Para juristas e representantes de organizações de
prostitutas, a aprovação de uma lei regulamentando a profissão, melhoraria as
condições de vida das profissionais do sexo e beneficiaria seus clientes. Autor
(Projeto de Lei) 4.211/2012, denominado “Lei Gabriela Leite”, o deputado
federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) vai além. Segundo ele, uma legislação específica
que trouxesse direitos e garantias aos trabalhadores sexuais seria uma medida
de combate a desigualdade social.
“Essa discussão está alinhada com a defesa dos direitos
humanos, da cidadania e a redução dos estigmas de segmentos discriminados e
marginalizados, entre eles, as pessoas que exercem a prostituição”, defende
Wyllys.
A prostituição em si não é ilegal no Brasil. Uma pessoa que
presta serviços sexuais mediante pagamento não pode ser punida. O que é crime é
o favorecimento do sexo de terceiros. Como explica Guilherme Nucci, professor
de Direito Penal da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e
autor de “Prostituição, lenocínio e tráfico de pessoas – aspectos
constitucionais e penais” (Editora Revista dos Tribunais), “o que o Código
Penal considera crime é o lenocínio, que é a intermediação da prostituição, com
ou sem lucro, mesmo que seja gratuita, não tenha violência, grave ameaça ou
fraude, mesmo que seja de acordo com os interesses da prostituta e do cliente”.
O conceito enquadra os cafetões, os intermediários e os donos de casas de
prostituição.
O projeto de Jean Wyllys regulamenta a prostituição com o
objetivo de garantir os direitos dos trabalhadores do sexo e distinguir o
exercício regular e voluntário da profissão e a exploração sexual. Além disso,
a proposta visa possibilitar que o Estado proteja crianças e adolescentes e
fiscalize os abusos decorrentes do aumento da procura pelo sexo pago. Assim, o
PL 4.211/2012 veda a prática de exploração sexual, e define as suas espécies
como “apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço
sexual por terceiro; o não pagamento pelo serviço sexual contratado; forçar
alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência”.
Cafetões
A proposta modifica os artigos 228, 229, 230, 231 e 231-A do
Código Penal, e legaliza as casas de prostituição e a atuação dos cafetões. Na
opinião de Roberto Domingues, presidente da ONG (Organização Não Governamental)
Davida, fundada pela ex-prostituta e ativista Gabriela Leite para defender os
direitos das profissionais do sexo, “as casas de prostituição equivalem às
fábricas, empresas e demais estabelecimentos comerciais existentes em nossa
sociedade. Em outras palavras, são locais de trabalho para essas mulheres.
Permanecer com o seu status de ilegalidade empurra as prostitutas para as
franjas da legalidade, impondo a elas uma clandestinidade inadmissível”.
Para Wyllys, a ilegalidade das casas de prostituição permite
abusos de cafetões e da polícia. Segundo ele, deixando de ser crime as casas
terão que se enquadrar nas normas nacionais, estaduais e municipais que regulam
as condições do ambiente de trabalho, com relação a higiene, controle
sanitário, infraestrutura, segurança, saúde etc.
Quanto aos cafetões, os entrevistados pelo Última Instância
são unânimes em defender sua atividade, que seria semelhante a de um agente de
modelos ou de jogadores de futebol. Esse profissional forneceria as condições
básicas para o trabalhador do sexo exercer sua função, tais como oferecer um
local para a prática dos atos, pagar contas, fazer intermediação com clientes,
entre outras medidas, em troca de um percentual dos lucros. A Lei Gabriela
Leite, porém, estabelece um limite para a divisão de valores. Conforme o artigo
2º, parágrafo único, I, do texto, o cafetão (ou agente) não poderá reter mais
de 50% do dinheiro obtido com a prostituição de terceiro, sob pena de
configuração de exploração sexual.
A proposta também permite às prostitutas se organizarem em
cooperativas. Atualmente, a associação para prostituição é crime, impedindo
essa forma de cooperação. Para Jean Wyllys, “esse ponto é importante porque
aumenta as possibilidades delas decidirem quando trabalham, em quais horários,
quais clientes aceitam atender e quais não, o que fazem e o que não fazem e
quanto cobram pelo serviço, aumentando sua autonomia”.
Direitos
A Lei Gabriela Leite ainda torna juridicamente exigível o
pagamento pela prestação de serviços sexuais de quem os contrata. Embora a prostituição
não seja crime, ela pode ser considerada ilegal, porque o Código Civil, em seu
artigo 187, determina que “também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, impedindo a cobrança
das atividades. Essa contradição legal é atacada por Nucci. “Você contrata o
serviço de um(a) profissional de prostituição, e se você não pagar, ele não
pode fazer nada, não pode chamar a polícia, entrar no Judiciário, porque o
contrato é ilegal porque ofende os bons costumes. É preciso acabar com essa
hipocrisia também”, explica.
