Sim, câncer de mama é um assunto
de mulheres. E a abordagem desse tema, a meu ver, deveria ser uma abordagem
feminista. Nós, feministas, falamos pouco, e nos envolvemos pouco nessa seara
tão importante da saúde da mulher. Das mulheres.
Texto de Silvia Badim para as Blogueiras Feministas.
De todas nós. Cis ou trans, se
somos mulheres temos envolvimento com esse tipo de câncer. Seja como prevenção,
seja como pacientes, seja como apoiadoras, seja como militantes dessa causa.
Impressiona-me sempre como, mesmo com toda campanha de outubro rosa, temos
poucas informações sobre o assunto. A menos, claro, que aconteça conosco. Ou
com alguém que amamos.
E as chances não são poucas.
Segundo dados do INCA, o câncer de mama é o tipo de câncer mais comum entre as
mulheres no mundo e no Brasil, depois do de pele não melanoma, com cerca de 25%
de casos novos a cada ano. Segundo dados também do INCA, em pesquisa bianual
realizada em 2013, o número de mortes anuais por câncer de mama é de 14.388,
sendo 181 homens e14.207 mulheres. E a estimativa de novos casos por ano é de
57.120. Isso mesmo. O número é assustador.
E, sim, homens também podem ter
câncer de mama, mas é um tipo bem raro, que corresponde a 1% de casos. Por isso
que, em termos que relevância e magnitude para qualquer estudo e programação de
política pública de saúde, câncer de mama é um assunto de mulheres. No caso de
mulheres trans, não existem ainda estudos específicos sobre câncer de mama,
porém como muitas tomam estrógeno e fazem tratamentos hormonais, esses
procedimentos podem aumentar o risco e a incidência de câncer de mama. É um
tema de saúde da mulher.
Câncer de mama: o que é? Quais tratamentos?
O câncer de mama mata mulheres.
Sim, nossas mulheres estão morrendo por câncer de mama, e as estatísticas são
inegáveis para nós, feministas. Já é hora de nos apropriarmos desse tema. Não
existe um único tipo de câncer de mama. São vários. Na página do Instituto
Oncoguia a gente pode aprender mais sobre esses tipos, mas aqui digo apenas que
nem todos os tipos de câncer de mama requerem a intervenção com quimioterapia e
radioterapia. Quando o câncer é chamado “in situ”, apenas a cirurgia é necessária,
para a retirada do tumor. O que requer, muitas vezes, a reconstrução das mamas,
a depender do tamanho do tumor. Nesse caso, o câncer é considerado não invasivo
ou câncer de mama pré-invasivo, pois as células não se espalharam através dos
ductos para o tecido mamário adjacente, e as chances de cura são maiores.
Quando o câncer é do tipo ductal
invasivo, aí é o caso das intervenções com quimioterapia e radioterapia, além
da mastectomia total ou parcial, bilateral ou unilateral, a depender do tipo de
tumor. Existem tumores de mama chamados triplo – negativos, quando não se
conhece o que alimenta o tumor. Muitos desses são de origem genética, quando se
tem a mutação genética dos genes BRCA 1 e BRCA 2. Esse tipo de câncer é
considerado mais agressivo, mas tem a menor incidência entre os tipos de câncer
de mama, correspondendo a cerca de 5-10% do total de casos. E a chance da
mulher desenvolver o câncer quando tem a mutação genética é de 80%.
Dos cânceres ductais invasivos os
mais comuns são os chamados estrógenos positivos, ou receptor de estrógeno
positivo. Aproximadamente 75% dos tumores de mama são RE positivo, e neste caso
o tumor tem o seu crescimento alimentado pela presença de estrógeno. Ou seja.
Uma autoalimentação um tanto perversa. Nesse tipo de câncer além das quimios e
radios e cirurgias, as mulheres tem que tomar, como protocolo, um bloqueador
hormonal, para que tenham uma taxa baixa ou nula de estrógeno. Não podem
menstruar, sentem calores de menopausa constante, suam frio a todo tempo.
Sempre penso no cuidado que temos que ter quando falamos em coisas como
“menstruação sagrada” ou coisa que o valha como formas de definir a mulher.
Além de ser transfóbico, claro, é limitador para mulheres que tomam
bloqueadores hormonais como tratamento que muitas vezes garante a sua vida.
Outro tipo de câncer invasivo é o
chamado HER 2, que é alimentado por uma proteína e acomete cerca de 15% das
mulheres com câncer de mama. Nesse caso, as mulheres tomam uma vacina para
inibir a proteína que alimenta o tumor. Em todos os casos os cânceres podem
matar. E a importância do diagnóstico precoce é fundamental. Para isso é
preciso que exista cuidado. De nós com nós mesmas. De nós com outras mulheres.
De nós como militantes para pressionar o sistema de saúde. De nós sempre para
evitar a morte o sofrimento e a violência contra as mulheres. Em mulheres com
menos de 40 anos a mamografia não é indicada como rotina, mas a ecografia pode
funcionar bem para um diagnóstico precoce.
Saúde para todas
O Ministério da Saúde acabou de
publicar um estudo que não recomenda a ampliação da mamografia como prevenção
em mulheres com menos de 50 anos. Então, não é necessariamente a mamografia,
mas sim o cuidado. O auto exame é fundamental, então, vamos nos tocar. Coloquem
sempre os braços dobrados atrás da cabeça e toquem os seios. Bem tocados.
