As manifestações populares que estamos presenciando no
Brasil durante esta semana me fizeram lembrar a parábola narrada por Jesus em
Lucas 18:1-8: A parábola da viúva Persistente. Uma parábola muitas vezes
superficialmente interpretada que limita a força da parábola apenas a
persistência na oração. Ignora-se que para além da persistência na oração a
parábola traz uma mensagem forte de luta incessante, persistente e impaciente
pela justiça. Luta que uma pobre viúva enfrenta diante de um insensível juiz.
Ela o enfrenta com uma atitude obstinada e até agressiva em busca de justiça.
Vem pra rua! : A parábola da persistência (Odja Barros)
Odja Barros é pastora batista, Diretora Adjunta do CEBI e
coautora do livro Como um só povo - reflexões em torno da unidade da Igreja
O que nos conta a
Parábola?
A história que Jesus conta é a de uma viúva sem recursos que
busca justiça de certo juiz contra um "adversário". Sobre esse juiz é
dito que ele não teme a Deus e nem se importa com as pessoas. Não se sabe qual
era a causa que aflige o direito dessa mulher, mas além de sofrer a ação do seu
adversário ainda trava uma luta obstinada contra a corrupção do magistrado que,
desprovido de temor a Deus e interesse pelas pessoas é levado apenas pelo seu
próprio interesse, pelos subornos ou intimidação. A pobre viúva sem dinheiro ou
poder tem a seu favor apenas o recurso da intimidação, da persistência. A ação
da viúva é expressa como uma ação contínua e ameaçadora que atinge o juiz onde
ele poderia ser atingido: na preocupação egoísta do seu próprio conforto. Nesta
mulher obstinada o insensível magistrado encontrou adversário à sua altura. Ele
podia ter sido assaltado por persistência obstinada antes, mas nenhuma que
igualasse aos apelos infindáveis e insistentes desta mulher. Ele lhe fez
justiça, não porque fosse justo ou mesmo compassivo, mas porque percebeu que
não conheceria um momento de paz até que o fizesse.
Persistência na luta
As viúvas e os órfãos eram no mundo antigo, do ponto de
vista estrutural sempre as primeiras vítimas das injustiças e alvos de descaso
e de tentativas de fraude e exploração. Desde o Antigo Testamento Deus aparece
intervindo em defesa dos grupos que sofrem essa injustiça estrutural. A viúva
da parábola de Lucas 18:1-8 chama a nossa atenção pela sua persistência na luta
pelos seus direitos. Ela se fundamenta no direito divino. Ela faz isso
assumindo uma atitude ruidosa e agressiva, talvez até recorrendo aos gritos. A
atitude dessa mulher é do começo ao fim destacada como referência de quem se
deve aprender. Diante da violência do sistema injusto é preciso resistir com
firmeza e intrepidez. Essa mulher está aparentemente numa situação
desesperadora. Ela é uma mulher num mundo de homens, uma viúva sem dinheiro e
sem proteção social. Não se pode apelar ao juiz mediante ao senso de dever para
com Deus, e parece que o juiz não se sentiria envergonhado ou constrangido de
qualquer ato mau ou injusto que comete contra pessoas inocentes. O juiz injusto
retrata as estruturas de opressão as quais as pessoas estão submetidas. Mas, a
parábola concentra sua atenção na atitude obstinada da viúva que
persistentemente dobra o juiz a ouvir e julgar a sua causa. Ela não consegue
converter o coração do juiz, mas o incomoda a ponto de ter que atendê-la.
O contexto da
parábola e contexto da luta
O contexto no qual Jesus propõe essa parábola inicia-se
capitulo 17:20 de Lucas com uma conversa sobre a vinda do reino de Deus. Jesus
é interrogado pelos fariseus a respeito de quando viria o reino de Deus. Jesus
responde enigmaticamente aos fariseus: "O reino de Deus já está entre
vós". Depois se dirige aos discípulos fazendo uma memória de dois
momentos: Os dias de Noé e dias de Ló. Nesses dias o povo vivia comendo,
bebendo , casando-se , vendendo , comprando, plantando e construindo até que
veio o juízo. É nesse contexto que Jesus introduz a parábola que versa sobre
justiça e juízo e adverte aos discípulos para não desanimarem na luta ativa de
fazer presente o reino de Deus que é justiça, paz e alegria ( Romanos 14,17) .
Acredito que é nesse contexto que Jesus introduz o exemplo da viúva persistente
como modelo a ser seguido pelos discípulos. A advertência de Jesus é para que a
espera pelo reino deve ser uma espera ativa e persistente. O contexto atual não
é diferente do contexto da parábola: uma maioria do povo gasta sua vida numa
espera passiva do reino: comendo , bebendo, comprando, vendendo... adquirndo
somente para si. Talvez existam entre estes, alguns que já tiveram fé e lutaram
ativamente pelo reino de justiça, paz e alegria, mas, com o passar do tempo
perderam a fé e a esperança e abandonaram a fé e a esperança ativa na vinda do
reino. Afinal , Jesus conclui a parábola dizendo: quando o filho do homem vier
achará fé na terra? O perigo é que ao perder a fé e esperança ativa no reino de
Deus deixamos de ser "viúvas persistentes" na luta pela justiça para
tornarmos- nos "juízes insensíveis" que já "não teme a Deus e
não de importa com as pessoas". Não estaria aí muitas pessoas da classe
média brasileira que hoje se importam apenas com a preservação da seu próprio
conforto e que sente incomodada pelo barulho das viúvas persistentes?
Vem pra rua! : A
parábola da persistência
A parábola apresenta
a fragilidade de uma viúva que assume uma atitude persistente que incomoda o
juiz. Essa parábola retrata bem o movimento que surpreendeu a nação brasileira.
A força de um movimento que cresce e fortalece incomodando "os
juízes" do nosso País que não se importam com as pessoas. Pessoas que
pagam caro por um transporte público de péssima qualidade, pessoas que estão
sofrendo a falta de uma boa educação e saúde, pessoas que são vítimas das
injustiças e corrupções que são as verdadeiras atitudes violentas e agressivas
que devia envergonhar o povo brasileiro, pessoas indígenas que tem sido
assassinada e violentada nos seus direitos, comunidades quilombolas, pobres
excluídos e todas as pessoas que representam as "viúvas injustiçadas"
dos nossos dias. É por essas pessoas que devemos ir às ruas. É por essas
pessoas que devemos enfrentar todos os juízes e sistemas injustos desse país.
Concluo com uma pergunta: De que lado nós estaremos como Igreja? Ao lado do
juiz incomodado atingido no seu conforto egoísta ou ao lado da viúva persistente
que faz barulho para incomodar o juiz injusto?
Fonte: Cebi
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