quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Por um outubro rosa feminista


Sim, câncer de mama é um assunto de mulheres. E a abordagem desse tema, a meu ver, deveria ser uma abordagem feminista. Nós, feministas, falamos pouco, e nos envolvemos pouco nessa seara tão importante da saúde da mulher. Das mulheres. 


Texto de Silvia Badim para as Blogueiras Feministas.

De todas nós. Cis ou trans, se somos mulheres temos envolvimento com esse tipo de câncer. Seja como prevenção, seja como pacientes, seja como apoiadoras, seja como militantes dessa causa. Impressiona-me sempre como, mesmo com toda campanha de outubro rosa, temos poucas informações sobre o assunto. A menos, claro, que aconteça conosco. Ou com alguém que amamos.

E as chances não são poucas. Segundo dados do INCA, o câncer de mama é o tipo de câncer mais comum entre as mulheres no mundo e no Brasil, depois do de pele não melanoma, com cerca de 25% de casos novos a cada ano. Segundo dados também do INCA, em pesquisa bianual realizada em 2013, o número de mortes anuais por câncer de mama é de 14.388, sendo 181 homens e14.207 mulheres. E a estimativa de novos casos por ano é de 57.120. Isso mesmo. O número é assustador.

E, sim, homens também podem ter câncer de mama, mas é um tipo bem raro, que corresponde a 1% de casos. Por isso que, em termos que relevância e magnitude para qualquer estudo e programação de política pública de saúde, câncer de mama é um assunto de mulheres. No caso de mulheres trans, não existem ainda estudos específicos sobre câncer de mama, porém como muitas tomam estrógeno e fazem tratamentos hormonais, esses procedimentos podem aumentar o risco e a incidência de câncer de mama. É um tema de saúde da mulher.

Câncer de mama: o que é? Quais tratamentos?

O câncer de mama mata mulheres. Sim, nossas mulheres estão morrendo por câncer de mama, e as estatísticas são inegáveis para nós, feministas. Já é hora de nos apropriarmos desse tema. Não existe um único tipo de câncer de mama. São vários. Na página do Instituto Oncoguia a gente pode aprender mais sobre esses tipos, mas aqui digo apenas que nem todos os tipos de câncer de mama requerem a intervenção com quimioterapia e radioterapia. Quando o câncer é chamado “in situ”, apenas a cirurgia é necessária, para a retirada do tumor. O que requer, muitas vezes, a reconstrução das mamas, a depender do tamanho do tumor. Nesse caso, o câncer é considerado não invasivo ou câncer de mama pré-invasivo, pois as células não se espalharam através dos ductos para o tecido mamário adjacente, e as chances de cura são maiores.

Quando o câncer é do tipo ductal invasivo, aí é o caso das intervenções com quimioterapia e radioterapia, além da mastectomia total ou parcial, bilateral ou unilateral, a depender do tipo de tumor. Existem tumores de mama chamados triplo – negativos, quando não se conhece o que alimenta o tumor. Muitos desses são de origem genética, quando se tem a mutação genética dos genes BRCA 1 e BRCA 2. Esse tipo de câncer é considerado mais agressivo, mas tem a menor incidência entre os tipos de câncer de mama, correspondendo a cerca de 5-10% do total de casos. E a chance da mulher desenvolver o câncer quando tem a mutação genética é de 80%.

Dos cânceres ductais invasivos os mais comuns são os chamados estrógenos positivos, ou receptor de estrógeno positivo. Aproximadamente 75% dos tumores de mama são RE positivo, e neste caso o tumor tem o seu crescimento alimentado pela presença de estrógeno. Ou seja. Uma autoalimentação um tanto perversa. Nesse tipo de câncer além das quimios e radios e cirurgias, as mulheres tem que tomar, como protocolo, um bloqueador hormonal, para que tenham uma taxa baixa ou nula de estrógeno. Não podem menstruar, sentem calores de menopausa constante, suam frio a todo tempo. Sempre penso no cuidado que temos que ter quando falamos em coisas como “menstruação sagrada” ou coisa que o valha como formas de definir a mulher. Além de ser transfóbico, claro, é limitador para mulheres que tomam bloqueadores hormonais como tratamento que muitas vezes garante a sua vida.

Outro tipo de câncer invasivo é o chamado HER 2, que é alimentado por uma proteína e acomete cerca de 15% das mulheres com câncer de mama. Nesse caso, as mulheres tomam uma vacina para inibir a proteína que alimenta o tumor. Em todos os casos os cânceres podem matar. E a importância do diagnóstico precoce é fundamental. Para isso é preciso que exista cuidado. De nós com nós mesmas. De nós com outras mulheres. De nós como militantes para pressionar o sistema de saúde. De nós sempre para evitar a morte o sofrimento e a violência contra as mulheres. Em mulheres com menos de 40 anos a mamografia não é indicada como rotina, mas a ecografia pode funcionar bem para um diagnóstico precoce.


Saúde para todas

O Ministério da Saúde acabou de publicar um estudo que não recomenda a ampliação da mamografia como prevenção em mulheres com menos de 50 anos. Então, não é necessariamente a mamografia, mas sim o cuidado. O auto exame é fundamental, então, vamos nos tocar. Coloquem sempre os braços dobrados atrás da cabeça e toquem os seios. Bem tocados. Qualquer sinal, qualquer detalhe, investiguem. Quando se trata de câncer de mama, qualquer detalhe é destaque. E estamos falando sobre direito a nossos corpos. Direito de vida e de saúde e de integridade física.

