Afronta é uma das minhas palavras
preferidas, talvez porque entre seus muitos significados esteja “enfrentar” e
eu acho que é a principal definição do que é ser mulher negra na sociedade do
racismo e da misógina, assim como ser feminista e negra não é nada mais que um
afrontamento, e isso até mesmo dentro do próprio feminismo.
Por Stephanie Ribeiro,
Estamos enfrentando tudo e todos, todo dia e
sem descanso, e é por isso que estamos tão cansadas.
Quando eu tive que pensar sobre
uma palavra tinha certeza que era essa que me representava, fiz então uma
retrospectiva do porque um dia eu me posicionei como feminista negra essa que
foi a mudança mais significativa na minha história até agora.
Percebi que ao longo da minha
vida eu sempre quis ser “normal” mesmo quando eu não me colocava como uma
mulher negra, eu sabia que eu não era igual as outras meninas, e isso não era
culpa minha, as pessoas me tratavam diferente e na minha cabeça crescia a ideia
que normal era igual a ser branca. Mesmo na infância eu me recordo de querer
ser “normal”, de chegar em casa e tomar banho me esfregando forte para ver se
eu ficava mais clara, de por a toalha na cabeça e fingir que meus cabelos eram
longos e lisos, na adolescência eu queria usar maquiagem mais clara e não
gostava de tirar fotos pois me achava feia.
Eu me sentia feliz quando me
chamavam de morena e tinha pavor quando me chamavam de NEGRA.
Acredito que quando eu me
emponderei, foi quando comecei a ler e ver outras pessoas como eu, que tinha
histórias parecidas com a minha, e assim consegui me entender. Foi quando me
coloquei como feminista e negra que me senti pertencendo a algo, e essa
sensação me seduziu de forma avassaladora.
Então seguindo um rumo natural,
comecei a escrever, um dos meus primeiros textos fiz no auge de uma crise,
consequência da situação que eu enfrento na faculdade: o isolamento acadêmico,
o racismo institucional e agressões verbais.
Era uma fase que eu só queria
morrer.
Não acho que seja realmente um
problema falar isso, acho que é real esse sentimento, você se vê presa numa
solidão e indagações que se sente tão estranha ao mundo que só quer dormir para
sempre. Muitas pessoas negras pensam em desistir – do que fazem, do que querem
e do que são. Eu pensei em tudo isso, ainda penso, só que agora bem menos.
Porque eu aprendi o real significado de afrontar, não preciso gritar, não
preciso comandar grandes revoluções, não preciso ser mártir.
Eu só preciso sobreviver, num
mundo que odeia mulheres e negros, duas coisas que eu sou.
Afrontar sobrevivendo é
complicado, é acordar todo dia sair da cama e acreditar que você vai vencer,
mesmo que tenha uma força enorme te puxando para a derrota. Não acho que eu
conseguiria estar agora bem, caso não tivesse tido o apoio de várias mulheres
negras, da minha mãe e o entendimento de que a única forma de poder assumir
minimamente o controle do que sou e o que sinto, era escrevendo.
Então eu escrevo quando meus
silêncios e vazios ficam grandes demais para mim, eu escrevo para subverter a
lógica do lugar que dizem que mulheres negras devem ocupar, eu escrevo para me
manter viva.
Escrevo pois sei que quando
mulheres negras falam por si, escrevendo suas histórias, estamos fazendo uma
revolução, essa sim, capaz de mudar o mundo.
E assim eu sigo, um dia de cada
vez, enfrentando tudo que for necessário para ser vista como eu sou: normal.
Fonte: Imprensa Feminista
Nenhum comentário:
Postar um comentário