Necessário, mas indigesto. Falar de "gênero" em
casa católica, na Itália, significa, antes de tudo, vencer a resistência
daqueles que associam à palavra um pensamento único e não capta a riqueza de
uma abordagem interdisciplinar, que pode ajudar a "pensar" em
relações mais justas e recíprocas entre homens e mulheres.
Com Rita Torti, que dedicou estudos e pesquisas ao assunto
(seu último trabalho, pela editora Effatà, é Mamma, perché Dio è maschio?
Educazione e differenza di genere [Mamãe, por que Deus é masculino? Educação e
diferença de gênero]), buscamos entender por que a perspectiva de
"gênero" também é determinante na formação das novas gerações.
"O termo 'gênero', a partir dos anos 1970 do século XX,
indica o complexo de significados que cada sociedade, de vez em quando, atribui
ao dado fisiológico da dualidade dos sexos. É uma distinção fundamental,
porque, na nossa história, as discriminações contra as mulheres sempre se
basearam na afirmação da superioridade natural do sexo masculino. No momento em
que se mostrou que essa superioridade era uma interpretação do dado biológico,
e não uma consequência dele, tirou-se legitimidade de toda a estrutura acima
dela, e se fez uma pergunta de fundo: por que os homens criaram um sistema que,
para se sustentar, precisa ver no masculino o modelo único do humano e, nas
mulheres, o 'outro', o imperfeito, o parcial? Em nível epistemológico,
portanto, tornou-se necessário reformular os critérios usados pelas várias
disciplinas para descrever o mundo: embora tendo sido sempre apresentados como
objetivos e universais, eles, na realidade, se sustentavam (e muitas vezes
ainda se sustentam) sobre uma perspectiva apenas masculina".
Eis a entrevista.
É difícil negar a situação problemática em que nos
encontramos do ponto de vista masculino-feminino e as suas repercussões tanto
sobre a vida individual quanto coletiva: examinemos com alguns exemplos essas
repercussões nos diversos âmbitos.
Pensemos, por exemplo, no desequilíbrio entre mulheres e
homens no encargo familiar, na diferença de gênero no mundo do trabalho, na
violência masculina contra as mulheres, que se aninha, dentre outras coisas, em
um número dramático de relações familiares ou mesmo de intimidade:
teoricamente, não mais justificáveis, esses fenômenos são muito difusos e
encontram um ótimo terreno fértil, por exemplo, nos modelos de homem e de
mulher divulgados pela TV, assim como nos brinquedos e nos produtos para
meninos e meninas.
Por outro lado, os lugares em que se poderia criar
alternativas nem sempre estão à altura da tarefa: basta pensar nos currículos
escolares, em que a mensagem transmitida a meninos e meninas é que o que há de
importante e digno de memória no mundo é obra de homens: as mulheres ou não
existem, ou não são importantes, ou estão em função dos homens. Como qualquer
outra sociedade, nós estamos construindo um "dever ser" masculino e
feminino que nos condiciona. Não podíamos imaginar algo melhor? Por que não o
fazemos?
Não há como separar a
experiência e a transmissão da fé dos modos em que se vivem a feminilidade e a
masculinidade no complexo da existência pessoal e social. Nesse sentido, qual
conselho pode ser dado aos educadores: pais, mestres, professores, catequistas?
Se a nossa ideia de Deus, as interpretações das Escrituras e
as dinâmicas intraeclesiais são condicionadas pelo tipo de mulheres e de homens
que concretamente somos e pelas relações entre os sexos que daí seguem, é importante
refletir acima de tudo sobre si mesmo, ouvir e interrogar a própria história de
homens ou de mulheres como tais – não genericamente como "pessoas" –
tentando ver como ela orientou e orienta (e talvez também limita) a experiência
de fé. É um percurso libertador, embora nada fácil. Pode ser um estímulo para
lidar com aqueles que já o experimentaram, e para aprender a tratar com
consciência e cautela os conceitos e os gestos com que dizemos a fé às gerações
mais jovens: caso contrário, como muitas vezes aconteceu e acontece, eles dirão
algo muito diferente com relação à plena dignidade, igualdade e subjetividade
para ambos os sexos.
