Entre elas o desemprego é 30%
maior que entre eles. A coisa fica pior entre pretas e pardas, com 47% a mais
de desocupação. Mulheres em idade fértil são as que mais sofrem.
Por Carolina Vicentin
Verônica*, 42 anos, fazia um
tratamento para engravidar quando recebeu a notícia de que seria demitida da
empresa na qual trabalhava como representante comercial há três anos. Ficou
atônita. “Eles nunca reclamaram do meu trabalho. Será que eu devia ter ficado
calada sobre os meus planos de me tornar mãe?”, questiona-se. Verônica é parte
do contingente de brasileiras que perderam o emprego em 2015, o ano em que mais
uma crise econômica fincou suas raízes no país.
Dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres são as maiores vítimas
da recessão. De janeiro a novembro do ano passado, a taxa de desocupação
feminina chegou a 7,9% – enquanto a média geral foi de 6,8%. Os números saltam
se forem consideradas apenas as mulheres negras: nesse grupo, o desemprego
acumulado em 11 meses foi de 9%.
Não há nenhum estudo específico
sobre a taxa de desocupação entre mães ou gestantes, mas perguntas sobre as
pretensões de maternidade e a dedicação aos filhos são comuns em processos de
seleção de todas as áreas. “Eu ouvi coisas como ‘mas você é mãe, né? Precisamos
de gente sem hora para sair e com dedicação total à empresa’”, lembra Andressa
Bristotti, 33 anos, que foi demitida pouco depois de voltar da
licença-maternidade. Cansada de tentar conseguir uma recolocação no mercado de
trabalho, ela acabou abrindo seu próprio negócio.
Pela lei trabalhista brasileira,
a mulher tem direito à estabilidade no emprego desde o início da gestação até
150 dias após o parto – inclusive se a descoberta da gravidez ocorrer durante o
aviso prévio. Foi o que aconteceu com a representante comercial Verônica, que
procurou a Justiça para ser recontratada pela empresa. Hoje, às vésperas de se
tornar mãe, ela teme o que pode acontecer no futuro, quando não tiver mais a
proteção legal.
Outros direitos da gestante
incluem a possibilidade de se ausentar para consultas e exames e para amamentar
o bebê (veja mais no quadro abaixo). Quem se sentir constrangida durante a
gestação pode pedir a chamada rescisão indireta, uma espécie de “justa causa”
promovida pelo empregado contra a empresa. Nesse caso, o empregador precisa
pagar todas as verbas rescisórias como se estivesse demitindo a trabalhadora,
incluindo a multa de 40% sobre o fundo de garantia. “De forma geral, os empresários
têm consciência de suas obrigações, ao menos nas grandes cidades”, comenta a
advogada trabalhista Clarisse Dinelly. “O difícil é garantir o respeito às leis
no interior, onde muita gente nem sequer paga o salário mínimo”.
Assédio e preconceito
A ideia de que a contratação de
mulheres é mais “arriscada”, uma vez que elas engravidam e precisam se afastar
temporariamente do emprego, está profundamente enraizada no Brasil. Não raro,
ataques, assédios e constrangimentos a gestantes ou funcionárias com filhos
pequenos são protagonizados, inclusive, por outras mulheres. “Minha chefe fazia
questão de dizer que havia voltado ao trabalho 15 dias após o nascimento dos
filhos, como se fazer qualquer coisa diferente disso fosse sinal de preguiça da
minha parte”, lembra a jornalista Priscila*, 31 anos, mãe de uma menina de 10
meses.
A publicitária Paula Motta, 28
anos, conta que sua ex-chefe parou de cumprimentá-la ao ficar sabendo da sua
gravidez. “Dias depois, ela me disse que o fluxo de trabalho havia diminuído e
que eu iria para a rua. Ressaltei que estava à espera de um bebê e ela me
disse: ‘ah, tem isso aí. Fica tranquila que eu te pago mais um salário’”. Paula
trabalhava como pessoa jurídica, mas tinha todos os vínculos de um funcionário
fichado e conseguiu ganho de causa na Justiça contra a empresa.
