Com a proximidade da Copa de 2014, a situação dos moradores
de rua preocupa procuradores-gerais de Justiça e o Centro Nacional de Defesa
dos Direitos Humanos, órgão vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil).
Eles temem uma eventual "higienização social" --a
retirada compulsória de pessoas que vivem nas ruas-- nas cidades que sediarão
os jogos e abrigarão as seleções. Procuradores e CNBB relataram esse temor ao
ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência), em Belo
Horizonte, por ocasião da reunião do CNPG (Conselho Nacional de Procuradores
Gerais), em março.
Foi pedido ao governo apoio financeiro e político para que
Estados e municípios possam aderir ao decreto presidencial de 2009 que
implantou a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Sem o
comprometimento de Estados e municípios para criar políticas sociais e
programas de apoio aos moradores de rua, os movimentos sociais acham que essas
pessoas serão retiradas à força das ruas, o que confronta a política
preconizada no decreto.
Há precedentes envolvendo a retirada de mendigos das ruas
especialmente no Rio, principal local dos grandes eventos internacionais: na
época da Rio-92 e da Cimeira (reunião de chefes de Estado da América Latina,
Caribe e União Europeia), em 1999. Foi assim também em maio de 2009, quando a
Folha flagrou a prefeitura do Rio recolhendo os sem-teto no trajeto da comitiva
da Comissão de Avaliação do COI (Comitê Olímpico Internacional).
Gilberto Carvalho foi até a sede nacional da ONG ligada à
CNBB levado por Alceu Torres, procurador-geral de Justiça de Minas. "Essa
questão é muito grave", disse Torres, que acrescentou ser preciso avançar
"sobretudo onde haverá jogos". Ele afirmou ainda que o país corre
"não é contra o tempo da Copa, mas o tempo que já passou".
Para o sociólogo Maurício Botrel, do Centro Nacional de
Defesa dos Direitos Humanos, a adesão do poder público estadual e municipal é
fundamental para que as políticas sociais sejam implantadas, sem precisar
recorrer à "limpeza social" na Copa.
"O poder público precisa se conscientizar que isso não
é solução. Maquiar não mudará nossa realidade", disse.
O procurador-geral do Rio Grande do Sul, Eduardo Veiga,
presidente do Grupo Nacional de Direitos Humanos, disse que os Ministérios
Públicos nos Estados estão orientados a fiscalizar a implantação da rede de
comitês municipais.
Ao menos 195
moradores de rua foram assassinados no Brasil entre fevereiro de 2011 e maio de
2012.
Os dados, do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos
(CNDDH), revelam apenas uma parte do problema, porque o acompanhamento e o
atendimento à população de rua são falhos.
Segundo o sociólogo Maurício Botrel, do CNDDH, o fato de que
61 homicídios ocorreram em Minas e 33 em Alagoas --48% das ocorrências-- não
significa que os dois Estados sejam os mais violentos com a população de rua.
Para o sociólogo, eles estão no topo do ranking porque os
casos foram franqueados ao CNDDH pelas autoridades estaduais graças à criação
de comitês integrados por representantes de governos locais e sociedade civil
Estes comitês estão previstos no decreto que estabeleceu a
política nacional para a população de rua. No entanto, a adesão ao decreto
ainda é quase nula.
Belo Horizonte, Maceió e Rio de Janeiro instituíram comitês,
de acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Segundo o órgão, está
sendo finalizado um "termo de compromisso" para que sejam firmados
"pactos" com Estados e municípios.
Maria Cristina Bove, da Pastoral Nacional do Povo de Rua,
defende que o governo coloque recursos no orçamento para incentivar adesões. Um
dos temores é o de que sejam colocadas em prática no Brasil políticas sociais
higienistas por ocasião da Copa do Mundo de 2014.
Para Bove, o ideal seria que as adesões ocorressem até o
final do ano. "Senão, vai ser muito violenta [a situação na Copa]. As
operações de higienização estão na pauta do dia", disse.
Fonte: Folha.com
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