sexta-feira, 7 de março de 2014

Por que Deus é masculino? Entrevista com Rita Torti


Necessário, mas indigesto. Falar de "gênero" em casa católica, na Itália, significa, antes de tudo, vencer a resistência daqueles que associam à palavra um pensamento único e não capta a riqueza de uma abordagem interdisciplinar, que pode ajudar a "pensar" em relações mais justas e recíprocas entre homens e mulheres.

Com Rita Torti, que dedicou estudos e pesquisas ao assunto (seu último trabalho, pela editora Effatà, é Mamma, perché Dio è maschio? Educazione e differenza di genere [Mamãe, por que Deus é masculino? Educação e diferença de gênero]), buscamos entender por que a perspectiva de "gênero" também é determinante na formação das novas gerações.
"O termo 'gênero', a partir dos anos 1970 do século XX, indica o complexo de significados que cada sociedade, de vez em quando, atribui ao dado fisiológico da dualidade dos sexos. É uma distinção fundamental, porque, na nossa história, as discriminações contra as mulheres sempre se basearam na afirmação da superioridade natural do sexo masculino. No momento em que se mostrou que essa superioridade era uma interpretação do dado biológico, e não uma consequência dele, tirou-se legitimidade de toda a estrutura acima dela, e se fez uma pergunta de fundo: por que os homens criaram um sistema que, para se sustentar, precisa ver no masculino o modelo único do humano e, nas mulheres, o 'outro', o imperfeito, o parcial? Em nível epistemológico, portanto, tornou-se necessário reformular os critérios usados pelas várias disciplinas para descrever o mundo: embora tendo sido sempre apresentados como objetivos e universais, eles, na realidade, se sustentavam (e muitas vezes ainda se sustentam) sobre uma perspectiva apenas masculina".
Eis a entrevista.
É difícil negar a situação problemática em que nos encontramos do ponto de vista masculino-feminino e as suas repercussões tanto sobre a vida individual quanto coletiva: examinemos com alguns exemplos essas repercussões nos diversos âmbitos.
Pensemos, por exemplo, no desequilíbrio entre mulheres e homens no encargo familiar, na diferença de gênero no mundo do trabalho, na violência masculina contra as mulheres, que se aninha, dentre outras coisas, em um número dramático de relações familiares ou mesmo de intimidade: teoricamente, não mais justificáveis, esses fenômenos são muito difusos e encontram um ótimo terreno fértil, por exemplo, nos modelos de homem e de mulher divulgados pela TV, assim como nos brinquedos e nos produtos para meninos e meninas.
Por outro lado, os lugares em que se poderia criar alternativas nem sempre estão à altura da tarefa: basta pensar nos currículos escolares, em que a mensagem transmitida a meninos e meninas é que o que há de importante e digno de memória no mundo é obra de homens: as mulheres ou não existem, ou não são importantes, ou estão em função dos homens. Como qualquer outra sociedade, nós estamos construindo um "dever ser" masculino e feminino que nos condiciona. Não podíamos imaginar algo melhor? Por que não o fazemos?
Não há como separar a experiência e a transmissão da fé dos modos em que se vivem a feminilidade e a masculinidade no complexo da existência pessoal e social. Nesse sentido, qual conselho pode ser dado aos educadores: pais, mestres, professores, catequistas?
Se a nossa ideia de Deus, as interpretações das Escrituras e as dinâmicas intraeclesiais são condicionadas pelo tipo de mulheres e de homens que concretamente somos e pelas relações entre os sexos que daí seguem, é importante refletir acima de tudo sobre si mesmo, ouvir e interrogar a própria história de homens ou de mulheres como tais – não genericamente como "pessoas" – tentando ver como ela orientou e orienta (e talvez também limita) a experiência de fé. É um percurso libertador, embora nada fácil. Pode ser um estímulo para lidar com aqueles que já o experimentaram, e para aprender a tratar com consciência e cautela os conceitos e os gestos com que dizemos a fé às gerações mais jovens: caso contrário, como muitas vezes aconteceu e acontece, eles dirão algo muito diferente com relação à plena dignidade, igualdade e subjetividade para ambos os sexos.
