O Vaticano, através do Pontifício Conselho para a Pastoral
dos Migrantes e Itinerantes, e em colaboração com o Pontifício Conselho Cor
Unum, acaba de publicar um documento sobre os refugiados.
Pe. Alfredo J.
Gonçalves
A publicação tem como
título Acolher Cristo nos refugiados e nas pessoas deslocadas à força –
Diretrizes Pastorais. Como sugere o título escolhido, além de centrar-se na
problemática dos refugiados, o texto abre o leque de sua preocupação pastoral a
todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, são vítimas de deslocamentos
forçados. Logo na introdução, afirma que "o fenômeno da mobilidade humana
implica, hoje, muitas vezes, um sofrimento devido ao desenraizamento inevitável
do próprio país” (nº 1).
Constata-se, assim, que o tema dos refugiados insere-se no
contexto mais amplo, intenso e diversificado das migrações, um fenômeno que
comporta uma "realidade estrutural da sociedade contemporânea”, como lá
nos lembrava a Erga migrantes Caritas Christi, documento elaborado pelo mesmo
Pontifício Conselho em 2004. Esta publicação, há menos de uma década, estimava
em 200 milhões o número de pessoas envolvidas na mobilidade humana, reiterando
que esta "constitui um problema sempre mais complexo do ponto de vista
social, político, religioso, econômico e pastoral” (Introdução)
Refugiados e a
solidariedade de todos
Na primeira parte, dedicada à "missão da Igreja a favor
das pessoas deslocadas à força”, o documento, após sublinhar as fontes
evangélicas de toda a solicitude da Igreja, apresenta "alguns princípios
fundamentais nesta pastoral”. Na tradição ligada à Doutrina Social da Igreja
(DSI), coloca-se, em primeiro lugar, a dignidade humana e cristã de toda
pessoa, justamente o fio condutor de toda a DSI. Evidente que o deslocamento
forçado constitui um golpe e um desrespeito à pessoas como filhos e filhas de
Deus.
Vem, em seguida, o empenho da Igreja para reunificar as
famílias "separadas por causa da fuga de um ou mais de seus mebros, devido
à perseguição” (nº 27). Também neste caso, seguindo as linhas mestras da DSI,
enfatiza-se a necessidade de uma família. Se é verdade que esta tem o direito
sagrado de "ir e vir”, quando o faz de maneira violenta, porém, corre o
risco de desestruturar-se, perdendo-se como referência para cada um de seus
membros, os quais, à custa de tantos esforços, tentam refazê-la.
"A solidariedade é o sentimento de pertença comum” (nº
28), afirma o texto quando traz como terceiro princípio a caridade, a
solidariedade e a assistência. De fato, lê-se no mesmo parágrafo que "a
abertura às necessidades do próximo inclui a nossa relação com o estrangeiro,
que pode ser justamente considerado como ‘mensageiro de Deus que surpreende e
rompe a regularidade e a lógica da vida cotidiana, trazendo para perto quem
está longe’” (EMCC 101).
Mas não basta a solidariedade dos cristãos, é preciso juntar
outras forças vivas da sociedade. Faz-se necessária "uma chamada à
cooperação internacional”, como insiste o documento: "todos têm a
responsabilidade de responder pessoalmente à exigência de globalizar o amor e
a solidariedade, e de ser atores principais neste sentido” (nº 31). Numa
economia globalizada, globaliza-se igualmente a responsabilidade pelos dramas
de milhões de seres humanos sem raiz e sem pátria, na busca de suluções justas
e adequadas.
Por fim, fazendo referência ao documento Refugiados: desafio
à solidariedade, publicado em 1992, a nova publicação repete que "a Igreja
oferece o seu amor e a sua assistência a todos os refugiados sem destinção”
(25) e para realizar tudo isso, "a responsabilidade de oferecer aos refugiados
acolhimento, solidariedae e assistência se impõe antes de mais sobre a Igreja
local, que é chamada a encarar as exigências do Evangelho, indo ao encontro
deles sem distinção, no momento mesmo da necessidade e da solidão” (nº 35).
Refugiados e migrações forçadas
Na segunda parte do documento, intitulada Refugiados e
outras pessoas deslocadas à força, após uma breve descrição sobre "o
conceito e a situação dos refugiados”, o documento detém sua atenção, de forma particular,
sobre os campos de refugiados e os refugiados urbanos. Quanto ao primeiro caso,
prevalece a denúncia: "o resultado é que tais campos, originariamente
destinados ao abrigo temporário, se tornaram « residências » permanentes, onde
os refugiados permanecem durante anos, geralmente confinados nos seus
movimentos, não autorizados a assegurar os próprios meios de subsistência e
forçados à dependência. Nestas situações, a Comunidade internacional parece
prestar-lhes uma atenção escassa, ou simplesmente aceita a sua « armazenagem »como
uma situação normal” (nº 44).
Passando ao caso dos refugiados urbanos, o texto assinala
que "atualmente, mais de metade da população de refugiados encontra-se
fora dos campos. Os motivos para se instalar de forma independente são porque
já residiam em ambientes urbanos e não estão acostumados a viver em áreas
rurais, ou porque julgam ter uma melhor perspectiva para o seu futuro,
especialmente no que se refere ao ganha-pão. Nem por isso deixam de ter
"o direito à mesma proteção, com os mesmos direitos e responsabilidades
sob a legislação internacional, como refugiados em áreas designadas” (nº
46-47).
Na sequência, o documento, sempre no campo da mobilidade
humana, alarga sua solicitude pastoral para "outras pessoas que precisam
de proteção”, passando a elencá-las: os apátridas, os deslocados internamente
(dentro do próprio país), as vítimas do tráfico e do contrabando de pessoas
humanas. Detenhamo-nos sobre estes últimos dois rostos. O texto entende por
vítimas do tráfico de pessoas aquelas "que foram enganadas a respeito das
suas atividades futuras e já não são livres de decidir sobre sua própria vida.
Acabam em situações semelhantes à escravidão ou à servidão, das quais é muito
difícil fugir. Ameaças e violência são com frequência utilizadas em ordem a
esta finalidade” (nº 52).
Já o contrabando de pessoas "tem como finalidade fazer
uma pessoa entrar irregularmente num país, contornando as leis de migração, constituindo
por isso uma transgressão de tais leis” (nº 55). Enquanto o tráfico transita
pelas vias legais, descumprindo posteriormente as promessas feitas na origem, o
contrabando esquiva-se clandestinamente para conduzir os migrantes a
determinado país, abandonando-o à própria sorte (e às dívidas contraídas).
Mas essa distinção é mais conceitual que real. No universo ambíguo
da mobilidade humana, as fronteiras são sempre muito fluídas, flexíveis. Como
alerta o documento, os contornos se borram facilmente. "Assim que uma
pessoa chega ao país de destino, conclui-se a relação com o contrabandista. No
entanto, é necessário observar que as partes se encontram em termos de
desigualdade, uma vez que as pessoas vítimas do contrabando dependem do
contrabandista e podem facilmente perder o controle da situação. Às vezes a
situação chega a tal ponto, que os contrabandistas não apenas escolhem o país
de destino, mas também se aproveitam do elevado risco que as pessoas correm,
quando são introduzidas ilegalmente num determinado país. Em tal situação, o
contrabando torna-se tráfico” (nº 56).
Fonte: Adital
Nenhum comentário:
Postar um comentário