Investigações do Ministério
Público Federal iniciadas em 2013 revelaram que crianças e mulheres indígenas
foram vítimas de casos de abuso sexual. “Comunidade não irá aceitar crimes”,
diz liderança.
Investigações do Ministério
Público Federal iniciadas em abril de 2013 revelaram que crianças, adolescentes
e mulheres indígenas das aldeias Guarani do Jaraguá, na zona oeste de São
Paulo, foram vítimas de uma série de casos de abuso sexual e estupro, agravados
pelo elevado consumo de drogas e álcool nas aldeias. A partir da constatação, o
MPF entrou na quinta-feira (15) com uma ação civil exigindo que a Polícia
Militar faça um patrulhamento mais ostensivo da área e crie uma ferramenta para
que as vítimas possam denunciar os crimes de forma rápida, segura e sigilosa.
A investigação começou a partir
de um ofício encaminhado pelo Conselho Tutelar Pirituba/Jaraguá denunciando que
uma adolescente indígena teria sido estuprada e temia voltar à aldeia e sofrer
represálias e ameaças. Segundo o ofício, que trazia documentos elaborados pelo
próprio Conselho Tutelar e boletins de ocorrência, aquele não seria um caso
isolado, mas atingiria outras mulheres e crianças: há registro de pelo menos um
estupro de uma criança indígena de 7 anos, o aliciamento de outra de 11 anos e
ainda os crimes de ameaça e injúria contra uma adolescente de 18 anos.
A partir das denúncias, o
Ministério Público Federal solicitou que a Fundação Nacional do Índio (Funai)
realizasse um laudo antropológico sobre os casos. Segundo o documento, “há a
constatação de que o número de abusos de menores e de mulheres vem aumentando
de forma assustadora e que é preciso alguma atitude dos órgãos responsáveis”.
“(As agentes de saúde) mencionaram o caso da menina A (de 16 anos), cujo pai
adotivo é alcoólatra e ‘utilizava a filha’ para alcançar trocas financeiras”,
denuncia o laudo.
“A comunidade não aceita isso de
forma alguma. Isso não faz parte da cultura Guarani. São problemas de violência
urbana que enfrentamos por estar no meio da cidade, sem condições de viver de
acordo com as tradições Guarani, pela falta de espaço. Queremos levar isso à
Justiça dos brancos e punir os responsáveis”, diz Davi Martins, uma das
lideranças indígenas.
O Ministério Público ressaltou
que a situação é agravada pela impunidade, uma vez que a Polícia Militar não
realiza policiamento ostensivo nas aldeias. Para o procurador da República
Matheus Baraldi Magnani, autor da ação, o patrulhamento da PM é inadiável para
coibir e punir tais crimes de forma eficaz. “O argumento rasteiro e equivocado
de que a PM não poderia entrar nas aldeias por se tratar de bens da União é
verdadeiramente absurdo. Se assim fosse, a Polícia Militar do Rio de Janeiro,
por exemplo, não poderia coibir arrastões nas praias cariocas, que também são
bens da União”, explica o procurador.
Questionada pela RBA, a
Secretaria de Segurança Pública do governo paulista limitou-se a dizer que “não
comenta assuntos que são temas de ações judiciais”. “Conforme resta claro, é
atribuição constitucional da Polícia Militar do Estado de São Paulo o
policiamento ostensivo e emergencial das aldeias indígenas dos municípios
paulistas, garantindo aos indígenas o direito constitucional a segurança”, diz
a ação. A Funai, também procurada, não respondeu às solicitações até o
fechamento da reportagem.
Atualmente, os guaranis do
Jaraguá aglomeram-se em dois terrenos: um de 1,7 hectare (equivalente a dois
campos oficiais de futebol), já homologado pela União como terra indígena,
chamada Teko Utu. A outra área, em frente à primeira, tem 2,6 hectares e ainda
em processo de regularização – ela é chamada pelos moradores de Teko Pyau.
Em maio, o ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, assinou uma portaria que declara outra área próxima
ocupada por índios (Teko Itakup, de 72 hectares) como Terra Indígena Jaraguá.
Há anos os índios esperavam a assinatura do Ministério que só chegou após uma
série de ameaças de reintegração de posse. A portaria ainda precisa da
assinatura da presidenta da República, Dilma Rousseff, para ser homologada.
“A falta de demarcação é muito
grave. Não temos espaço para reproduzir nossa cultura guarani e viver de acordo
com ela. Estamos no meio da cidade, sem proteção, à mercê de toda violência
urbana. Com a garantia das nossas terras poderemos ter educação indígena de
qualidade, saneamento básico e menos mortes por doenças. Isso já assegura mais
qualidade de vida e reduz a criminalidade”, defende Martins.
Denúncias
Os indígenas que sofriam abusos
tinham como canal de denúncia improvisado duas funcionárias de uma Unidade
Básica de Saúde instalada no Jaraguá. As agentes de saúde, porém, foram
afastadas e desde então não há mecanismo eficiente de denúncia de crimes sexuais
na região. A apuração dos delitos é ainda mais difícil quando o criminoso é um
membro da comunidade, uma das possibilidades apontadas pela investigação.
Para os índios, a situação é mais
complicada, pois muitas das mulheres e crianças não falam português. “Uma
vítima tão fragilizada terá enormes dificuldades para se deslocar pela malha
rodoviária de uma das maiores cidades do mundo e comunicar, em outra língua,
que não a sua materna, a ocorrência de crimes tão constrangedores e
silenciadores quanto os sexuais. Estão aí todos os elementos necessários para
conduzir à impunidade os autores desses delitos”, ressaltou Baraldi.
O MPF pede que a Justiça Federal
conceda uma liminar obrigando o governo estadual a criar, com urgência, uma
ferramenta de denúncia e iniciar imediatamente o policiamento na área, sob pena
de multa diária de R$ 5 mil em caso de descumprimento. O procurador requer
ainda que o não cumprimento da sentença resulte em multa de R$ 1 milhão para a
Funai e para o governo de Geraldo Alckmin.
Fonte: Rede Brasil Atual
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