Só em 2014, 26 homens foram pegos em flagrante no transporte
ferroviário paulistano. Presidente Dilma pediu que mulheres registrem abusos na
polícia.
Nesta semana, oito homens foram presos em flagrante abusando
de mulheres no transporte público em São Paulo. Só este ano, já foram
denunciados 26 casos. Até a presidente Dilma se manifestou e pediu que as
mulheres registrem os abusos na polícia.
O Fantástico foi falar com as vítimas para saber o que vem
acontecendo no metrô e trens em São Paulo.
Adriana é uma moça bonita, jovem, como tantas que entram no
metrô em SP. Mas, na última quarta-feira (19), Adriana chamou a atenção de um
homem que ela nunca vai esquecer.
“Só de olhar para foto deste homem eu sinto nojo, é isto que
estou sentindo”, diz Adriana Barbosa, vendedora.
O homem, um abusador sexual, seguiu Adriana no trem. “Quando
eu estava tentando desembarcar, ele passou a mão em mim, entre a minha coxa, e
tirou a mão e apalpou. Quando eu consegui desembarcar, eu comecei a gritar”,
ela lembra.
No meio da multidão, o homem tentou fugir. “Ele já estava
andando muito rápido, lá na catraca. Eu gritei o segurança que estava lá na
frente e falei que ele tinha passado a mão em mim”, relata.
O rapaz foi levado à delegacia. É mais um dos 26 homens que,
só este ano, foram pegos em flagrante por abuso sexual no transporte
ferroviário paulistano. Apenas um continua preso, acusado de estupro.
Fantástico: É uma doença?
Psicólogo Luiz Bragante: É uma doença. Vários tipos de
doença fazem você perder a noção do real, a noção do perigo, a noção de
respeito, a noção de ética.
Uma passageira, que não quis mostrar o rosto, registrou um
Boletim de Ocorrência depois de ser avisada pela segurança do metrô de que um
homem havia filmado suas partes íntimas. “Conferi no momento, eram realmente
minhas as imagens, no celular do rapaz. Ele era recém-casado, com filho
pequeno, tinha foto da esposa, tinha foto do filho”, ela diz.
“A polícia não consegue deixar preso porque a lei é fraca
para isto. Ele fica solto, o delegado é obrigado a cumpri a lei e mandar
embora, aí ele vai receber uma pena alternativa lá do juiz”, explica o delegado
Osvaldo Nico Gonçalves.
A impunidade torna os chamados "encoxadores" cada
vez mais abusados. Em páginas na internet, eles narram as abordagens que fazem.
Um deles diz que é casado e que todos os dias vai atrás de mulheres na estação
Sé, no Centro de São Paulo. E um mineiro diz que pegou um ônibus para ir a São
Paulo só para molestar mulheres no metrô mais cheio do Brasil. Várias dessas
páginas foram tiradas do ar por ordem da Justiça.
“Quando nós começamos a investigação tinham mais de 50
páginas, que nós conseguimos identificar. Hoje tem 2 ou 3. Agora vamos começar
a chamar o pessoal, junto com o auxílio da Justiça, quebrar o IP destas
máquinas para a gente identificar quem seja”, afirma o delegado.
O Fantástico entrou no metrô e nos vagões da Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos, a CPTM, para ouvir as passageiras.
“Eu estava sentada e tinha um cara do outro lado, pegou o
celular discretamente e começou a tirar foto”, conta uma estudante.
“O homem tirou a mochila e encostou, aí eu tentei sair”,
lembra outra estudante.
“Sai até mais cedo de casa para pegar um vagão um pouco mais
vazio, pra gente até conseguir ir sentada, pra não acontecer isso”, destaca uma
mulher.
Às vezes, a solidariedade vem dos outros passageiros.
“Muitos veem o que está acontecendo e tentam nos proteger”,
diz uma mulher.
“Se eu estiver dentro do metrô e perceber isso aí, eu sou o
primeiro a ir pra cima, não aceito”, avisa um homem.
