segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Este discurso me ensinou o que é ser mulher no século XX


Penso que é preciso seguirmos em frente lutando pelos nossos direitos. Lutando para que possamos criar nossos filhos de maneira mais igualitária. Que possamos incentivar o menino sensível a se emocionar diante das belezas da vida e a menina ambiciosa a competir com respeito, mas a não desistir de seus audaciosos sonhos.


Domingo eu passei o dia lendo o necessário livro da Chimamanda Ngozi Adichie, Sejamos Todos Feministas, publicado pela Companhia das Letras. O livro é baseado em uma conferência da TEDxEuston dada pela autora e o vídeo encontra-se disponível na internet, tendo cerca de mais de um milhão de acessos.

As palavras de Chimamanda são inspiradoras e nos levam a uma reflexão profunda. Cada página, cada palavra, cada frase traz a verdade irremediável de que precisamos mudar essa perversa lógica social que enquadra o feminino em um lugar subalterno. Com exemplos que vão desde sua infância até os dias atuais, ela demonstra de forma pragmática e simples, o que é ser mulher no século XXI. Claro, é bem melhor do que era no século XIX, mas ainda não é tranquilo, porque ainda não é igual a ser homem. Em outras palavras, porque não somos vistas como sendo tão seres humanos quanto os homens o são.

De tudo o que o Sejamos Todos Feministas me trouxe, o que mais me tocou e mais me fez mergulhar em reflexões infinitas foi a questão dos sonhos individuais, aparentemente, determinados pela nossa sociedade em função do gênero. Explico: desde pequenas, nós meninas, somos incentivadas a sonhar com o casamento, com a formação de uma família, com o vestido branco - de modo que crescemos tendendo a acreditar que nossa existência deve ser sempre orientada pelo e para o outro, por isso temos uma necessidade compulsiva de agradar, de sermos queridas. Também nos ensinam que mulheres devem ser doces, cordatas e pacientes. Enquanto isso, os garotos são ensinados a satisfazerem seus desejos e sonhos, sejam eles quais forem e, para isso, são incentivados a serem firmes, focados, racionais, orientando suas vidas para a autossatisfação, tornando-se mais independentes daquilo que os outros pensam ou sentem em relação a eles.

Meninos e meninas aprendem a abafar em certa medida suas personalidades para tornarem-se aquilo que a sociedade espera deles. Um menino sensível vai aprendendo a duras penas que se quiser chorar deve se esconder e que o ideal mesmo é que ele não chore nunca. Ou seja, quando o assunto é sentimentos, o menino precisa se preocupar com o que os outros pensam - e se defender - afinal, a demonstração dos afetos é uma característica feminina. Por outro lado, uma menina ambiciosa e brava, vai sendo punida até que começa a entender que não deve competir, que deve ceder, pois caso contrário, não terá namorado - pior crime que uma mulher pode cometer. Em outras palavras, as meninas não devem buscar a satisfação pessoal e devem ceder o lugar de liderança aos homens.

A questão da criação se agrava nos dias de hoje, em que encontramos cada vez mais mulheres que ambicionam um lugar de destaque em suas carreiras e profissões. Mulheres que desejam protagonizar e não serem meras coadjuvantes de suas próprias vidas. Mas que, por toda a influência maligna do patriarcado, se culpam por isso. Mulheres como eu, que querem sim ter um parceiro para dividir os sonhos, mas que sentem que a vida não se resume a isso e que acham tão importante o amor quanto um diploma. Mulheres que postergam filhos e casamento em nome de sua liberdade, porque nisso está sua realização pessoal. Mulheres que têm poucas certezas além do fato de que querem ser foderosas naquilo que fazem, mas que sabem que para isso, terão de provar sua competência muito mais do que os homens. Terão que ser ainda mais esforçadas, ainda mais incríveis, ainda mais presentes. Terão de ser firmes e, em consequência disso, serão chamadas de mal amadas ou de mal comidas.

Aliás, para nós, mulheres, quase nunca é fácil mesmo. Afinal, se decidirmos ficar solteiras e livres, flanando por romances intensos e passageiros, somos tidas e havidas como putas. Se casamos e decidimos cuidar da família e não trabalhar fora, somos fracas, encostadas, interesseiras e preguiçosas. Se fazemos ambas as coisas - temos filhos e ralamos no mercado profissional - somos doidas, sem tempo para o marido - e, obviamente, estamos abrindo a concorrência.

Esta aí outra coisa interessante: o esforço que as mulheres devem fazer para agradar seus homens! Só digo uma coisa em relação a isso: ora, que preguiça! Ainda mais se, no final das contas, sabemos que o mundo dirá: "nossa, como a fulana é sortuda em ter aquele marido!". Juro, já ouvi isso uma centena de vezes sobre uma centena de casais, mas devo ter ouvido apenas duas ou três vezes na vida o inverso - "nossa, fulano deu sorte, a fulana é incrível!".


Olhando para tudo isso, não me sinto desanimada. Penso que é preciso seguirmos em frente lutando pelos nossos direitos. Lutando para que possamos criar nossos filhos de maneira mais igualitária. Que possamos incentivar o menino sensível a se emocionar diante das belezas da vida e a menina ambiciosa a competir com respeito, mas a não desistir de seus audaciosos sonhos. Que não precisemos nos culpar quando estivermos com 35 anos e não quisermos ter filhos, ou casar. Que não nos culpemos quando decidirmos parar de trabalhar para cuidar da casa e nem quando acharmos que é preciso voltar ao mercado de trabalho e deixar o nosso bebê em casa com uma babá ou na escolinha. Que a vida possa fluir para nós todos de maneira mais verdadeira, não determinada por aquilo que carregamos entre as pernas - esse trocinho aí é um mero detalhe. Afinal, o que realmente importa é que somos todos seres humanos - nascidos para brilhar e não para morrer de fome (existencial), como já disse Caetano.

Fonte: Brasil Post

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