Ao longo de sua aclamada carreira como teóloga, Elizabeth
Johnson devotou grande parte de suas publicações contemplando a relação de Deus
com os seres humanos.
A reportagem é de Jamie Manson, publicada no jornal National
Catholic Reporter, 13-02-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Reconhecida como um dos principais autores na área da
teologia feminista, Irmã Elizabeth apresentou – no texto inovador intitulado
“She Who Is: The Mystery of God in Feminist Theological Discourse” [publicado
pela Vozes sob o título “Aquela que É: O mistério de Deus no trabalho teológico
feminino”] – uma visão da teologia cristã e da experiência feminina.
O seu livro “Quest for the Living God” [A busca do Deus
Vivo] (2007) explorou os frutos resultantes das teologias desenvolvidas através
das perspectivas políticas, da libertação, hispânicas, negras feministas e
inter-religiosas, além de ter contemplado o entendimento cristão de Deus como
Trindade.
Mas em seu próximo livro – “Ask the Beasts: Darwin and the
God of Love” [Pergunte aos animais: Darwin e o Deus de Amor] –, a autora volta
o olhar para a relação de Deus com os não humanos do mundo.
“O que me ficou claro durante o processo de escrita é que
‘os animais’ têm sua própria relação com Deus, separada da que nós temos, como
criaturas divinas aos quais Deus também ama”, disse Elizabeth Johnson, irmã da
congregação de São José e destacada professora na Universidade de Fordham. “Não
se trata de falar sobre nós”, completou.
Como o próprio título do livro sugere, as sementes para este
novo projeto foram plantadas em 2009 durante o 150º aniversário da publicação
do livro “A origem das espécies”, de Charles Darwin. O reitor da Universidade
de Fordham convidou professores interessados a estudar o texto em grupo.
“Líamos dois capítulos por mês”, lembrou Johnson numa
palestra na universidade no início deste mês. “No todo, mantive uma lista de
questões teológicas que me vinham ocorrendo”. Ao final do seminário, “estava
prestes a dizer que havia algo esquecido pelos teólogos, e que precisaríamos
começar a pensar sobre o assunto”.
Embora durante anos Irmã Elizabeth vinha escrevendo pequenos
ensaios e palestras convidando outros teólogos a considerar o mundo natural em
suas reflexões, ler Darwin a fez perceber que precisava desenvolver a ideia de
modo mais completo.
Ela teve a inspiração para o propósito de seu livro – e seu
título – a partir de uma seção marcante do capítulo 12 do Livro de Jó:
"Pergunte aos animais, que eles instruirão você.
Pergunte às aves do céu, que elas o informação.
Pergunte aos répteis do chão, que eles lhe darão lições.
Os peixes do mar lhe contarão tudo isso.
Entre todos esses seres,
quem não sabe que foi a mão de Javé que fez tudo isso?"
“Na teologia, temos sido tão antropocêntricos, temos estado
tão focados em nós mesmos”, disse Irmã Elizabeth, “que na história da Igreja
grande parte de nossa atenção tem estado sobre a redenção e salvação. Não
passou pelas nossas cabeças perguntar aos animais para nos instruir. Então
decidi escrever este livro”.
No ano de 2010, a religiosa pediu uma licença de pesquisa
para o período letivo acadêmico de 2011-2012 com a finalidade de escrever o
novo livro. Ela não imaginava o quão seria produtivo este tempo de pesquisa.
Um “livro de palha”
preparado para ser destruído
Em março de 2011, Johnson foi motivo de manchetes quando a
comissão doutrinal da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA criticou
severamente o livro “Quest for the Living God” por não estar de acordo com a
doutrina católica oficial. O livro, disseram os bispos em um comunicado, “mina
completamente o Evangelho e a fé dos que creem nele”.
Em entrevista ao site National Catholic Reporter concedida
nesta semana a teóloga disse que ficou confusa, já que não sabia o que havia
dito de tão errado. Ela estava chateada porque, até aquele momento, não tinha
conhecimento de que o livro estava sendo debatido e avaliado pela comissão.
Quando esta comissão lhe fez o pedido para responder às
questões apresentadas, ela enviou um texto de 38 páginas debatendo cada uma
delas, isso em junho de 2011. Na ocasião, demonstrou também interesse em ter
uma reunião com os nove religiosos que assinaram a crítica.
