A sociedade de mercado rouba sonhos e cria ilusões.
“Constrói essa ideia que terá acesso a uma experiência a partir do que consome.
O consumo está o tempo todo associado à felicidade, ou que a pessoa é aquilo
que consome. Ter passa a ser algo muito importante. Isso como parte de uma
coisificação das pessoas e das relações humanas”.
Movimento feminista tem papel importante para mobilizar
críticas e ações sobre a postura do patriarcado em relação ao tráfico e
prostituição de mulheres. Vulnerabilidade econômica do sexo feminino está no
cerne do tráfico de gênero, analisa Nalu Faria.
A sociedade de mercado rouba sonhos e cria ilusões.
“Constrói essa ideia que terá acesso a uma experiência a partir do que consome.
O consumo está o tempo todo associado à felicidade, ou que a pessoa é aquilo
que consome. Ter passa a ser algo muito importante. Isso como parte de uma
coisificação das pessoas e das relações humanas”, considera Nalu Faria,
psicóloga e coordenadora geral da Sempreviva Organização Feminista – SOF,
www.sof.org.br, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Na avaliação de Nalu, a
estrutura social que coloca as mulheres como principais vítimas do tráfico
humano está relacionada a “vulnerabilidade econômica das mulheres, depois a
identidade e subjetividade feminina, como românticas, idealistas, voltadas para
acreditar em sonhos como dos príncipes encantados, hoje travestidos de ofertas
milagrosas de trabalho, ou de princesas em pele de modelos.
Nalu Faria é psicóloga e especialista em Psicodrama
Pedagógico pelo Grupo de Estudos e Trabalhos Psicodrámaticos, e especialista em
Psicologia Institucional pela Sedes Sapientiae.
Atua nos movimentos que lutam pelos direitos das mulheres no Brasil,
tais como a violência doméstica, equiparação salarial, luta contra o machismo e
o direito ao aborto. É autora, entre outros artigos, de O feminimismo
latino-americano e caribenho: perspectivas diante do neoliberalismo (São Paulo:
Livre Mercado para o Feminismo, 2005). No site da SOF, entidade que coordena,
há diversos cadernos e artigos sobre a questão da luta das mulheres para
download .
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que diferenças existem entre tráfico sexual e
turismo sexual?
Nalu Faria – No caso do tráfico em geral, é mais explícita a
relação com escravidão e/ou da enorme quantidade de dinheiro que as mulheres
têm que pagar. Por outro lado, há situações de turismo sexual relacionada ao
tráfico. Em geral, o turismo sexual usa a fragilidade de mulheres muito jovens
para envolvê-las nesta atividade, sem significar retirá-las da família ou de
seu lugar de moradia.
IHU On-Line – Que modelos de práticas sustentam a ideia
liberal de direito de que a escolha de um trabalho de prostituição é
voluntária?
Nalu Faria – Uma das estratégias é tratar a prostituição
como outro serviço qualquer, ou que se as mulheres quisessem poderiam trabalhar
em outra coisa. Isso hoje é reforçado por estarmos em uma sociedade onde o tabu
da virgindade já não é tão forte. Mas essa visão oculta que há uma instituição
da prostituição, que são vários os mecanismos que levam as mulheres à
prostituição, que as mulheres prostituídas geralmente possuem uma forte
baixa-estima, que não conseguem se imaginar em outra situação. Outras vezes há
a pressão por ganhar mais dinheiro que os pequenos salários que conseguem com
outro emprego, ocasião à qual muitas vezes os parceiros amorosos as obrigam.
Mas há um elemento fundamental e que tem sido considerado: a maioria das
mulheres chegam à prostituição quase meninas e, quando completam 18 anos, elas
já têm sua vida, sua identidade, sua subjetividade muito marcada por essa
experiência.
IHU On-Line – Que subjetividades são construídas em uma
sociedade marcada pelo livre mercado e pelo consumo?
Nalu Faria – Essa sociedade de mercado rouba os sonhos e
cria ilusões. Constrói essa ideia que terá acesso a uma experiência a partir do
que consome. O consumo está o tempo todo associado à felicidade, ou que a
pessoa é aquilo que consome. Ter passa a ser algo muito importante. Isso como
parte de uma coisificação das pessoas e das relações humanas.
IHU On-Line – Como a divisão internacional do trabalho está
relacionada ao tráfico de pessoas?
Nalu Faria – Um elemento fundamental para compreender essa
dimensão é a indústria do entretenimento como parte de uma sociedade focada
cada vez mais na competitividade, no individualismo. Portanto, da diminuição de
relações pessoais baseadas em vínculos, reciprocidade. Além do mais, por uma
escassez de mulheres do Norte para as atividades vinculadas a essa indústria do
entretenimento, muito centrada na prostituição. Daí a necessidade de traficar
mulheres. Além disso, os traficantes de mulheres chegam a dizer que é uma ótima
mercadoria, pois pode ser vendida muitas vezes.
IHU On-Line – Que papel a América Latina e o Brasil, mais
especificamente, cumprem na divisão internacional do trabalho?
Nalu Faria – No período de implantação da globalização
neoliberal, falamos de uma nova divisão internacional do trabalho, baseada nessa
migração massiva para realizarem as tarefas mais desvalorizadas no Norte. Por
outro lado, pelo tipo de produção a que se dedicou a região, tanto de
reprimarização da economia quanto do tipo de produção voltada para exportação.
Por exemplo, as maquilas no México e América Central, as flores na Colômbia,
frutas e peixe no Chile, soja no Cone Sul, etc.
IHU On-Line – Qual a estrutura nesse contexto social que
implica que as mulheres sejam as principais vítimas do tráfico humano?
Nalu Faria – Primeiro, a vulnerabilidade econômica das
mulheres; depois a identidade e a subjetividade femininas, como românticas,
idealistas, voltadas para acreditar em sonhos como os de príncipes encantados,
hoje travestidos de ofertas milagrosas de trabalho, ou de princesas em pele de
modelos.
IHU On-Line – Qual o papel dos movimentos feministas no
combate à exploração e ao tráfico de mulheres?
Nalu Faria – Temos que intensificar a mobilização a críticas
e ações de como o patriarcado tem se organizado e essa imbricação com o mercado.
Precisamos reforçar muito o debate sobre a autonomia das mulheres e a
compreensão sobre os mecanismos patriarcais. Ao mesmo tempo, temos que
massificar e enraizar nosso movimento. É necessário construir alianças com
outros movimentos para que essa pauta não esteja restrita ao movimento de
mulheres.
IHU On-Line – Qual é a responsabilidade do Estado nesse
processo?
Nalu Faria – O trafico se dá por máfias. Então há que se ter
uma investigação permanente. Ao mesmo tempo, há que se implementar um amplo trabalho
educativo, em particular nas escolas. Por fim, realizar amplos debates
públicos, assim como coibir o sexismo nos meios de comunicação, nas
manifestações culturais, etc. Ou seja, atuar de forma enérgica contra a
coisificação e a mercantilização das mulheres.
Fonte: Ihu (Por: Ricardo Machado)
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