“Cheguei na morena deliciosa e meti a mão por baixo. Ela fez
cara de que não gostou, mas ficou toda molhadinha”. Assim um arrogante e
pretensioso internauta cuja identidade estava protegida por um perfil falso
relata aos colegas da comunidade “Encoxadores e Encoxadoras”, retirada do
Facebook na última semana, o assédio que teria cometido contra uma mulher em
uma estação de trem naquele mesmo dia.
Além dos relatos, a comunidade virtual
reúne fotos de decotes ou tiradas por baixo das saias de mulheres com
celulares, além de vídeos de diversas nacionalidades com imagens de homens
esfregando-se ou apalpando mulheres constrangidas e subjugadas no transporte
coletivo.
A comunidade é apenas uma das dezenas que divulgam e
incentivam usuários do sistema público de transporte a aproveitar a
superlotação em trens, ônibus e metrôs para assediar sexualmente sem medo de
ser pegos, e que, desde que se tornaram notórias, estão na mira da polícia, dos
governos e de organizações feministas.
A ação desses grupos foi revelada a partir da prisão de um
homem por estupro na Estação da Luz, na Linha 1-Azul, na última segunda-feira
(17). Ele chegou a colocar o pênis para fora e ejacular na calça da vítima, que
gritou por socorro e foi salva de uma agressão mais grave pelos demais
passageiros do trem. Assim que foi preso, ele se identificou como
universitário.
Por mais grotesca que seja, a situação não é rara no
transporte coletivo paulista. Mas marcou um novo momento da caçada aos
assediadores: ele foi o primeiro a admitir publicamente que suas ações foram
motivadas pelas publicações de comunidades online. Na quarta-feira (19), um
engenheiro e um administrador de empresas também foram presos por apalpar uma
mulher e por filmar partes íntimas de uma passageira com o celular. Ambos
apontaram para comunidades virtuais no Facebook e no Whatsapp, aplicativo de
chat para celulares, como “inspiradores” da ação. Só neste ano, a Delegacia de
Polícia do Metropolitano (Delpom) contabilizou 17 ocorrências de mulheres
molestadas em composições da CPTM e do Metrô. Destas, 16 foram registradas como
importunação ofensiva ao pudor e uma como estupro.
Desde então, o número de comunidades no Facebook despencou,
fechadas pelos próprios usuários, temerosos de investigação das polícias Civil
de São Paulo e Federal provocadas por denúncias de mulheres e de organizações
feministas. Mas continuam no Whatsapp, onde usuários que não tiverem sido
convidados ao grupo por um dos integrantes não conseguem ver a troca de
mensagens, e os “encoxadores” se sentem mais protegidos.
“A sociedade tem de demonstrar todos os dias que o Brasil e
o povo brasileiro têm tolerância zero com a violência contra a mulher”, resume
Aparecida Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento à Violência da
Secretaria de Políticas para as Mulheres, do governo federal. “E é, sim,
violência contra a mulher, independentemente do que digam os perpetuadores
dessa prática. É impossível dissociar a ação desses indivíduos das demais
agressões físicas e psicológicas das quais as mulheres são vítimas. São todas
parte de um mesmo desprezo pelos direitos do próximo. É crime. Sempre que
existe interação sexual não consensual é crime, e eles têm de ser
individualmente responsabilizados por isso”, completa.
No Brasil, entre 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais
de 50 mil feminicídios: ou seja, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas
violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma morte a cada
1h30, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Em São Paulo, a média de estupros é de 37 por dia, embora
esse número possa ser maior: como as delegacias da mulher funcionam apenas
entre as 9h e as 19h, vítimas que sofrem o estupro de madrugada, por exemplo,
acabam desistindo de fazer a denúncia no dia seguinte; a opção seria buscar uma
delegacia de plantão, onde o atendimento é feito por homens sem treinamento
para lidar com esse momento psicológico.