“Hoje de manhã, com o olhar, uma pediu assim: ‘vem para o
meu lugar e eu vou para o seu, porque o cara está se esfregando em mim’, então
troquei de lugar com ela”, conta outro homem.
Algumas usam estratégias de defesa. “A gente sempre procura
um cantinho melhorzinho para a gente encostar”, diz uma mulher.
“A gente até evita usar uma roupa tão decotada”, conta uma
estudante.
“Eu andava com um estilete, só que estilete é uma arma
branca e eu peguei e comecei a andar com uma chave de fenda”, revela uma
mulher.
O sistema sobre trilhos em São Paulo transporta 7,4 milhões
de passageiros por dia. É um dos maiores do mundo. O metrô responde pela maior
parte desses passageiros. Tudo o que acontece nas cinco linhas, ao longo de
75,5 quilômetros, é visto por câmeras da sala de controle do metrô.
“A outra ferramenta é nosso empregado, descaracterizado que
está lá, dentro de trens, nas plataformas. Ele percebe o comportamento, faz a
abordagem, aí, neste momento, a gente depende fundamentalmente da vítima nos
acompanhar até a delegacia de polícia para registrar o fato. O agente de
segurança no metrô tem poder de polícia, ele pode fazer a prisão e ele faz a
condução deste indivíduo por viatura”, explica Rubens Menezes, chefe de
segurança do Metrô de SP.
No Rio de Janeiro e em Brasília, foram criados carros
exclusivos para mulheres nos horários de pico, mas nem sempre funciona.
“Os guardinhas mandam sair, mas em outras estações eles
acabam entrando”, afirma uma mulher.
“Os homens entram e não tem nenhuma fiscalização, a não ser
que as mulheres gritem, façam aquela gritaria: ‘vagão feminino’, aí eles ficam
meio sem graça e saem”, diz outra mulher.
Daniele, Vanessa e Milene são de São Paulo e decidiram
reagir.
Todas passaram pelo constrangimento de um abuso sexual no transporte
público. Daniele traz no corpo as marcas da agressão que sofreu de um homem que
a filmava com o celular. Ela tentou fugir, mas ele foi atrás.
“Ele me puxou pelo vestido e pela corrente, que foi onde fez
as marcas no meu pescoço. Na hora, reagi, virei e dei um soco que cortou a boca
dele. Ele veio para me dar um outro soco, eu desviei o rosto e pegou no braço.
Tentou me enforcar de novo, arrebentou a alça do meu vestido, eu fiquei só de
sutiã na plataforma”, conta Daniele Feliciano, de 32 anos.
“Ele ficou encostado em mim, cara a cara, porque não dava
para se mexer. Depois ele conseguiu puxar a mochila para frente. Poucos minutos
depois, ele desencostou, quando olhei minha calça estava toda manchada, eu
entrei em desespero e comecei a gritar, xingar ele. Quando abriu a porta, ele
correu na multidão, um rapaz segurou ele pelas costas, gritaram pelos
seguranças que vieram”, lembra Vanessa Barros, de 21 anos.
“Chegando na Sé, ele não aguentou e passou a mão em mim. Um
rapaz viu tudo, me puxou e nós fomos atrás dele. Chegando na delegacia, ele
simplesmente virou para a delegada e perguntou se eu não tinha gostado, se eu
não gostava de homem. Eu achei que ia conseguir bater no cara, que ia empurrar
e começar a gritar, mas na hora a gente fica sem reação, é uma sensação muito
ruim. Você se sente suja, parece que a culpa é sua”, relata Milena Sanchez, de
21 anos.
“A gente tem que mostrar para estas meninas que elas não têm
culpa, que do lado de lá tem alguém doente e comprometido que perdeu a relação
com o real”, destaca o psicólogo Luiz Bragante.
“Acho que a culpa é de ser mulher. Talvez o nosso crime é
ser mulher. Queria que as pessoas parassem de julgar as mulheres pelas roupas,
porque somos simplesmente mulheres”, lamenta Milena.
Fonte: Globo
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