Uma série de pesquisas realizadas no Brasil mostra que as
desigualdades social e racial típicas do país desde a época colonial marcam
também a prática do aborto.
Descreve em artigo científico inédito a antropóloga
Débora Diniz, da UnB (Universidade de Brasília) e do Anis (Instituto de
Bioética, Direitos Humanos e Gênero), e o sociólogo Marcelo Medeiros, também da
UnB e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
— As características mais comuns das mulheres que fazem o
primeiro aborto é a idade até 19 anos, a cor negra e com filhos.
O texto, relativo a uma etapa da PNA (Pesquisa Nacional de
Aborto), será publicado em julho na Revista Ciência e Saúde Coletiva, da
Abrasco (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Pública). A edição
traz um dossiê sobre o aborto no Brasil, produzido com pesquisas feitas para o
Ministério da Saúde e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico).
Diniz e Medeiros coordenaram, entre agosto de 2010 e
fevereiro de 2011, levantamento com 122 mulheres entre 19 e 39 anos residentes
em Belém, Brasília, Porto Alegre, no Rio de Janeiro e em Salvador.
Segundo os autores, a diferenciação sociorracial é percebida
até no acompanhamento durante o procedimento médico.
— As mulheres negras relatam menos a presença dos
companheiros do que as mulheres brancas. Dez mulheres informaram ter abortado
sozinhas e sem auxílio, quase todas eram negras, com baixa escolaridade [ensino
fundamental] e quatro delas mais jovens que 21 anos.
Os dados confirmam resultados encontrados pelos dois
pesquisadores em 2010, quando verificaram, por meio de pesquisa de urna (método
em que a entrevistada não se identifica no questionário que preenche e deposita
em caixa vedada), que “o aborto é comum entre mulheres de todas as classes
sociais, cuja prevalência aumenta com a idade, com o fato de ser da zona
urbana, ter mais de um filho e não ser da raça branca”.
Conforme a pesquisa de 2010, 22% das mulheres brasileiras de
35 a 39 anos, residentes em áreas urbanas, já fizeram aborto. No levantamento,
o aborto se mostrou mais frequente entre mulheres com menor nível de
escolaridade, independentemente da filiação religiosa. Wilza Vieira Villela, do
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo), que pesquisou o aborto induzido entre as mulheres com HIV/aids,
comenta:
— Esses dados demonstram que o aborto é prática disseminada,
apesar da sua ilegalidade, constituindo-se questão para a saúde pública.
Da mesma forma, o artigo de Rebeca de Souza e Silva, do
Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, confirma a tese de que a
desigualdade social afeta o acesso à prevenção da gravidez e também a qualidade
do aborto. De acordo com seu estudo comparativo entre mulheres casadas e solteiras
residentes na cidade de São Paulo, “as solteiras recorrem proporcionalmente
mais ao aborto provocado (…). Contudo, as mais pobres, com menor escolaridade e
maior dificuldade de acesso às benesses do mundo moderno, continuarão pagando
alto preço – que pode ser a própria vida – pela opção de provocar um aborto”.
Souza e Silva defende a legalização do aborto, por entender
que o problema “só será resolvido se o acesso aos serviços de qualidade for
equitativo” e que “a ilegalidade traz consequências negativas para a saúde das
mulheres, pouco coíbe essa prática e perpetua a desigualdade social, uma vez
que os riscos impostos pela tal ilegalidade são vividos, sobretudo, pelas
mulheres menos escolarizadas, geralmente as mais pobres, e pelas que não têm
acesso aos recursos médicos para o aborto seguro”.
Estela Aquino, do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba
(Universidade Federal da Bahia), disse:
— As restrições legais não coíbem a prática [do aborto] no
país, mas reforçam desigualdades sociais, já que as mulheres mais pobres fazem
o aborto de modo inseguro, gerando hospitalizações desnecessárias e
representando riscos à saúde.
No Brasil, o aborto voluntário é ilegal e tipificado como
crime no Código Penal. O aborto é autorizado em caso de estupro e de risco de
morte da mulher. Neste semestre, o Supremo Tribunal Federal confirmou
jurisprudência praticada em vários tribunais que já permitiram a interrupção da
gravidez de fetos anencéfalos (malformação no tubo neural, no cérebro).
Fonte: Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil
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