“Esse tipo de discriminação é uma
forma de violência contra a mulher”, afirma Ana Lúcia Keunecke, diretora
jurídica da Artemis, uma organização não governamental que luta pelos direitos
femininos. “Se o desemprego ocorre porque as mulheres podem se tornar mães,
isso não é uma questão trabalhista, e sim uma grave violação dos direitos
humanos”, aponta.
Paula com o filhinho Mateus –
Foto: Arquivo Pessoal
O Brasil é signatário de uma série
de acordos internacionais pela não discriminação de gênero, mas ainda engatinha
para cumprir as determinações – sem falar que encara a disseminação de
preconceitos na esfera pública. No início do ano passado, por exemplo, o
deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ) afirmou que mulheres deveriam ganhar menos que
homens, justamente porque a elas é assegurada a licença-maternidade.
Em novembro, uma pesquisa global
divulgada pelo Fórum Econômico Mundial revelou que o país é o segundo pior no
quesito igualdade de salário entre homens e mulheres, na frente apenas de
Angola. Por aqui, mulheres ganham 30% a menos que os homens.
“Infelizmente, em pleno século
21, continuamos a ver as mulheres sendo discriminadas ou excluídas pela falta
de oportunidades”, lamenta o procurador Sandoval Alves da Silva, da
Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidade e Eliminação da
Desigualdade, do Ministério Público do Trabalho (MPT). “Essa situação é
histórica, mas, em tempos de crise, se torna ainda mais predatória.”
Em 2014, o MPT no Distrito
Federal conseguiu a condenação de uma empresa de tecnologia que pagou R$ 2
milhões por assédio moral coletivo a gestantes. Segundo a investigação, as
trabalhadoras eram obrigadas a ficar isoladas dos demais empregados, em locais
insalubres e sofrendo ameaças caso denunciassem a situação. Em Tocantins, um
grande banco está sendo processado pelo MPT por não ter deixado uma funcionária
que sofreu um aborto espontâneo sair da agência até fechar a tesouraria. De
acordo com a denúncia, o feto ficou guardado em um saco plástico.
Os abusos não são exclusividade
das empresas privadas. No início do ano passado, o governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no
Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei estadual que regulamenta a
licença-maternidade de servidoras públicas em estágio probatório. Se o estado
obtiver ganho de causa na Corte, os seis meses de afastamento não serão
computados nos três anos iniciais de serviço. “Será mais uma situação em que as
mulheres ficarão para trás na carreira e nas oportunidades de aumento de
salário”, comenta Ana Lúcia.
A maternidade e o “não trabalho”
Para além dos constrangimentos
legais sofridos pelas mães, há uma falta de entendimento generalizada sobre a
função social da criação dos filhos. Enquanto em muitos países europeus há um
estímulo para que mulheres e homens dediquem mais tempo exclusivamente a essa
atividade, no Brasil e em outras nações latino-americanas, isso passa longe de
ser uma prioridade. “Não há uma política pública que reconheça a maternidade
como um exercício social, uma forma de criar bons cidadãos para o futuro”,
destaca a diretora jurídica da Artemis.
O período de afastamento previsto
na legislação trabalhista é visto como um estorvo pelas empresas, que cobram
uma alta produtividade da mulher assim que ela regressa ao trabalho –
normalmente, com um bebê que segue acordando de madrugada. Não à toa, a média
de aleitamento materno exclusivo no Brasil é de apenas 54 dias – enquanto a
recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de seis meses.
“A sociedade brasileira ainda
enxerga a mulher como prioritariamente responsável pela manutenção do lar. Nos
últimos anos, elas ingressaram mais maciçamente no mercado de trabalho, mas
isso não foi acompanhado de um aumento da participação dos homens nas tarefas
domésticas”, ressalta a secretária de Políticas do Trabalho e Autonomia
Econômica da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), Tatau Godinho. “Não
houve uma mudança no padrão de responsabilidade masculina”, frisa.
A pesquisa mais recente do
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) sobre o assunto, divulgada
em 2012, revela que as mulheres dedicam 26,6 horas semanais às atividades domésticas.
Os homens, por sua vez, se comprometem com menos da metade: 10,5 horas, em
média. Uma tentativa de mudar essa equação é o aumento da licença-paternidade,
em discussão no Congresso Nacional. A proposta é que os atuais cinco dias
aumentem para 20.
