Quando o Verbo se fez carne, toda a criação foi levada ao
abraço divino.
A análise é de Elizabeth A. Johnson, religiosa, professora
de teologia da Fordham University, de Nova York, e uma representante
qualificada da teologia católica norte-americana. É autora de Colei che è. Il
mistero di Dio nel discorso teologico femminista (Ed. Queriniana, 1999) e Vera
nostra sorella. Una teologia di Maria nella comunione dei santi (Ed.
Queriniana, 2005).
O artigo, publicado originalmente na revista U.S. Catholic
de abril de 2010, foi republicado no blog Teologi@Internet, da Editora
Queriniana, 17-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em nossos dias, as preocupações com a ecologia estão
aumentando. Mudanças climáticas, poluição e extinção de espécies vegetais e
animais nos fazem questionar o prejudicial tratamento humano ao mundo natural.
Uma resposta religiosa tem sido a de se concentrar na
doutrina da criação. Desde que o mundo inteiro foi criado por Deus, que viu que
era "muito bom" (Gn 1, 31), a natureza – céu, mar, terra e as
criaturas que neles habitam – tem grande valor aos olhos de Deus. Os seres
humanos, criados à imagem e semelhança divina, fazem parte dessa comunidade de
vida. Somos postos no jardim para cultivar e cuidar dele (Gn 2, 15), e não para
destruí-lo.
Para os cristãos, Jesus Cristo é o centro da fé, o
fundamento da crença e da prática da Igreja vivida no seu Espírito. Se o amor
por Ele pode se conectar com o amor pela natureza, um forte impulso ao cuidado
ecológico irá surgir, além da doutrina da criação. Jesus tem algo a ver com o
cosmos? Explorar a Sua encarnação, ministério, morte e ressurreição com essa
pergunta em mente produz algumas respostas inspiradoras e desafiadoras.
No centro da fé cristã está a verdade de que, em Jesus
Cristo, Deus se tornou um ser humano para redimir o mundo. O evangelho do dia
do Natal proclama isso de forma muito bonita: "O Verbo se fez carne e
habitou entre nós" (Jo 1, 14). O Verbo é a própria autocomunicação de
Deus, proferida por toda a eternidade. "Carne" significa o que é
material, perecível, vulnerável, finito, exatamente o oposto do que é divino.
Aqui está uma declaração mais radical: Deus se tornou
material. O Natal celebra um presente radical: o Deus todo-santo pessoalmente
se uniu ao nosso mundo de pecado e sofrimento para salvar. Essa é conhecida
como a doutrina da encarnação, do latim, "in carne".
As descobertas científicas deixaram claro que a carne humana
faz parte da rede evolutiva da vida neste planeta, que, por sua vez, é uma
parte do sistema solar, que, por sua vez, surgiu como uma parte de uma longa
história cósmica. Essa tomada de consciência da nossa história natural
proporciona uma nova intuição sobre o significado cósmico da "carne"
que o Verbo se fez. (...)
A partir do Big Bang, as estrelas; a partir da poeira das
estrelas, a Terra; a partir da matéria da Terra, a vida. A partir da vida e da
morte de criaturas unicelulares, uma maré em avanço: trilobites, peixes,
anfíbios, insetos, flores, pássaros, répteis e mamíferos, entre os quais
emergiram os seres humanos – mamíferos com cérebros tão complexos que nós
experimentamos a inteligência e a liberdade autoconscientes.
De acordo com essa história científica, tudo está conectado
com todo o restante. O cientista e teólogo britânico Arthur Peacocke explica:
"Cada átomo de ferro no nosso sangue não estaria ali se não tivesse sido
produzido em alguma explosão galáctica há bilhões de anos e se finalmente não
tivesse se condensado para formar o ferro na crosta da Terra a partir da qual
emergimos".
Bastante literalmente, os seres humanos são feitos de poeira
das estrelas. (...)
Compreender a espécie humana como uma parte intrínseca da
matéria planetária e cósmica tem implicações de longo alcance para o sentido da
encarnação. Nessa perspectiva, a carne humana que o Verbo se fez, faz parte do
vasto corpo do cosmos.
Essa forma "profunda" de refletir sobre a
encarnação fornece uma intuição importante. Ao se tornar carne, o Verbo de Deus
confere bênção sobre toda a realidade terrena em sua dimensão material e, além
disso, sobre o cosmos em que a Terra existe.
Em vez de ser uma barreira que nos distancia do divino, este
mundo material se torna um sacramento que pode revelar a presença divina. No
lugar do desprezo espiritual pelo mundo, nós nos aliamos ao Deus vivo amando
todo o mundo natural, parte da carne que o Verbo se fez.
Fonte: Ihu
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