Pesquisa mapeia a realidade de
violência e preconceito enfrentada por travestis e transexuais femininas que
exercem trabalho sexual na RMBH.
Para quem trafega à noite pela
Avenida Afonso Pena, no centro de Belo Horizonte, ou pela Avenida Pedro II, por
exemplo, não é novidade que existe um grande número de travestis e transexuais
femininas exercendo trabalho sexual na cidade. Em contrapartida, sobre a vida
dessas pessoas, pouca gente sabe algo mais: as violências que sofrem, os direitos
de que são cotidianamente privadas, os sonhos que têm.
De 2011 a 2015, integrantes do
Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH) da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas (Fafich) da UFMG desenvolveram pesquisa multidisciplinar com o
objetivo de estabelecer perfil social mais aprofundado das travestis e
transexuais femininas que exercem trabalho sexual na capital mineira e em sua
região metropolitana. A investigação Direitos e violência na experiência de
travestis e transexuais da cidade de Belo Horizonte: construção de um perfil
social em diálogo com a população foi realizada por alunos de graduação,
mestrado e doutorado da UFMG, sob coordenação de Marco Aurélio Máximo Prado,
professor do Departamento de Psicologia da Fafich. Ao todo, dez pessoas
estiveram envolvidas com a investigação, entre pesquisadores e consultores,
além do coordenador.
Foram colhidos dados sobre
escolaridade, religião, saúde e família das pesquisadas. Investigaram-se também
questões relativas ao trabalho sexual e ao trabalho formal que ora exercem,
assim como as transformações que porventura realizam em seus corpos. Foram
tratadas, ainda, questões relativas às violências e aos preconceitos que
sofrem, ao lazer de que usufruem e às políticas públicas que, existentes ou
desejadas, se relacionam com a sua realidade.
"Se moradia, segurança,
saúde, educação, trabalho e lazer são direitos inalienáveis de todos e todas as
cidadãs brasileiras, o que explicaria a inexistência de políticas públicas para
a população travesti e transexual?", perguntam pesquisadores e
pesquisadoras na apresentação do relatório da pesquisa. "Como pensar a
situação de exclusão e, mais, de abjeção a que essa comunidade está submetida,
sem levar em consideração o vazio legislativo a respeito das questões de
travestis e transexuais?", indagam. "E qual seria o papel da
academia, da sociedade e do Estado no trato dessa questão?". Essas
perguntas direcionaram a investigação realizada.
Os resultados obtidos estão
reunidos em um Relatório Descritivo que acaba de se tornar público e que pode
ser acessado no site da pesquisa. O documento revela, por exemplo, que 67,4%
das travestis e transexuais entrevistadas se declaram pretas ou pardas e que
91,3% delas não passaram do Ensino Médio. O relatório também informa que 28,1%
da amostragem abandonaram a escola em razão do preconceito ou da violência que
sofriam naquele ambiente.
Brenda Luisa Prado, mulher trans
entrevistada para a pesquisa, exalta a iniciativa, que ajuda a mostrar a
realidade das transexuais e travestis. "Não somos respeitadas em nosso
modo de viver, encontramos as portas fechadas no mercado de trabalho e sofremos
violência física e psicológica. Ainda há um longo caminho para a transformação
dessa realidade", ela diz.
Proteção ampliada
Durante os quatro anos de
trabalho, o envolvimento dos pesquisadores com o tema os levou a estabelecer
diálogos e parcerias com as entrevistadas e com o Estado e a sociedade civil,
colaborando na ampliação da rede de proteção às travestis e transexuais femininas
da capital. A equipe organizou eventos e reuniões para essa comunidade, nos
quais foram oferecidos serviços como a impressão de cartões do SUS com o nome
social.
Quanto à metodologia, a
investigação se organizou em quatro eixos: perfil socioeconômico, trajetória
escolar, redes de sociabilidade e acesso a políticas e instituições públicas.
As informações foram coletadas por meio de questionários estruturados e de
trabalhos de campo de cunho etnográfico, tanto nos locais de trabalho quanto em
outros espaços de sociabilidade e moradia dessa população.
A partir daí, a pesquisa
conseguiu detalhar a relação de travestis e transexuais com suas famílias, suas
crenças religiosas, o destino que dão ao dinheiro conquistado com os programas
(a quantidade de pessoas com quem precisam dividir os valores recebidos, por
exemplo), a forma como lidam com a própria saúde e os riscos a que estão
expostas nas ruas.
"Desenvolvemos uma série de
ações a fim de compreender como a dinâmica do preconceito impõe obstáculos à cidadania
e aos direitos humanos dessa população, de forma a preparar intervenções para
fortalecer suas ações no âmbito do poder público e ampliar o entendimento sobre
a questão da violência contra as experiências trans", explica Marco
Aurélio Prado.
O professor sintetiza as
considerações a que o grupo chegou após a investigação. "Com base nos
dados obtidos, pudemos observar o contexto de vulnerabilidade em que travestis
e transexuais da Região Metropolitana de Belo Horizonte estão inseridas. Também
detectamos escassez de políticas públicas que visem à garantia de seus
direitos", afirma. "Ao mesmo tempo, também percebemos, em
contrapartida, como as travestis e transexuais se constroem como sujeitos
políticos, traçando estratégias de resistência e enfrentamento diante de
contextos marginalizados", completa Marco Aurélio.
* No glossário apresentado ao fim
do relatório, os pesquisadores explicam que a expressão "pista" é
utilizada pelas travestis e transexuais para se referir às áreas em que
encontram clientes.
Fonte : UFMG
Nenhum comentário:
Postar um comentário