Outro desafio a ser vencido é a
fragilidade nas políticas públicas de apoio às famílias com crianças pequenas.
Embora o número de vagas em creches tenha dobrado desde 2003, o índice de
meninas e meninos atendidos é de apenas 24%. As maiores prejudicadas acabam
sendo as mulheres negras e pobres, que raramente podem deixar de trabalhar para
ficar com o bebê e dependem de terceiros para cuidar dos filhos.
Alternativa
Para as que podem “se dar ao
luxo” de deixar o emprego formal, um caminho que tem atraído cada vez mais
adeptas é o do empreendedorismo. Nas redes sociais, há uma série de grupos de
mães donas de seus próprios negócios. Elas usam o espaço como vitrine para
produtos e serviços, fazem pesquisa de preço e compartilham o ideal de comprar
e vender para outras mulheres na mesma situação, fomentando o empreendedorismo
materno.
Criado no ano passado, o
Maternativa é um desses grupos. De tanto sucesso, virou um site, com mais de
570 empresas cadastradas, todas tocadas por mulheres mães. Além do site, a rede
mantém um blog, um canal no YouTube e realiza encontros para formação em
empreendedorismo – tudo gratuitamente. A designer Camila Conti e a pedagoga Ana
Laura Castro, responsáveis pela iniciativa, acreditam, porém, que o
empreendedorismo materno é muito mais uma necessidade do que um desejo – pelo
menos por enquanto.
“Muitas mulheres gostam de ser
funcionárias, preferem o emprego, o salário e os benefícios garantidos. O
mercado de trabalho é tão opressor, contudo, que muitas pedem demissão ou são
demitidas após o fim da licença-maternidade”, diz Camila.
Para ela, um dos maiores desafios
é a formação para que as mulheres possam empreender com qualidade. “A gente
cresce ouvindo que ‘mulher só sabe gastar’ e muito disso fica no nosso
subconsciente. No grupo, percebemos o quanto elas têm dificuldade para gerir as
contas da empresa.”
Além disso, há o problema do
gerenciamento do tempo. A maioria das mães que abrem negócios são também
responsáveis pelo cuidado com os filhos e com a casa. Não é raro que se frustrem
ao perceber que o sonho de dedicar-se mais às crianças acaba sendo substituído
pelo grande volume de trabalho.
São esses medos que rondam a
cabeça da arquiteta Júlia*, 35 anos, mãe de uma menina de 3 meses. Depois de
três anos atuando em um escritório – que pediu aos funcionários para que
passassem a receber como pessoa jurídica – ela foi mandada embora, grávida, sem
nenhum de seus direitos respeitados. “Fiquei chocada! Meus chefes são também
pais de família, eles sabem como o momento da chegada de um bebê é delicado”,
revolta-se. Júlia está movendo um processo contra a empresa e pensando como
será seu futuro, talvez como empreendedora. “Eu não sou a primeira e não serei
a última a passar por essa situação, infelizmente. Tudo acabou sendo um
aprendizado, parei para refletir como nossa sociedade reage à notícia de uma
gravidez, que deveria ser só felicidade.”
SOBRE @ AUTOR@: CAROLINA VICENTIN
Carolina Vicentin
A Carol é responsável pela
editoria Mãezinha Vírgula. Ela também é especialista em Bioética e aprendiz de
Marketing Digital. Trabalhou nos jornais Metro, Correio Braziliense e Jornal do
Brasil e na Secretaria de Comunicação da Universidade de Brasília. Atualmente,
é consultora da Organização dos Estados Ibero-americanos, atuando em um projeto
de cooperação internacional do Sebrae com o BID. É mãe do Miguel, de um ano e
meio, e costuma ficar com o coração derretido toda vez que ele fala “mamai”.
Divide esse projeto ousado com o Lourenço, companheiro procrastinador e
apaixonado. Nas horas vagas, assiste a episódios antigos de séries de TV
(porque os novos ela não consegue acompanhar), prepara bolos e devora leite
condensado de caixinha a colheradas.
Fonte: http://azmina.com.br/
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