Qualquer sinal, qualquer detalhe, investiguem. Quando se trata de câncer de
mama, qualquer detalhe é destaque. E estamos falando sobre direito a nossos
corpos. Direito de vida e de saúde e de integridade física.
E, claro, a rotina ginecológica
anual tem que incluir o exame das mamas. Aí entramos numa seara mais complexa
em que temos que cuidar das mulheres pobres e sem acesso a saúde. Sim, câncer
de mama também é caso de desigualdade social. O SUS fornece todo o tratamento
para o câncer de mama, mas nem sempre é fácil. Aí vamos brigar pela ampliação
dos exames, pela diminuição das filas, e pelo acesso à saúde de todas nós.
Principalmente onde o SUS falha: nos casos de câncer metastático de mama.
Não temos ainda no SUS a
incorporação de tratamento adquado para o câncer metastático de mama.. O que é
isso? É quando o câncer se espalha. Quando ele se origina nas mamas mas, pelo
diagnóstico tardio ou pela falta de assistência adequada ele se espalha. Ou já
se descobre assim, ou a mulher acaba tendo o que se chama de recidiva e anos
depois do primeiro tumor e do tratamento nas mamas acometidas, ele aparece em
outros lugares. Os lugares mais comuns de metástase são: pulmão, fígado, ossos,
pescoço e cabeça. Aí as estatísticas são mais cruéis e a mortalidade ainda
maior. E o SUS vem negligenciando essas mulheres. Tem uma campanha importante
que precisamos divulgar que se chama: Por mais tempo. Nela estamos brigando
para que o SUS cuide de todas as mulheres com metástase de mama. Que todas nós
tenhamos mais tempo de vida e todos os cuidados que precisamos para nossa saúde
e bem estar.
Quando o câncer de mama entrou em minha história
E então, vou contar a história de
Fernanda Miranda, minha companheira, que teve câncer de mama a primeira vez aos
33 anos, em 2013. Nanda foi vítima de negligência médica, pois quando chegou
com um nódulo no seio direito, pequeno ainda, disseram que não era nada. Sim,
mulheres jovens também têm câncer de mama. E tem muito. Meses depois quando ela
retornou no médico porque o tumor crescia sem parar, veio o diagnóstico de um
câncer já bem avançado. Foi então que ela fez quimioterapia, radioterapia, mastectomia
bilateral e,depois de toda essa travessia, em 2015 descobriu metástase nos
pulmões.
Foi então que demos as mãos
juntas nessa jornada. Com ela aprendo todos os dias um novo olhar sobre as
mulheres e sobre mim mesma. Um novo olhar sobre a beleza. A reinvenção de nós
mesmas, sem cabelos ou cílios ou seios firmes e sem cicatrizes. Tudo isso faz
parte de quem somos e olhar para ela, com tamanha coragem e brilho nos olhos
diante da vida, me faz mais humana e mais viva dentro de tudo que podemos ser e
respirar no momento presente. Foi com ela que percebi o tamanho do estigma e do
preconceito que sofrem as mulheres com câncer de mama. A vergonha incabível e
tão presente no corpo dessas mulheres. A discriminação e o medo de serem quem
são num mundo onde o padrão encarcera a beleza das mulheres em cabelos e curvas
perfeitas de photoshop.
E foi com ela também que aprendi
a admirar tanto as mulheres que passam pelo câncer de mama. A admirar a força
dessas mulheres que, apesar de vítimas de um sistema intenso de negligência e
preconceito, estão vivendo suas vidas e lutando, diariamente, para sobreviverem
com dignidade. Aprendi que câncer não é sinônimo de pena nem de resignação.
Câncer é uma doença que não resume mulher nenhuma a nada. Somos todas muito
mais que um câncer. E a vida de uma mulher com câncer de mama não precisa
parar. A gente se ama e faz sexo e sai e viaja e se diverte. A gente se explora
e se afirma no mundo como somos: lésbicas, feministas e com muita vontade de
vida pela frente. E cada dia mais preocupadas e lutando para que todas as
mulheres possam ter acesso a uma vida digna com câncer, principalmente as que
não podem pagar por melhores tratamentos e condições de vida e saúde.
Quando forem falar sobre câncer
de mama, procurem uma mulher que teve câncer de mama. Ou tem. Não, você não
imagina o que é. Não, não é objetificando, nem supondo e nem vitimizando
mulheres que se faz uma luta em prol da vida das mulheres com câncer de mama e
da prevenção ao câncer em todas nós. É ouvindo. Construindo. Dando voz a essas
mulheres guerreiras que estão vivas e valentes na luta contra o câncer. É
conscientizando e empoderando as mulheres para lutarem por seus corpos, sua
saúde e suas vidas. Essas mulheres que podem ser qualquer uma de nós, a
qualquer tempo.
Nos fotografamos. Ela nua em si
mesma. Corajosa. Com medo diante da imensidão do mar. As ondas, sempre
impermanentes. Nós duas em nossos mergulhos de existir. Câncer não é sinônimo
de morte. Nem de vergonha, nem de viver escondido. Câncer é uma doença que te
faz diferente, em transformação e reverência. Pulsando, temendo, chorando,
vibrando, desafiando, saboreando cada gota salgada da travessia. Porque ali
para aquele horizonte desconhecido, vamos todas nós.
Fonte: Blogueiras feministas
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