Ana Paula lembra com emoção dos momentos que passou durante
o parto
"Cheguei à maternidade com contrações quase contínuas.
Deitaram-me, amarraram minhas pernas, injetaram milhões de coisas em mim
enquanto eu implorava por explicações e chorava. Ninguém me deu atenção.
Sentia-me numa esteira de linha de montagem. A anestesista ainda disse,
ironicamente, que era para eu parar de chorar, porque eu estava anestesiada e
não tinha nada doendo". Os maus-tratos sofridos pela assistente
administrativa Ana Paula Garcia, de 30 anos, durante o parto, é motivo de uma
ação inédita na Justiça mineira, por danos morais, contra o hospital, o plano
de saúde e a equipe médica que lhe atendeu.
Apesar de ser o primeiro processo judicial do tipo, o relato
de Ana Paula é compartilhado por várias mães que foram marcadas por traumas
durante o nascimento do filho, um dia que deveria ser repleto de boas
lembranças. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada em 2010, mostrou
que uma em cada quatro mulheres afirmam ter sofrido algum tipo de violência no
parto. Mas muitas mulheres não denunciam ou não entendem que foram
desrespeitadas. Na maioria das vezes, não se trata de uma agressão física, mas
de ter os direitos violentados ou ser hostilizada no hospital.
Os problemas mais comuns relatados no estudo são:
procedimentos realizados de forma dolorosa, sem consentimento ou sem
informação, xingamentos, humilhações e até negar anestesia ou atendimento.
Cerca de 51% das entrevistadas ficaram insatisfeitas com seu parto. "A
violência é generalizada, mas a maioria das mulheres não tem informação e acha
que é natural o médico ficar falando sobre o que comeu no almoço enquanto faz o
seu parto", disse a advogada Gabriella Sallit, que defende Ana Paula na
ação impetrada em janeiro último.
A filha da assistente administrativa morreu no dia do
nascimento, em maio do ano passado, em uma maternidade de Belo Horizonte. Para
ela, a dor da perda da filha poderia ter sido amenizada. "Tinha me
preparado para o meu parto e foi o dia mais infeliz. Fizeram procedimentos em
mim que eu não queria, não deixaram meu marido ficar comigo. Ninguém da equipe
veio me falar que minha filha tinha morrido. A assistente de enfermagem só
entregou a certidão de óbito", disse Ana Paula. Ela sente até hoje as
dores do corte que foi feito na sua vagina para aumentar a abertura
(Episiotomia).
A causa da morte do bebê foi considerada inconclusiva e está
sendo investigada pelos órgãos de Saúde. O Conselho Regional de Medicina
(CRM-MG) abriu sindicância para apurar a conduta dos médicos que fizeram o
parto. A ação judicial não estipula valores. O objetivo de Ana Paula é que os
envolvidos assumam o erro e que outras mulheres não sejam mal-tratadas no
parto.
O presidente do CRM-MG, João Batista, explicou que o Código
de Ética estabelece que o médico deve manter uma boa relação com o paciente e
esclarecer todo o procedimento que vai ser realizado. "A obstetrícia é a
especialidade que tem mais erros médicos, porque lida com a mãe e o feto, mas,
praticamente, não recebemos denúncias de maus-tratos", destacou.
Especialistas
recomendam planejar o parto
É cada vez mais comum, principalmente no exterior, que as
gestantes façam um plano de parto ou termo
de consentimento esclarecido com todas
intervenções que a paciente aceita ou não, que é assinado pela equipe que vai
realizar o procedimento. O plano é
recomendado inclusive pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é uma garantia
tanto para os médicos como para a mulher.
O coordenador de atenção à saúde da mulher da Secretaria
Municipal de Saúde da capital, Virgílio Queiroz, destaca que, desde 2005, é lei
o direito da gestante ter um acompanhante durante o parto.
"Isso diminuiu bastante os problemas relatados",
disse.
Para o diretor da Sociedade Mineira de Ginecologia e
Obstetrícia (Sogimig), Carlos Henrique Mascarenhas, as denúncias de violência
no parto devem ser fundamentadas. "Tenho medo do denuncismo anônimo. Não
podemos ter um médico atendendo um parto e 15 pacientes, num
pronto-socorro", destacou.
Fonte: Super Noticias
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