Aparecida reforça que as mulheres não podem se calar quando
forem assediadas, e que têm de buscar as autoridades para coibir o abuso. “Elas
têm de buscar a polícia, a autoridade do transporte público, e denunciar. Elas
devem também ligar para o 180, do governo federal, que recebe denúncias. Não é
um número apenas para os casos que se enquadram na Lei Maria da Penha, mas para
todo tipo de violência contra a mulher”, ressalta.
À reportagem da RBA, a Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM) afirmou que “repudia” os ataques a mulheres, e que mantém
câmeras de vigilância para identificar os assediadores, além de funcionários
homens e mulheres à paisana para pegar os “encoxadores” em flagrante.
Segundo a secretária de Políticas para a Mulher da
prefeitura de São Paulo, Denise Motta Dau, embora o papel do poder público
municipal seja limitado em assuntos de segurança pública, a prefeitura também
pode adotar medidas para coibir a ação dos assediadores, como câmeras nos
ônibus, mas o principal é registrar os casos e investir em prevenção.
“Nós precisamos, hoje, de um registro de denúncias. Porque
se você tem em mãos, olha, em tal linha de ônibus foram tantos ataques neste
mês, nesta semana, você começa a incomodar mais, a ter mais condição de
enfrentar. Agora, toda a comunicação que recebermos vamos encaminhar
imediatamente para a Secretaria de Segurança Pública do estado, para apuração.
Mas o que resolve mesmo é educação, para prevenir esse tipo de mentalidade”,
pondera.
Independentemente de soluções de longo prazo, a professora
Carla Cristina Garcia, pós-doutorada em relações de gênero e professora da
pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC), avalia que esse tipo
de manifestação pública de apologia ao assédio sexual pode ser fruto do refluxo
causado pelas conquistas feministas das últimas décadas.
“Há ondas em que isso aparece mais e aparece menos, mas não
é um problema novo. Se está epidêmico ao ponto de você ter grupos na internet,
de homens, de ‘machões’ contra o feminismo, enfim, é uma representação dessa
onda conservadora na sociedade. Estamos conversando em uma quinta-feira que
antecede uma Marcha Da Família no sábado; você tem no Congresso uma bancada
evangélica e outros conservadores que atacam os direitos LGBT e da mulher de
forma muito agressiva, isso se acumula”, pondera.
Embora não se diga favorável à separação de homens e
mulheres no transporte coletivo, Carla Cristina se diz favorável à medida para
evitar abusos graves. “Infelizmente, como medida paliativa, pode ser necessário
para garantir a integridade das mulheres”, afirma. Atualmente, a Assembleia
Legislativa de São Paulo analisa projeto que cria o carro exclusivo para
mulheres, geralmente o primeiro vagão do trem, mas o caráter segregador da
medida é polêmico.
Em 1995, a CPTM tentou aplicar o que chamou de “carro
cor-de-rosa” na Linha 10, mas recuou apenas três meses depois por encontrar
dificuldade para abrigar todas as mulheres nesses vagões: elas são 58% dos
usuários do transporte público. A medida está em funcionamento atualmente no
Rio de Janeiro e no Distrito Federal.
Uma enquete realizada pelo blog Feminismurbana entre o fim
de 2013 e fevereiro de 2014 com 300 mulheres que vivem em cidades com o vagão
exclusivo revela que as usuárias do sistema se dividem entre as que são a favor
como medida paliativa, mas cobram outras ações para coibir o assédio (42%) e as
que condenam o fato de que o “carro cor-de-rosa” é uma medida pune a vítima em
vez de ensinar o homem a não assediar as mulheres (40%).
Colaboração dos usuários
Depois da ocorrência de estupro, a CPTM e o Metrô pediram,
em nota, a cooperação dos usuários para identificar e denunciar práticas de
constrangimento e comportamentos inadequados no interior dos trens.
Os usuários devem denunciar os suspeitos imediatamente a
algum agente de segurança. Outra opção é mandar um torpedo para o SMS-Denúncia,
que garante total anonimato do passageiro. No Metrô, o número é 9 7333-2252. Já
a CPTM tem disponível o celular 9 7150-4949 ou o telefone 0800 055-0121.
Fonte: (Diego Sartorato) Compromisso e Atitude
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