E, claro, a rotina ginecológica anual tem que incluir o exame das mamas. Aí entramos numa seara mais complexa em que temos que cuidar das mulheres pobres e sem acesso a saúde. Sim, câncer de mama também é caso de desigualdade social. O SUS fornece todo o tratamento para o câncer de mama, mas nem sempre é fácil. Aí vamos brigar pela ampliação dos exames, pela diminuição das filas, e pelo acesso à saúde de todas nós. Principalmente onde o SUS falha: nos casos de câncer metastático de mama.

Não temos ainda no SUS a incorporação de tratamento adquado para o câncer metastático de mama.. O que é isso? É quando o câncer se espalha. Quando ele se origina nas mamas mas, pelo diagnóstico tardio ou pela falta de assistência adequada ele se espalha. Ou já se descobre assim, ou a mulher acaba tendo o que se chama de recidiva e anos depois do primeiro tumor e do tratamento nas mamas acometidas, ele aparece em outros lugares. Os lugares mais comuns de metástase são: pulmão, fígado, ossos, pescoço e cabeça. Aí as estatísticas são mais cruéis e a mortalidade ainda maior. E o SUS vem negligenciando essas mulheres. Tem uma campanha importante que precisamos divulgar que se chama: Por mais tempo. Nela estamos brigando para que o SUS cuide de todas as mulheres com metástase de mama. Que todas nós tenhamos mais tempo de vida e todos os cuidados que precisamos para nossa saúde e bem estar.


Quando o câncer de mama entrou em minha história

E então, vou contar a história de Fernanda Miranda, minha companheira, que teve câncer de mama a primeira vez aos 33 anos, em 2013. Nanda foi vítima de negligência médica, pois quando chegou com um nódulo no seio direito, pequeno ainda, disseram que não era nada. Sim, mulheres jovens também têm câncer de mama. E tem muito. Meses depois quando ela retornou no médico porque o tumor crescia sem parar, veio o diagnóstico de um câncer já bem avançado. Foi então que ela fez quimioterapia, radioterapia, mastectomia bilateral e,depois de toda essa travessia, em 2015 descobriu metástase nos pulmões.

Foi então que demos as mãos juntas nessa jornada. Com ela aprendo todos os dias um novo olhar sobre as mulheres e sobre mim mesma. Um novo olhar sobre a beleza. A reinvenção de nós mesmas, sem cabelos ou cílios ou seios firmes e sem cicatrizes. Tudo isso faz parte de quem somos e olhar para ela, com tamanha coragem e brilho nos olhos diante da vida, me faz mais humana e mais viva dentro de tudo que podemos ser e respirar no momento presente. Foi com ela que percebi o tamanho do estigma e do preconceito que sofrem as mulheres com câncer de mama. A vergonha incabível e tão presente no corpo dessas mulheres. A discriminação e o medo de serem quem são num mundo onde o padrão encarcera a beleza das mulheres em cabelos e curvas perfeitas de photoshop.

E foi com ela também que aprendi a admirar tanto as mulheres que passam pelo câncer de mama. A admirar a força dessas mulheres que, apesar de vítimas de um sistema intenso de negligência e preconceito, estão vivendo suas vidas e lutando, diariamente, para sobreviverem com dignidade. Aprendi que câncer não é sinônimo de pena nem de resignação. Câncer é uma doença que não resume mulher nenhuma a nada. Somos todas muito mais que um câncer. E a vida de uma mulher com câncer de mama não precisa parar. A gente se ama e faz sexo e sai e viaja e se diverte. A gente se explora e se afirma no mundo como somos: lésbicas, feministas e com muita vontade de vida pela frente. E cada dia mais preocupadas e lutando para que todas as mulheres possam ter acesso a uma vida digna com câncer, principalmente as que não podem pagar por melhores tratamentos e condições de vida e saúde.

Quando forem falar sobre câncer de mama, procurem uma mulher que teve câncer de mama. Ou tem. Não, você não imagina o que é. Não, não é objetificando, nem supondo e nem vitimizando mulheres que se faz uma luta em prol da vida das mulheres com câncer de mama e da prevenção ao câncer em todas nós. É ouvindo. Construindo. Dando voz a essas mulheres guerreiras que estão vivas e valentes na luta contra o câncer. É conscientizando e empoderando as mulheres para lutarem por seus corpos, sua saúde e suas vidas. Essas mulheres que podem ser qualquer uma de nós, a qualquer tempo.

Nos fotografamos. Ela nua em si mesma. Corajosa. Com medo diante da imensidão do mar. As ondas, sempre impermanentes. Nós duas em nossos mergulhos de existir. Câncer não é sinônimo de morte. Nem de vergonha, nem de viver escondido. Câncer é uma doença que te faz diferente, em transformação e reverência. Pulsando, temendo, chorando, vibrando, desafiando, saboreando cada gota salgada da travessia. Porque ali para aquele horizonte desconhecido, vamos todas nós.

Fonte: Blogueiras feministas

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