Que estereótipos
emergem dos livros didáticos de ensino religioso?
Nos livros de religião que eu analisei em Mamma, perché Dio
è maschio?, o problema não é constituído por estereótipos evidentes. Ao
contrário, em alguns casos, meninos e homens são mostrados em atitudes não
convencionais em relação ao modelo do "macho". Mas, seja nas seções
de caráter antropológico, seja nas diretamente referidas à Escritura, há uma
remoção constante das figuras femininas: as coisas importantes da vida humana e
da história da salvação, portanto, parecem ser coisas de homens, em que as
mulheres ou não estão, ou, se estão, poderiam não estar, e a história não
mudaria. Assim, o estereótipo que emerge é o de fundo, muito antigo, segundo o
qual o masculino é universal, e o feminino, parcial e acessório.
Pode nos dar exemplos
de alguns dos modos em que na vida da Igreja Católica vão se construindo modelos
e práxis de feminilidade e masculinidade?
Na vida eclesial, assim como na social, a masculinidade e a
feminilidade são moldadas sobre uma pluralidade de níveis e em direções não
unívocas. Portanto, podem ser identificadas tendências dominantes, mas
lembrando justamente que o panorama é complexo, e os resultados nunca são
óbvios. Menciono apenas alguns elementos.
A estrutura eclesial em si mesma, com a discriminante do
sexo na base dos ministros ordenados e nos instituídos, orienta de modo
diferente homens e mulheres desde a infância. A representação masculina de Deus
pressupõe e produz em mulheres e homens de todas as idades diferentes e
assimétricas projeções, relações com o divino e percepções do papel da
outra/outro. Em muitos documentos do magistério e também em textos elaborados
por órgãos eclesiais de relevância nacional, assim como na maior parte dos
congressos de interesse pastoral e teológico, a voz e a perspectiva ainda são
predominantemente masculinas: nota-se isso na linguagem e no tipo de análises e
de propostas.
De um lado, isso força muitas mulheres à alternativa entre
sentir-se excluídas (e talvez ir embora) ou se adequar a uma experiência e a
uma elaboração da fé e do mundo que elas não sentem como correspondentes a si
mesmas. De outro, não ajuda o crescimento de homens conscientes da sua própria
parcialidade, porque dá por óbvio que o olhar masculino é medida objetiva e
universal. Essa abordagem também é muito evidente quando se reflete
explicitamente sobre a dualidade do humano: nesses casos, acontece aquilo que
os especialistas de men's studies chamam de invisibilidade do sujeito
masculino: os homens descrevem e definem o mundo, mas não põe em questão a si
mesmos e a sua história masculina.
No caso da teologia e da pastoral, de fato, quem são
observadas, definidas, exortadas e muitas vezes referidas são sempre as
mulheres, embora esteja ausente um discurso sobre a masculinidade: assim como
são totalmente ausentes as reflexões sobre a cultura machista e a violência dos
homens contra as mulheres.
* * *
Masculino e feminino
Ser homem ou ser mulher faz muita diferença. Não só porque
têm corpos diferentes, mas, principalmente, porque são diferentes os
significados e os papéis que lhes são atribuídos: vê-se isso na cultura, nos
brinquedos, na organização familiar, nas estruturas sociais, nos currículos
escolares e no programas de televisão.
Isso condiciona meninos e meninas, mas também aqueles que
lidam com eles: pais, professores, educadores. Rita Torti, com Mamma, perché
Dio è maschio? Educazione e differenza di genere (Ed. Effatà 2013, 224
páginas), reúne as vozes da escola primária e as reflexões de professoras, mães
e pais, e tenta entender quais são hoje essas mensagens, de onde vêm e para
onde estão indo. E também como a educação religiosa e a transmissão da fé têm
um papel ativo na construção do masculino e do feminino.
Fonte: Ihu
Nenhum comentário:
Postar um comentário