Nesses últimos dois anos, com as obras do Grêmio, devido ao grande número de trabalhadores que vieram de outros locais, aumentou número de pessoas da nossa região. Acabou por fomentar tanto o comércio legal da nossa região quanto o ilegal. Isso acabou por aumentar a prostituição infantil, por exemplo.
A Arena do Grêmio, novo cartão-postal da capital gaúcha, tem
gerado preocupação na população local, em órgãos independentes e até na
Prefeitura da cidade pela exploração infantil que há na região. A proliferação
do trabalho e da prostituição de menores desde o início das obras do estádio já
ligaram um sinal de alerta nas autoridades, que querem combater o problema
antes da chegada da Copa do Mundo de 2014.
A situação envolve principalmente a comunidade do bairro
Humaitá-Navegantes, vizinho da Arena. Em uma das regiões mais pobres da cidade,
crianças e adolescentes de baixa renda convivem com carros importados e
visitantes ilustres que vão ao novo estádio.
No último sábado, a reportagem flagrou dezenas de crianças
atuando como "flanelinhas" no estacionamento do estádio, a mando de
dois adultos que circulavam pela região. Moradores ouvidos confirmam que a
situação é comum e só diminui com a presença da Brigada Militar, que coíbe a
ação.
Líderes comunitários acrescentam o componente sexual ao
problema. Segundo eles, à noite, meninas com idade por volta dos 13 anos andam
pela região com roupas curtas à procura de potenciais clientes para
prostituição.
"Nesses últimos dois anos, com as obras do Grêmio,
devido ao grande número de trabalhadores que vieram de outros locais, aumentou
número de pessoas da nossa região. Acabou por fomentar tanto o comércio legal
da nossa região quanto o ilegal. Isso acabou por aumentar a prostituição
infantil, por exemplo. Vá lá em um dia de jogo normal. Se você for acompanhar
desde a tarde, vai ver trabalho infantil direto", relata Remo Silveira,
conselheiro tutelar que atua no bairro.
"Onde tem grandes obras tem exploração sexual. A gente
sabe que, em situações de grandes obras e grandes eventos, há a exposição
demasiada das nossas crianças. Tanto em torno da Arena quanto da obra do
Beira-Rio existem esses problemas", disse Denise Vilela, promotora do
Ministério Público que trata especificamente do problema da exploração sexual
infantil.
A comunidade local já alertou as autoridades para o
problema. Sandra Ferreira, coordenadora do bairro na Central de Redes de
Atendimento à Criança em Porto Alegre, fez uma queixa sobre o assunto há
algumas semanas. Os casos são de difícil comprovação e o próprio Conselho
Tutelar admite que há falhas de tipificação na hora do atendimento.
Mesmo assim, a questão chegou à Fasc (Fundação de
Assistência Social e Cidadania) que tem status de secretaria na administração
municipal e admite o problema. No último domingo, a pasta colocou em prática
uma ação-teste para coibir o problema no entorno da Arena do Grêmio.
Das 12h até o horário do início do amistoso entre Brasil e
França, uma equipe de técnicos, educadores e assistentes sociais percorreu as
cercanias do estádio tentando conscientizar os visitantes e abordando crianças
em situação de exploração. Segundo a Fasc, 16 menores foram recolhidos, tiveram
seus pais acionados e foram encaminhados para acompanhamento específico.
"Na verdade, essa ação vem do fato de que eu sou
gremista, tenho frequentado o estádio e indo para os jogos comecei a sentir um
índice alto de crianças e adolescentes pedindo dinheiro, coletando
latinhas", disse Kevin Krieger, presidente da fundação.
Segundo Krieger, a ação foi feita de forma conjunta entre a
Fasc, a Brigada Militar e a SMIC (Secretaria Municipal de Indústria e
Comércio), que fiscaliza a ação de ambulantes na região. A proposta era que, em
conjunto, esses órgãos identificassem os menores sendo explorados e os
encaminhassem para tratamento específico.
O problema é que, nos momentos em que a presença da Brigada
Militar não era tão ostensiva, as crianças puderam circular livremente, como a
reportagem presenciou no sábado pela manhã.
"Isso é uma coisa que a gente não tinha se dado conta.
Para isso a gente não se preparou", disse Krieger. Remo Silveira ainda
acrescenta que a comunicação do Conselho Tutelar com os secretários
responsáveis é difícil e que eles não costumam comparecer ou enviar
representantes às regiões agendadas. Segundo ele, em dias normais a
fiscalização é mesmo muito menos eficiente do que no momento em que Brasil e
França se encontraram.
"O que nós achamos é que falta interlocução e política
pública, para que se faça nos mesmos moldes do Balada Segura [programa
municipal de prevenção à embriaguez no trânsito], quando a SMIC, a Polícia
Civil, a Brigada Militar e a Eptc [empresa de tráfego da cidade] têm juntos o
Conselho Tutelar. Quando tem casos de negligência, abuso e direitos violados
deveria ser assim também", disse Remo.
Krieger nega os problemas, mas também fala em incluir o
órgão e até o Ministério Público nas ações de sua pasta. "Eu vou discordar
totalmente do Remo. A gente tem diversas ações na região. Diversas entidades
governamentais para garantir direitos da criança e adolescente. Vamos ampliar o
leque. Vamos incluir o Ministério Público, o Conselho Tutelar. Ontem [domingo]
foi uma experiência que adquirimos", disse ele.
Para o MP, não é só isso que resolve o problema. Débora
Vilela, responsável pelo tema da exploração sexual na promotoria da infância,
disse que já há um inquérito civil aberto para investigar o tema. A ideia é que
um levantamento detalhado dos crimes, para que possam ser pensadas políticas
públicas efetivas.
"Na próxima reunião vai ter a exposição da situação das
crianças, os pontos onde fazem exploração e os serviços disponíveis para
combate. O inquérito foi aberto para fomentar a criação de políticas públicas
para o enfrentamento da exploração sexual. Antes de combater, tem de conhecer.
Precisamos conhecer os pontos de vulnerabilidade", disse a promotora.
Para ela, ações como a da Fasc no último domingo são
paliativas. "Claro que isso que eles estão fazendo é importantíssimo, mas
isso não vai solucionar o problema. Exploração é diferente do abuso. Aquela
criança em exploração está ali porque o pai e a mãe a colocaram. E para tirar
não é só dar tratamento psicológico, é dar condições de vida digna, fazer a
inserção na escola, quem sabe a inserção em uma escola aprendiz", diz ela.
O trabalho de Vilela é feito em parceria com a Fasc e outros
órgãos públicos que tratam do tema. A ideia é que, se bem feito, ele ajude a
evitar que o problema chegue à Copa do Mundo de 2014. "A preocupação é com
o próprio Beira-Rio no ano que vem. Esse é um trabalho sistemático que a
Prefeitura está se organizando para fazer, envolvendo outras secretarias de
direitos humanos. Esse é um trabalho que com certeza vai ter de ser melhorado e
qualificado", disse Kevin Krieger.
"Tem um grupo que está indo para Belo Horizonte para
verificar o entorno dos jogos e na cidade, para ter o exemplo para a Copa do
Mundo. Porque a gente sabe que lá eles estão um pouco à frente. A ideia é que a
gente, até o ano que vem, já tenha políticas delineadas. Infelizmente, o Brasil
é conhecido pelo turismo sexual", disse Vilela.
Fonte: (Gustavo Franceschini) UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário