Ana Paula Coutinho decidiu deixar
os embriões congelados enquanto cenário sobre zika continua incerto - Foto:
Rafael Martins
“Eu não tenho muito mais tempo para ser mãe”,
repete diversas vezes a arquiteta pernambucana Ana Paula Coutinho, de 47 anos,
enquanto tenta explicar a frustração de ter que adiar novamente sua gravidez.
Ela é uma das muitas mulheres
que, nos últimos meses, tomaram a difícil decisão de interromper seus processos
de fertilização in vitro porque temem pegar o zika vírus durante a gestação e
ter bebês com microcefalia.
“Venho tentando engravidar há
sete anos e deveria ter implantado os embriões fertilizados em janeiro. Mas por
causa desse surto ficamos com muito receio. E aí conversamos e decidimos manter
os embriões congelados e ver o que vai acontecer em relação à zika”, disse à
BBC Brasil.
Recentemente, pesquisadores
comprovaram que o vírus pode ser transmitido da mãe para o bebê durante a
gravidez, o que fortalece a ideia de que ele seja responsável pelo aumento no
número de casos da má-formação – 270 casos foram confirmados e 3.448 continuam
sob investigação, segundo o Ministério da Saúde.
“Nós dois ficamos assustados com
tudo o que passou na televisão sobre a zika. Aí conversamos e decidimos
aguardar uns três meses para ver se surge alguma novidade. Não podemos esperar
mais do que isso. As mulheres mais novas tem possibilidade maior de serem mães,
mas eu já estou no limite”, afirma Ana Paula.
O médico Paulo Gallo, que dirige
clínica no Rio, relata até 7 casos de adiamento por mês - Foto: Antonio Silvino
Além de cara, a fertilização in
vitro exige bastante das mulheres fisicamente. Elas precisam tomar medicações
para estimular a produção de óvulos, que depois são extraídos, fertilizados com
o sêmen do parceiro e implantados em seu útero. Caso a gravidez não vá adiante,
o casal precisa começar o processo novamente.
“É um processo custoso, mas o
pior é o emocional. Todas as vezes em que você tenta, nasce uma esperança. E
quando não acontece você se frustra. No meio das tentativas eu tive uma
gravidez espontânea, que infelizmente não conseguiu evoluir. Eu estou há pelo
menos dois anos preparando o endométrio (tecido que reveste o útero) para
receber outro embrião.”
“Agora que estava tudo bem, que o
endométrio estava perfeito, isso acontece. Pensei: ‘Meu Deus, como é
complicado'”, diz a arquiteta.
Brincar com o azar
Especialistas em fertilidade de
Recife, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo relataram à BBC Brasil
um aumento de até 10% no número de pacientes que decidiram adiar a implantação
de embriões, por causa da epidemia de microcefalia, desde outubro. E eles
esperam uma alta maior.
“Ainda não há dados oficiais em
relação a isso, mas é o que eu e colegas do Rio e de outros Estados percebemos.
Na nossa clínica, cerca de cinco a sete pacientes por mês resolvem adiar a
gravidez”, disse à BBC Brasil Paulo Gallo, diretor do Vida – Centro de
Fertilidade da Rede D’Or, no Rio de Janeiro.
As clínicas não têm tido
prejuízo, já que os ciclos de fertilização em andamento – que chegam a custar
de R$ 20 a R$ 25 mil – continuarão sendo pagos pelos pacientes, um gasto que
aumenta quando o casal decide manter seus embriões congelados por meses.
Mesmo assim, Gallo diz que é
difícil para os médicos saber como orientar os pacientes na atual situação.
“Não posso dizer pra adiarem a gravidez por seis meses, porque não posso dizer
que até lá teremos vacina e teremos acabado com o mosquito.”
“As pacientes jovens, que podem
se dar o luxo de esperar, a gente orienta a aguardar por tempo indeterminado,
até termos uma noção melhor do que pode acontecer. Mas às mulheres que estão
mais próximas dos 40 anos, não tenho como dizer para ela esperar sem que eu
possa garantir algum conforto”, afirma.
“A maioria delas decidiu esperar
até março, abril ou até o inverno. Mas vemos que está só piorando. No Rio de
Janeiro você tem dengue o ano inteiro.”
Congelamento não prejudica
embriões fertilizados Foto: Antonio Silvino
Até o momento, diferentemente de
outros governos de países latino-americanos afetados pela zika, o Ministério da
Saúde brasileiro evita dizer às mulheres que não engravidem e pede que elas
conversem com seus médicos sobre os riscos da infecção antes de decidir pela
gestação. Uma vez grávidas, devem tentar se proteger das picadas do Aedes
aegypti, que pode transmitir a doença.
