Afazeres domésticos ainda são uma tarefa predominantemente
feminina? A pesquisa “Uma análise das condições de vida da população brasileira
de 2012”, com dados relativos à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de
2011, mostra que sim.
As mulheres dedicam, em média, 27,7 horas por semana para
afazeres domésticos, enquanto os homens dedicam 11,2 horas semanais. A
quantidade de horas dedicadas pelo gênero feminino às atividades, muitas vezes
ingratas, de manutenção do lar chega a ser 2,5 vezes maior que a do gênero
masculino.
Entre homens e mulheres que trabalham fora, a divisão do
trabalho em casa também permanece desigual. Entre a população ocupada com mais
de 16 anos, mulheres dedicam 22,3 horas para as jornadas domésticas, enquanto
os homens gastam 10,2 horas, o que mostra que ainda persiste na sociedade
brasileira uma maior parte da responsabilidade pela manutenção do lar à mulher,
apesar do acesso dos dois gêneros ao mercado de trabalho.
O Nordeste foi a região do país que registrou a maior
diferença na divisão de trabalho entre gêneros. Além do trabalho fora de casa,
as nordestinas gastam 13,7 horas semanais a mais que os homens nordestinos com
trabalhos domésticos. No índice geral que conta a população ocupada e
desocupada, as mulheres chegam a trabalhar 17,8 horas a mais que os homens na
região. Mas por que isso acontece? As mulheres contribuem para esse tipo de
relação?
A artesã Wilma Ribeiro de Souza (45), casada há 23 anos com
Adolfo da Silveira Dias (45) e mãe de Vinícius (21), Ana Carolina (18) e
Jonatha (15), conta que ela e a filha eram as responsáveis por toda a atividade
doméstica – lavavam, passavam, limpavam, alimentavam. “Era aquela coisa: se
você era mulher, tinha que fazer. E eu achava que era normal, que era meu papel
de mãe e mulher”, afirma.
Há quatro anos a divisão de tarefas vem mudando na casa
dela. “Hoje na minha casa vivemos de forma cooperativa. Todo mundo faz alguma
atividade doméstica. A roupa, por exemplo, é meu marido quem passa”, explica. A
mudança aconteceu depois que Wilma começou a participar do movimento feminista
e levou a discussão da divisão de tarefas para dentro de casa.
Wilma, com o marido e os filhos. Eles não queriam dividir o
trabalho doméstico: "Cuidar da casa era coisa de mulher", conta a
artesã - Foto: Arquivo Pessoal
No início, segundo ela, foi difícil os homens aceitarem a
divisão. “Eles achavam ruim. Na
mentalidade deles esse tipo de serviço era coisa de mulher. O meu marido
falava: ‘mas eu trabalho o dia inteiro e tenho que chegar em casa e
trabalhar?’. E eu dizia: mas eu também trabalho”, diz. Aos poucos, Adolfo foi
percebendo que a divisão era justa e deu razão a ela. A pressão dos irmãos
contra a irmã Ana Carolina para que ela realizasse as tarefas domésticas também
cessou. “Ela sempre lutou contra isso”, conta a mãe. Hoje, assim como Wilma, Ana
Carolina é militante feminista.
Cultura machista
A ideia de que os homens são os provedores financeiros da
família e que as mulheres são as mantenedoras do bem-estar do lar persiste há
séculos na sociedade brasileira e a nível mundial. Esse tipo cultura social faz
com que recaia sobre as mulheres o chamado trabalho de cuidados. Na família, é
comum que a mulher seja a responsável pelo cuidado das crianças, dos idosos e
de um ente doente. Muitas deixam de trabalhar fora de casa para assumirem essa
função, não remunerada e não reconhecida pela sociedade.
“Existe uma construção social de relações de gênero que
reafirma que a tarefa natural das mulheres é prover esses cuidados. E isso é
reforçado o tempo todo pelos meios de comunicação, de que as mulheres nascem
para cuidar, que têm mais jeito com os filhos”, explica Maria Fernanda
Marcelino, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF), entidade que
faz parte da Secretaria Executiva da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). “Mas
isso é uma construção social, pois as mulheres e os homens são educados de
formas diferentes e vão, ao longo de suas vidas, sendo direcionados para
cumprir papéis diferenciados”, complementa.
É fácil observar a propagação do modelo. Nas propagandas de
produtos de limpeza, por exemplo, quem são as protagonistas se não as mulheres?
“Não existe propaganda de sabão em pó direcionada aos homens. E o modelo sempre
é uma família heterossexual”, analisa Maria Fernanda.
A artesã Wilma Ribeiro de Souza diz ter tido dificuldade
para reivindicar a ajuda do marido e dos filhos nas atividades domésticas. Ela
aprendeu com a mãe que era a mulher a responsável pelo serviço doméstico e
conta que se sentia mal de cobrar a ajuda dos homens. “Já com a minha filha não
vai acontecer isso, ela não vai permitir”, acredita. Hoje, Wilma defende que as
mulheres se apoderem da igualdade de direitos e reivindiquem, sem medo, a
divisão igualitária dos serviços. “Falta discussão sobre isso dentro da casa. É
preciso ter esse tipo de conversa”, ressalta.
Mulheres querem
direitos iguais
A divisão igualitária do trabalho doméstico é uma das
bandeiras de luta não só de brasileiras, como de mulheres de todo o mundo. “Não
existe coisa de homem ou de mulher. O que existe são crianças para serem
cuidadas e tarefas para serem feitas”, afirma a integrante da Sempreviva
Organização Feminista (SOF), Maria Fernanda Marcelino, Segundo ela, o Estado
precisa fornecer equipamentos que diminuam o trabalho no seio da família como,
por exemplo, creches públicas para as crianças e lavanderias e restaurantes a
preços acessíveis.
Na tarde dessa sexta-feira (08), mulheres de dezenas
organizações feministas ligadas a movimentos sociais, sindicatos, partidos,
coletivos e entidades saem às ruas de São Paulo para cobrar esses e mais
direitos. A concentração ocorre na Praça da Sé. “A esquerda tem tido bastante
dificuldade de fazer momentos de luta unitários. Mas esse é um esforço das
mulheres porque a opressão machista atinge a todas elas”, explica Maria
Fernanda.
O dia de 08 de março é historicamente um dia de luta
feminista. Neste dia, em 1857, mulheres de uma fábrica de tecidos de Nova
Iorque, nos Estados Unidos, fizeram uma greve para cobrar equiparação de
salários com o dos homens, tratamento digno e redução da carga de trabalho. A
manifestação foi brutalmente reprimida. As mulheres foram trancadas na fábrica,
que foi incendiada, e cerca de 130 tecelãs morreram carbonizadas.
Fonte: Aline Scarso em
Brasil de Fato
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