passos decisivos neste
sentido. Nisto, nós crentes apostamos mais do que certamente imaginamos.
Fonte: Ihu
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