Que estereótipos emergem dos livros didáticos de ensino religioso?
Nos livros de religião que eu analisei em Mamma, perché Dio è maschio?, o problema não é constituído por estereótipos evidentes. Ao contrário, em alguns casos, meninos e homens são mostrados em atitudes não convencionais em relação ao modelo do "macho". Mas, seja nas seções de caráter antropológico, seja nas diretamente referidas à Escritura, há uma remoção constante das figuras femininas: as coisas importantes da vida humana e da história da salvação, portanto, parecem ser coisas de homens, em que as mulheres ou não estão, ou, se estão, poderiam não estar, e a história não mudaria. Assim, o estereótipo que emerge é o de fundo, muito antigo, segundo o qual o masculino é universal, e o feminino, parcial e acessório.
Pode nos dar exemplos de alguns dos modos em que na vida da Igreja Católica vão se construindo modelos e práxis de feminilidade e masculinidade?
Na vida eclesial, assim como na social, a masculinidade e a feminilidade são moldadas sobre uma pluralidade de níveis e em direções não unívocas. Portanto, podem ser identificadas tendências dominantes, mas lembrando justamente que o panorama é complexo, e os resultados nunca são óbvios. Menciono apenas alguns elementos.
A estrutura eclesial em si mesma, com a discriminante do sexo na base dos ministros ordenados e nos instituídos, orienta de modo diferente homens e mulheres desde a infância. A representação masculina de Deus pressupõe e produz em mulheres e homens de todas as idades diferentes e assimétricas projeções, relações com o divino e percepções do papel da outra/outro. Em muitos documentos do magistério e também em textos elaborados por órgãos eclesiais de relevância nacional, assim como na maior parte dos congressos de interesse pastoral e teológico, a voz e a perspectiva ainda são predominantemente masculinas: nota-se isso na linguagem e no tipo de análises e de propostas.
De um lado, isso força muitas mulheres à alternativa entre sentir-se excluídas (e talvez ir embora) ou se adequar a uma experiência e a uma elaboração da fé e do mundo que elas não sentem como correspondentes a si mesmas. De outro, não ajuda o crescimento de homens conscientes da sua própria parcialidade, porque dá por óbvio que o olhar masculino é medida objetiva e universal. Essa abordagem também é muito evidente quando se reflete explicitamente sobre a dualidade do humano: nesses casos, acontece aquilo que os especialistas de men's studies chamam de invisibilidade do sujeito masculino: os homens descrevem e definem o mundo, mas não põe em questão a si mesmos e a sua história masculina.
No caso da teologia e da pastoral, de fato, quem são observadas, definidas, exortadas e muitas vezes referidas são sempre as mulheres, embora esteja ausente um discurso sobre a masculinidade: assim como são totalmente ausentes as reflexões sobre a cultura machista e a violência dos homens contra as mulheres.
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Masculino e feminino
Ser homem ou ser mulher faz muita diferença. Não só porque têm corpos diferentes, mas, principalmente, porque são diferentes os significados e os papéis que lhes são atribuídos: vê-se isso na cultura, nos brinquedos, na organização familiar, nas estruturas sociais, nos currículos escolares e no programas de televisão.
Isso condiciona meninos e meninas, mas também aqueles que lidam com eles: pais, professores, educadores. Rita Torti, com Mamma, perché Dio è maschio? Educazione e differenza di genere (Ed. Effatà 2013, 224 páginas), reúne as vozes da escola primária e as reflexões de professoras, mães e pais, e tenta entender quais são hoje essas mensagens, de onde vêm e para onde estão indo. E também como a educação religiosa e a transmissão da fé têm um papel ativo na construção do masculino e do feminino.

Fonte: Ihu

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