As meninas da ETEC Guaracy
Silveira, em São Paulo, decididas a garantir seus direitos, fundaram em outubro
de 2015, o coletivo feminista da escola.
Elas se organizam, discutem e
lutam contra o machismo antes mesmo de sair da escola – e, provavelmente,
tiveram sua parcela de influência sobre o MEC.
por HELENA BERTHO
Se alguém tirou de letra o ENEM
deste ano, que teve redação sobre violência contra a mulher e questão citando
Simone de Beauvoir, foram elas: as feministas adolescentes. Essas gurias têm
causado espanto e encantamento em feministas veteranas por seu engajamento e
paixão. Tem meninas de 15 anos criando
aplicativo para combater o slutshamming (nome popular para o apedrejamento
público de mulheres por seu comportamento sexual), tem alunas do colegial
fazendo campanha pra liberar o uso de shorts na escola, tem coletivos brotando
em diversas instituições de ensino e publicação feminista especialmente para
adolescente lançando livro, a Capitolina. E há que se questionar se não devemos
a elas, ao menos em parte, que o MEC tenha escolhido abordar o tema no maior exame
pré-vestibular do país. Afinal, quem foi que mostrou que adolescentes têm
maturidade pra discutir questões de gênero?
Tudo isso é surpreendente para a
geração mais velha, que só foi ter contato com o feminismo depois de adulta,
mas algo completamente natural dentro do contexto atual. “Essa expansão dos
feminismos acontece porque a internet e as mídias sociais têm um papel central
na vida dessas estudantes. Elas se informam e se conectam cada vez mais através
de grupos e blogs em que debatem questões referentes às suas experiências e
seus cotidianos – nas quais as desigualdades de gênero são uma constante”,
comenta Renata Saavedar, gerente do ELAS Fundo de Investimento Social. Com o
grande acesso à internet e a redes sociais, essas meninas estão descobrindo que
o incômodo com assédio, por exemplo, não é só delas, mas algo que muitas outras
meninas sentem. A partir daí, elas percebem que podem lutar contra isso.
Julia Iozzi, por exemplo, tem 13
anos e, após ouvir sobre feminismo em algumas aulas de história, foi buscar
mais sobre o assunto na internet. Hoje, ela se considera feminista. “Para mim,
ser feminista é apenas lutar contra uma injustiça que muita gente ainda vive. E
isso ajuda você a ver um mundo melhor que pode ser criado um dia com a ajuda de
todos. Isso me ajudou a abrir minha mente e ser menos ignorante”. E ela não é
exceção.
Um levantamento realizado pela
Fundacão Perseu Abramo mostrou que, em 2010, 40% das mulheres entre 14 e 17
anos se consideram feministas, enquanto apenas 37% das que tinham entre 25 e 34
anos se definiam assim.
Esse feminismo jovem é essencial
para a luta pela equidade de gênero. “Feminismo é transformar o mundo enquanto
transformamos a nós mesmas. Experimentar isso mais cedo é tomar consciência de
que precisamos lutar para que o mundo seja mais igual e ao mesmo tempo, que uma
vida com mais prazer, mais liberdade e mais autonomia é possível, para nós e
para as outras”, diz Priscilla Britto, Secretária Executiva da Universidade
Feminista, que estuda a questão em seu mestrado.
E, de fato, essas meninas
participam da luta. Luana Pantaleoni, de 16 anos, quando ouviu um professor
discursar em aula sobre ser inadequado meninas irem de shorts para a escola,
pois seria uma distração para os meninos, decidiu não se calar e criou, junto
da colega Giulia Pezarim, o movimento “Vai ter shortinhos, sim!”. A página do
movimento no Facebook conseguiu quase 20 mil curtidas em um mês e o abaixo
assinado para que o colégio liberasse a peça de roupa de verão para as meninas
chegou a mais de 4 mil assinaturas.
Os coletivos têm surgido como uma
forma das garotas se organizarem dentro de seus colégios. Mariana Marques, 16,
e Camilla de Souza, 17, são parte do coletivo de alunas de sua escola e organizaram
um evento de duas semanas que debateu sexualidade e gênero com todos os alunos
da instituição em setembro. “Foi impressionante ver as mudanças e descontruções
em algumas pessoas ao longo de duas semanas”, comemora Mariana.
Apesar desses grupos se formarem
dentro de colégios, a participação dos educadores no movimento ainda é pequena.
Todas as adolescentes entrevistadas ressaltaram que a maioria dos professores
raramente aborda as questões de gênero em aula e, em geral, as iniciativas de
debate costumam vir de iniciativas dos alunos e não das escolas.
As meninas da ETEC Guaracy
Silveira, em São Paulo, decididas a garantir seus direitos, fundaram em outubro
de 2015, o coletivo feminista da escola. ” width=”449″ height=”337″ /> As
meninas da ETEC Guaracy Silveira, em São Paulo, decididas a garantir seus
direitos, fundaram em outubro de 2015, o coletivo feminista da escola.
Exceção à regra, a professora de
Geografia, História e Sociologia, Silvinha Forato, sempre tenta abordar o
assunto e promover discussões, mas nota uma oposição por parte das diretorias.
“É de suma importância que esse tema seja abordado em sala de aula,
primeiramente pela libertação da mulher. E também porque, ao estudar o
feminismo, @s alun@s abrem as portas para questão do racismo, da homofobia e
também para questões de classe e direitos humanos. Vejo o feminismo como porta
de entrada para outras causas tão importantes quanto”.
Mas para Priscila Britto, o
caminho até que a escola cumpra esse papel social ainda é longo: “Acho que a
escola precisa desconstruir desde muito cedo os estereótipos de gênero, parar
de ensinar que tem coisas de menina e menino, por exemplo. Mas ainda é um
caminho longo, é preciso formar os professores nas questões de gênero e raça,
garantir que o Plano Nacional de Educação inclua o tema da diversidade sexual,
enfrentar a questão da homofobia nas escolas. Estamos avançando, mas realmente
são tempos difíceis e pode ser que em vez de progresso tenhamos retrocessos”.
Um medo baseado no grande avanço do fundamentalismo nos últimos tempos.
Mas olhando o cenário desta nova
geração, fica também a esperança. Se o fundamentalismo está ganhando força, as
meninas também estão vindo com tudo na luta pela equidade.
Conheça algumas das jovens
guerreiras!
"Nunca fui muito magra, nem
considerada bonita por nenhum meio midiático. Passei minha vida ouvindo, mesmo
de amigos e parentes, que por causa do meu físico ninguém nunca gostaria de
mim, que eu tinha que me arrumar para os homens, que eu devia ser magra,
delicada, feminina e me encaixar nos padrões de beleza. Com o tempo, comecei a
me aceitar mais, mas tenho que admitir que o medo de não ser aceita continua lá
no fundo. Me preocupo bastante com a opinião dos outros, mas não devia ser
assim! É aqui que tem que acontecer uma desconstrução. Meninas são lindas em
todas as suas formas, cores, tamanhos e jeitos, e nenhum homem tem direito de
julgar uma mulher por isso", Mariana Marques, 16 anos.
“Passei dos 6 aos 12 anos me
vestindo com roupas que eram consideradas de homem e usando um boné escondendo
meu rosto, desejando todos os dias ser um menino, poder fazer xixi de pé, jogar
bola, andar de skate… Só depois eu fui perceber que o porquê de eu estar
sofrendo não era a falta de identificação com gênero feminino, mas sim a
percepção de que os homens eram mais “livres” que as mulheres e que eu queria
essa liberdade pra mim”, Camilla Souza, 17 anos.
Fonte: http://azmina.com.br/
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