Todas as mortes são para nós um
absurdo, porque a morte é o nada que entra na nossa história, e seria nada
mesmo, se não houvesse essa morte de Jesus que deu sentido a todas as outras
mortes. Só por isso valeu a morte de Jesus. Diante dos sofrimentos e da morte
somos convidados a olhar para este Homem que assumiu a morte para estar
conosco, para estar ao nosso lado; é nessas horas que vamos encontrá-Lo.
Autor: Pe. Adroaldo Palaoro sj
Sexta-feira Santa é convite a
entrar e mergulhar no mistério desse Homem que, ao mesmo tempo, assumiu nossa
humanidade ao extremo e nos mostrou a face misericordiosa de Deus Pai.
Jesus não escapou de nenhuma
experiência nossa, Ele não fugiu das experiências que tecem o nosso cotidiano,
Ele as viveu a cada dia de modo humano. E de repente essa experiência humana
chega a seu extremo, ao extremo da dor e do sofrimento.
Carregar a cruz não é um ato
dolorista nem um ato suicida, é um ato de entrega da própria existência.
Ao contemplar o Crucificado,
muitos questionamentos vão surgindo:
- a Cruz é sinal de solidariedade
ou sinal de poder, sinal de libertação ou sinal de opressão, sinal de rebeldia
ou sinal de submissão, sinal dos vencidos ou sinal dos vencedores…?
- Perguntamo-nos se é a Cruz dos
condenados deste mundo ou a cruz dos que condenam, a Cruz dos crucificados da
terra ou a cruz dos que continuam crucificando como em outro tempo crucificaram
a Jesus?
A primeira coisa que descobrimos
ao contemplar o Crucificado do Gólgota, torturado injustamente até à morte pelo
poder político-religioso, é a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o
fanatismo da mentira. Precisamente aí, nessa vítima inocente, nós seguidores de
Jesus, vemos o Deus identificado com todas as vítimas de todos os tempos. Está
na Cruz do Calvário e está em todas as cruzes onde sofrem e morrem os mais
inocentes. A partir da Cruz, Deus não responde o mal com o mal; Ele não é o
Deus justiceiro, ressentido e vingativo, pois prefere ser vítima de suas
criaturas antes que verdugo.
O Crucificado nos revela que não
existe, nem existirá nunca um Deus frio, insensível e indiferente, mas um Deus
que padece conosco, sofre nossos sofrimentos e morre nossa morte.
Despojado de todo poder
dominador, de toda beleza estética, de todo êxito político e de toda auréola
religiosa, Deus se revela a nós, no mais puro e insondável de seu mistério,
como amor e somente amor.
Nós cristãos contemplamos o
Crucificado para não esquecer nunca o “amor louco” de Deus para com a
humanidade e para manter viva a recordação de todos os crucificados da
história.
Jesus não morreu por vontade
divina nem para expiar nossos pecados, senão que foi condenado como herege e
subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo e do palácio, por
colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos, de todos os
caídos.
Na contemplação da Paixão fazemos
memória comovida de Jesus, e ao “fazer memória” confessamos que Ele está vivo,
revivemos Sua vida, O ressuscitamos na vida. Não buscamos argumentos lógicos e
dog-máticos, mas sinais de vida em toda Sua vida e também em Sua morte.
Descobrimos, como afirma a teóloga Mercedes Navarro, que “Jesus morreu de
vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão
ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora…
“Morreu de vida”: isso foi a
Cruz, e isso é a Páscoa. E é por isso que tem sentido recordar Jesus, olhando
nas chagas de sua Cruz as pegadas de sua vida.
Os relatos dos evangelistas nos
recordam que nós cristãos somos seguidores de um Crucificado.
A leitura orante do relato da
Cruz de Jesus nos faz abrir os olhos para ler também nossa própria vida e a vida
de toda a humanidade. Não se trata meramente de uma referência externa, presa
ao passado, mas de uma mensagem de sabedoria permanente, que transcende o tempo
e o espaço.
“Porque os judeus pedem sinais,
os gregos procuram sabedoria, ao passo que nós anunciamos Cristo crucificado,
escândalo para os judeus, loucura para os pagãos, mas para aqueles que são
chamados é Cristo, força de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor. 1,22-24)
Situar-se, pois, diante do
Crucificado, acarreta diversas conseqüências para nossa vida; podemos destacar
as seguintes:
Denúncia: a Cruz nos fala de uma
aliança de poderes, religioso e político, que acabaram cruelmente com a vida de
um inocente. Isso ocorreu com Jesus e, por desgraça, ocorre ao longo de toda a
história humana. Crer no Crucificado implica denunciar ativamente todo tipo de
opressão contra os inocentes.
Compromisso: para nós que cremos
em Jesus, todo e qualquer “crucificado” – seja qual for o motivo de sua cruz –
é alguém sagrado, que suplica nossa compaixão ativa e nossa solidariedade
eficaz. Como diz Jon Sobrino, não podemos crer no Crucificado de um modo
coerente se não estamos dispostos a fazer descer da cruz aqueles que estão
nela.
Esperança de vida: a Cruz – que
se completa com a mensagem da ressurreição, com a qual forma um único
acontecimento – proclama que a Vida não morre; que, inclusive naquelas
circunstâncias nas quais parece que tudo é fracasso, a Vida abre caminho;
nenhuma morte é o final.
Ensinamento: como viver a própria
cruz? Para começar, sabemos que, a rigor, não podemos chamar “cruz” a todo
sofrimento. Há sofrimentos evitáveis, em nós e nos outros, contra os quais
teremos que lu-tar; há outros inevitáveis, que precisamos acolhê-los e dar-lhes
sentido; e há outros, que são consequência de uma opção de amor fiel: estes são
a “cruz”, pois são a opção construtiva que admiramos em Jesus: aqui é
importante assumi-los lúcida, paciente e confiadamente. Assim vivida, a Cruz é
fonte de vida; tal é a mensagem do Crucificado: “viver como Deus quer o que
Deus não quer”.
Textos bíblicos: Mc 15,21-41
1Cor. 1,18-25
Fonte: Centro Loyola BH
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