Em outubro daquele ano a comissão reafirmou a condenação do
livro sem mesmo discutir o assunto com a autora. Ao informá-la da crítica que
estaria por vir, o cardeal Donald Wuerl, então presidente da comissão dos
bispos, ofereceu-se para uma reunião com Irmã Elizabeth.
Mas a teóloga não viu razão em ter este momento com o líder
religioso, uma vez que o fato já estava consumado. “Um verdadeiro diálogo”, diz
ela, “apenas poderia acontecer se eu me encontrasse com toda a comissão antes
da sua decisão para discutir as questões teológicas que eles levantarem”. Os
religiosos deixaram claro que não estavam interessados em assim proceder.
Irmã Elizabeth Johnson afirma que o segundo comunicado da
comissão mostrou que os religiosos não levaram em consideração sua longa
defesa. “Eles reciclaram as mesmas críticas como se eu não tivesse dito nada em
contrapartida”.
“Ao estudar suas declarações, percebi que pegaram minhas
palavras e as distorceram”, continuou. Em alguns casos, eles “afirmaram o
oposto do que eu de fato escrevi”.
Para superar a crise, Irmã Elizabeth teve a ajuda de dois
canonistas e de um pequeno grupo de teólogos que a assessoraram.
Depois que a comissão reafirmou sua condenação, os
canonistas aconselharam-na a aceitar a situação. “Eles me disseram: ‘trata-se
de uma questão política, não teológica’”, lembra a religiosa. “A comissão
considerou minha obra como um livro de palha para então destruí-lo”.
Quando o círculo de teólogos da autora concordou que a
declaração da comissão não tinha conteúdo substancial, ela decidiu responder
com um lamento.
“Sou responsável por aquilo que digo e por aquilo que
escrevo”, afirmou à época, “porém não estou disposta a me responsabilizar por
aquilo que meu livro ‘A busca do Deus Vivo’ não diz e por aquilo que eu não
penso”.
Um diálogo com os nove membros da comissão “poderia ter sido
tão interessante e benéfico para a Igreja”, escreveu a religiosa. Hoje, seu
desejo de se encontrar com a Comissão Doutrinal permanece, mesmo isso sendo
improvável de acontecer.
Elizabeth Johnson ainda se comove com a quantidade de emails
e cartas de apoio recebidos de várias partes do mundo. Embora venha lamentar
que não se tenha conseguido dar um fim ao incidente, o fato criou uma explosão
nas vendas do livro “A busca do Deus Vivo”. Ele também ajudou a impulsionar, de
uma forma mais profunda, uma agenda totalmente nova de pesquisa.
“Fiquei muito esgotada e me sentia desanimada a partir desta
experiência”, lembra Johnson. “Foi uma questão de parar e pensar em onde minhas
energias seriam empregadas”.
“A vocação do teólogo constitui um papel especial na Igreja,
e eu então decidi ir em frente com esta vocação”, continuou. “Publiquei meu
lamento, disse ‘amém’ e virei minha atenção a Deus e ao mundo.
Na medida em que a crise se acalmou no fim de 2011, havia
recentemente começado o período de licença para a pesquisa que resultaria o
livro “Ask the Beasts” [Pergunte aos animais]. Escrever um novo livro sobre
Deus a partir de um outro ângulo, lembra a autora, foi tanto um processo criativo
quanto de cura.
“Aos poucos, minha vida retornou ao normal, minha voz
voltou”.
Uma comunidade da
criação
Irmã Elizabeth disse ter abordado o seu novo projeto
considerando o Credo de Niceia e o livro “A origem das espécies” como seus
“parceiros”. Seu livro “Pergunte aos animais” conta a história da natureza
através dos olhos de Darwin, vendo-a em seu todo através do credo.
Os primeiros quatro capítulos oferecem uma leitura próxima
da obra de Darwin, e a Irmã Elizabeth tem esperanças de que esta parte do livro
inspirará as pessoas a ler “A origem das espécies” de forma que elas também
possam vivenciar o sentimento daquilo que ele estava descobrindo. “O próprio
Darwin não estava acreditando [no que estava descobrindo]”, diz.
