A universidade como um todo tem
um problema grave de violências de gênero, não só na forma de estupros como
também com trotes violentos de teor sexual e outras discriminações.
por Nana Soares
A Netflix disponibilizou
recentemente o documentário “The Hunting Ground”, que aborda a epidemia de
estupros nas universidades americanas e os esforços das instituições para
acobertá-los. É um filme incômodo e, por isso mesmo, necessário sobre um
problema real que acontece tanto lá quanto aqui.
Nos EUA, os levantamentos apontam
que 1 em cada 5 universitárias são ou serão vítimas de violência sexual. Não só
é um número escandaloso como também é inacreditável que o debate sobre ele
tenha demorado tanto tempo para se instalar. O documentário mostra a
dificuldade das estudantes em reportar os casos às universidades, os entraves
institucionais e a completa impunidade dos agressores (especialmente se forem
atletas ou estudantes que alavancam o nome das instituições). Mostra também as
ameaças, isolamento e punições posteriores ao abuso sexual, que têm muitas
consequências nas vidas das vítimas. É um filme imperdível com uma música tema
que não poderia ser mais apropriada: “Til it happens to you” (Até que aconteça
com você).
Mas pior ainda é saber que o problema
não se limita aos EUA. O mesmo fenômeno de violência sexual nas universidades e
o posterior abafamento dos casos também acontece no Brasil. Os casos mais
famosos vieram da prestigiada Faculdade de Medicina da USP. Não sem
resistência: as corajosas estudantes que relataram as agressões ouviram (e
muito) que iriam sujar o nome da Faculdade mais tradicional do país e que o
assunto deveria ser discutido e resolvido internamente. Muito bonito, não fosse
o fato de que internamente elas não recebiam apoio ou solução para combater o
problema.
Estudei na USP e desde sempre
ouvi falar dos casos da Medicina, só tornados públicos há dois anos. Aliás, a
universidade como um todo tem um problema grave de violências de gênero, não só
na forma de estupros como também com trotes violentos de teor sexual e outras
discriminações. E, assim como nos EUA, as estudantes carecem de apoio
institucional efetivo. O mais comum sempre foi ver medidas como proibição do
álcool ou discussões sobre alcoolismo numa tentativa de diminuir abusos
sexuais. Como se fosse o álcool, e não uma pessoa, que inflingisse a violência.
Dados de uma pesquisa de 2015 do
Instituto Avon em parceria com o DataPopular apontam um dado escandaloso: 67%
das mulheres foram vítimas de violência cometida por um homem nas universidades
ou festas acadêmicas. E 42% delas já sentiram medo de sofrer violência nesse
mesmo ambiente. Entre os universitários homens, 38% admitiram ter cometido
alguma das violências listadas pela pesquisa (assédio sexual, coerção, violência
sexual, violência física, desqualificação intelectual com base em gênero e
agressão moral ou psicológica). E a quase totalidade dos entrevistados acredita
que as faculdades deveriam criar meios para punir os responsáveis.
Os poucos dados que temos já mostram
que o ambiente universitário também é inseguro para mulheres. Se pensarmos que
ali está o futuro do país, não é exagero dizer que o futuro parece ter a violência contra a
mulher como uma prática normalizada e institucionalizada. Parece tratar a segurança
da maioria de sua população (já que as mulheres são maioria no ensino superior
do Brasil) como algo minoritário.
Carrego as melhores lembranças
possíveis dos meus anos de faculdade e por isso me dói profundamente saber que
uma quantidade inaceitável de mulheres não terá a mesma oportunidade. Por isso,
não tem jeito: a única saída para obrigar a sociedade a discutir o problema é
falar.
Nos EUA, há agora uma mobilização
nacional importante em torno dos abusos sexuais nos campi universitários. Um
canal de humor por lá fez um divertido vídeo sobre como o assunto é tratado no
país, mesmo com a estatística de 20% de alunas violentadas.
Fonte: Agência Patrícia Galvão
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