Embora não seja regulamentada, a prostituição é reconhecida
como profissão na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do
Trabalho. A inclusão na lista possibilita que sejam recolhidas contribuições
previdenciárias. A inovação do PL 4.211/2012 é assegurar ao profissional do
sexo a aposentadoria especial de 25 anos de contribuição (a regra geral é de 35
anos para homens e 30 para mulheres), nos termos do artigo 57 da Lei
8.213/1991, garantida a quem tiver trabalhado em condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Assistência estatal
Há países, como a Suécia, onde o Estado fornece assistência
social àqueles que queiram deixar a prostituição. Nesse auxílio, se encontram
medidas como acompanhamento psicológico, ensino e inserção no mercado de
trabalho. O professor Nucci é defensor dessas ações: “O Estado tem a obrigação,
pelo princípio da dignidade humana, de, legalizando a prostituição, oferecer
maneiras de as pessoas que quiserem sair dela”.
Contudo, Roberto Domingues e a Davida discordam do
entendimento do especialista. “Pensar que deveríamos ofertar a estas mulheres
formas de capacitação para o exercício de outras profissões, sugere bem mais
que essas mulheres não gostem sua atividade. Indica que elas não têm, de fato,
uma profissão e que deveríamos garantir meios e recursos para que isso
ocorresse”, critica Domingues. Para o presidente da ONG, cabe ao Estado criar
condições favoráveis para que sujeitos possam se autodeterminar, inclusive
quanto a sua profissão. “Mas se pensarmos em estratégias em separado corremos o
risco de propor uma segregação, que manteria sujeitos com status de cidadãos de
segunda categoria e, pior, mascararia uma ação, fundada na discriminação
irrefletida, partindo-se da pressuposição de que existem profissões mais digna
do que outras”, completa.
França criminaliza clientes
Em dezembro de 2013, deputados franceses aprovaram uma lei
que criminaliza os clientes de prostitutas. De acordo com o texto, que ainda
precisa passar pelo Senado, quem for pego contratando serviços sexuais receberá
multa de 1,5 mil euros. Em caso de reincidência, o valor sobe para 2,750 mil euros.
Na visão de Wyllys, se trata de um retrocesso. Já Roberto Domingues acredita
que norma interfere na vida privada dos cidadãos e mantém a atividade na
clandestinidade.
Na mesma linha, Nucci afirma não haver sentido punir o
cliente que busca sexo de forma consensual e paga, e vai além: “No fundo, a
prostituição é matéria de utilidade pública. Ela serve para quem precisa de
sexo, mas não consegue de graça (como os tímidos, feios, deficientes etc.) ou
não quer exposição (como os comprometidos)”.
Segundo Domingues, as prostitutas exercem um papel
fundamental ao alargar os limites do que sejam sexualidade, prazer e desejo.
“Ao se colocarem na esfera pública como iguais em direitos, elas [as
prostitutas] alteram o campo de força social, impondo uma transformação no
poder vigente, o que representa um avanço democrático”, conclui.
Fonte: A Tribuna News
Um comentário:
A regulamentação das casas de prostituição, a partir das alterações no texto do Código Penal,pode até ser bem-intencionada mas na prática não traz benefícios àqueles que se dedicam à prostituição.É uma ingenuidade acreditar que mudanças na atual lei possuam um poder transformador tão grande .Se a prostituição "funciona" da forma como a conhecemos hoje é justamente por seu caráter essencialmente informal.A prática prostitucional se diferencia muito das profissões regidas pela CLT e outras leis.Tem-se que se considerar questões como vínculo empregatício,recolhimento de tributos pelo governo,situação do cliente como consumidor(afinal é ele quem paga pelos serviços sexuais e deve ter seus direitos resguardados pelo Código de Defesa do Consumidor),etc.Com efeito, muitas garotas de programa vivem de forma nômade.Viajam de uma cidade para outra para exerceram sua atividade.Como podem ser empregadas?Como ter vínculo profissional?Quanto ao pagamento, seus ganhos atuais poderiam ser até diminuídos com uma possível formalização.Afinal,os donos das boates, hotéis e assemelhados aumentariam seus custos .Os clientes por seu turno não vão querer pagar essa conta.Muitos acham caro o preço dos programas que é cobrado atualmente .Mas para implementar tais mudanças de forma efetiva precisa-se que mais dinheiro circule por este mercado.O cliente terá mais custos para que as pessoas em situação de prostituição mantenham seus ganhos atuais.
Concluímos que tal projeto de lei somente beneficia àqueles que ganham com a prostituição alheia ,pois não serão mais incomodados por exercer atividade ilícita .
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