“Darwin viu uma inter-relação profunda entre os organismos
em todas os locais, na unidade de toda a vida através do tempo e do espaço”,
observa a teóloga. “Trata-se de uma revelação”.
O credo, explica, é realmente uma narrativa da relação
evolutiva de Deus com o mundo. “Deus faz o universo, vem ao mundo, desce para a
morte, levanta-se novamente. E, com o espírito, Deus continua a dar vida à criação
e a prepara para a vinda da vida ao mundo”.
Ler este credo em diálogo com Darwin aprofundou sua
apreciação da ideia de que Deus criou um mundo evolutivo. “Deus, o criador, fez
o mundo com o poder de criar a si mesmo”, afirma.
Ela encontrou mais apoio para suas ideias ao longo da
Bíblia. “Há belos temas sobre a natureza nas Escrituras”, falou. Infelizmente,
uma interpretação limitada do Gênesis 1:28, onde Deus declara que os seres
humanos devem ter o domínio sobre todas as criaturas da terra, distorce nosso
entendimento da relação de Deus com a criação.
“Durante o iluminismo e a Revolução Industrial, pegamos a
noção de domínio e a transformamos em dominação”, observa a Irmã. A maior parte
das escrituras hebraicas e cristãs, em particular o Livro de Jó, sugere o
paradigma de uma “comunidade da criação, não comunidade da dominação humana”.
Nosso reduzido entendimento da presença de Deus na criação
pode, de fato, ser traçada até a Idade Média, diz Irmã Elizabeth. É na Idade
Média que os teólogos fizeram uma rigorosa distinção entre o natural e o
sobrenatural. Embora o objetivo deles era proteger a compreensão cristã do dom
gratuito da Graça, como uma consequência indireta, começamos ver a obra de Deus
apenas no aspecto sobrenatural enquanto que o mundo natural se tornou
simplesmente um pano de fundo.
“Esquecemos que a criação também era obra de Deus e que Deus
está presente nela”, falou a teóloga. “Começamos a acreditar que o que é
natural não é ‘de Deus’ tal como é o sobrenatural’.
“Tirando fora galhos
da árvore da vida”
Infelizmente, a grande obra de Deus na criação agora
encontra-se radicalmente desafiada pela ganância humana, pela superpopulação,
pela poluição e pelo consumo excessivo.
Neste momento, Irmã Elizabeth lamenta-se não com a
hierarquia [da Igreja], mas com o mundo e suas criaturas.
“Se prestarmos atenção à realidade de outras espécies, a
imagem é bastante triste”, afirma a entrevistada. Uma estimativa conservadora
sugere que, desde 1980, 10% de todas as espécies foram extintas e que, atualmente,
350 espécies entram em extinção a cada dia.
“A história não irá se repetir”, continua a irmã. “Como dito
por Jonathan Schell há algumas décadas: ‘Quando matamos alguém, assassinamos
sua vida. Quanto fizemos uma espécie entrar em extinção, matamos o seu
nascimento”.
Perguntada se espera qualquer reação por parte da hierarquia
da Igreja a respeito de seu último livro, Johnson destacou que, em sua missa
inaugural no mês de março de 2013, o Papa Francisco fez quase 10 referências em
proteção à terra, interligando este tema com o cuidado com os pobres.
É uma ideia também presente no livro “Pergunte aos animais”.
“A devastação ecológica afeta as pessoas pobres mais do que as ricas, ao menos
neste ponto”, afirma.
Johnson igualmente observa que as exortações da Igreja sobre
justiça ambiental não são novidades para o papa. “Por anos têm havido belos,
magníficos ensinos vindo de papas e bispos, porém eles não acenderam o fogo no
coração das pessoas dentro da Igreja Católica como aconteceu com a justiça
social e com a opção pelos pobres”.
Se esta opinião fosse para ser captada, ela seria usada na
liturgia, nas artes, nas homilias e na catequese. “Precisamos mostrar que isso
não é apenas algo que estamos acrescentando à nossa fé, mas que está
relacionado com o que seremos enquanto Igreja”, insiste a teóloga. “Precisamos
nos converter à terra”.
“Cuidar da terra é proteger todas as formas de vida. Agora
precisamos fazer disso uma parte intrínseca de nosso amor a Deus”.
Fonte: Ihu
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