Mas para mulheres como C.G., de
42 anos, uma das pacientes de Paulo Gallo, as orientações do ministério não são
suficientes.
“Cada hora eles descobrem alguma
coisa. É quase uma lavagem cerebral com tantas informações. Fui ficando
apavorada e resolvi adiar a gravidez”, disse à BBC Brasil.
C.G., que pediu para não ser
identificada, congelou óvulos três anos atrás e faria sua primeira fertilização
em janeiro.
“Já casei, não deu certo e também
não pensava antes em ter filhos. Aí começou a bater o relógio biológico, mas
não tenho companheiro. Antes eu tinha medo de fazer uma produção independente e
agora tomei mais coragem, tenho apoio da família. Mas, justamente quando
resolvo, aparece esse problema da zika.”
“É tudo muito caro e eu fiz uma
poupança pra isso desde que congelei. Já até paguei a doação de sêmen. Estou
chateada, ter que adiar mais uma vez o meu sonho mexeu muito com a minha
cabeça. Mas eu acho que ia ficar pior se ficasse grávida e tivesse um problema
desse”, afirma.
“A gente quer um filho e pede a
Deus que seja saudável, mas ninguém quer brincar com o azar. Falei com o doutor
que ia esperar até o inverno. Quero saber se o governo vai tomar alguma
providência.”
Mulheres optam por congelar
embriões para ter mais segurança, diz a médica Altina Castelo Branco - Foto:
Rafael Martins
Nesta semana, o governo anunciou
que uma força-tarefa de 220 mil soldados do Exército se juntará a agentes de
saúde em todo o país no dia 13 de fevereiro para visitar casas em campanha pelo
combate ao mosquito.
O Ministério da Saúde também diz
que distribuirá repelente gratuitamente a 400 mil mulheres grávidas e a
presidente Dilma Rousseff, no Equador, propôs uma ação conjunta dos países
latino-americanos contra a epidemia de zika.
‘Poupança’
Em Recife, a médica Altina
Castelo Branco diz que suas pacientes mais ansiosas também estão evitando
engravidar desde outubro, mas mantêm seus embriões congelados para ter uma
espécie de “poupança”.
“Geralmente são mulheres de mais
de 35 anos, que estão tentando há algum tempo. Elas sabem que, se demoram mais,
os ovários podem dar menos óvulos e elas terão menos chance de ter embriões
bons. O congelamento não afeta os embriões e dá uma segurança, mas também não é
garantia de uma gravidez”, disse à BBC Brasil.
“Vemos o que elas passam, e o
medo que dá é que não vemos uma solução em curto prazo para essa ansiedade.”
Norma e Alexandre decidiram
continuar com os planos de gravidez, mesmo sob a ameaça da zika - Foto: Paulo
Paiva
Norma e Alexandre decidiram
continuar com os planos de gravidez, mesmo sob a ameaça da zika – Foto: Paulo
Paiva
Mas enquanto alguns casais, ainda
que ansiosos por um bebê, optaram por suspender os planos, outros decidiram
assumir o risco.
A funcionária pública
pernambucana Norma Guimarães, de 34 anos, e seu marido fizeram a fertilização
pela primeira vez em outubro do ano passado, quando o aumento no número de
casos de microcefalia já era assunto em todo o país.
“O Brasil convive com o Aedes
aegypti há décadas e até hoje não conseguiu erradicar o mosquito e nem sequer
produzir uma vacina contra nenhum dos quatro tipos de dengue hoje existentes.
Quando fariam algo para conter a chikungunya ou a zika, que são doenças mais
recentes? Infelizmente teremos que conviver com esse mosquito e essas doenças
por muito tempo ainda”, disse.
“No começo, tivemos o susto,
bateu a insegurança e o medo, mas decidimos continuar. Estou grávida de 15
semanas de uma menina que se chamará Helena.”
Para se prevenir contra o vírus,
Norma usa repelente religiosamente, evita locais onde poderia haver focos do
mosquito, como piscinas, e optou pelas calças e camisas de manga comprida
durante o dia.
“A gente está feliz com a realização
desse sonho, mas também ficamos apreensivos porque temos que tomar precauções.
Estou tentando encontrar um equilíbrio entre ouvir tantas notícias ruins, me
prevenir e curtir esse momento tão esperado.”
“Nem toda mulher pega zika, e
mesmo que peguem, nem todas terão filhos com microcefalia. Por isso, mesmo com
medo decidimos seguir em frente. Não nos arrependemos em nenhum momento”,
afirma.
Fonte: Camilla Costa, do BBC
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