Funcionárias da Guararapes, grupo
Riachuelo, entram para a jornada de trabalho na fábrica em Natal, Rio Grande do
Norte (Fotos: Lilo Clareto/Repórter Brasil)
O grupo Riachuelo foi condenado a
pagar pensão vitalícia a uma trabalhadora em mais uma ação que envolve
denúncias de abusos físicos e psicológicos e mostra os problemas do sistema de
“fast fashion'' e sua relação com grandes marcas da moda. A costureira, segundo
seu relato, era pressionada a produzir cerca de mil peças de bainha por
jornada. Por hora, colocar elástico em 500 calças ou costurar 300 bolsos. Na
ação, ela revelou que, não raro, evitava beber água para diminuir idas ao
banheiro – que eram controladas pelo encarregado.
São Paulo não é o único polo de
produção de roupas no país e imigrantes bolivianos e paraguaios tampouco são os
únicos que sofrem com situação precária de parte do setor de confecções, ao
contrário do que as constantes e numerosas denúncias de superexploração do
trabalho na capital paulista fazem crer.
A reportagem a seguir é de André Campos e Ana Aranha, da Repórter
Brasil.
Linha de produção em pequena oficina
tercerizada no sertão atende à demanda da Guararapes, do grupo Riachuelo (Foto:
Lilo Clareto)
Condenação do grupo Riachuelo
revela o adoecimento das trabalhadoras da moda, por André Campos e Ana Aranha
O grupo Riachuelo foi condenado a
pagar pensão vitalícia a uma de suas ex-funcionárias em mais uma ação que
revela as precárias condições de trabalho impostas às costureiras que produzem
para as grandes marcas da moda. A condenação descreve um ambiente de trabalho
em que a exigência de metas de produção ocorria mediante abusos físicos e
psicológicos. Segundo seu relato, a costureira era pressionada a produzir cerca
de mil peças de bainha por jornada. A meta, por hora, era colocar elástico em
500 calças ou costurar 300 bolsos. Na ação, a funcionária diz que muitas vezes
evitava beber água para diminuir suas idas ao banheiro. Idas que, segundo ela,
seriam controladas pelo encarregado mediante o uso de fichas.
A ação foi contra a Guararapes
Confecções, indústria de roupas do grupo Riachuelo, condenada a pagar uma
pensão vitalícia à costureira lesionada devido às atividades exercidas na
empresa. A ex-funcionária desenvolveu Síndrome do Túnel do Carpo, que provoca
dores e inchaços nos braços. A ação aponta que a trabalhadora teve a sua
capacidade laboral diminuída devido ao ritmo de trabalho exaustivo demandado
pela fábrica potiguar, onde são confeccionadas peças de roupa vendidas pelas
lojas da Riachuelo.
O Tribunal Superior do Trabalho
definiu, em dezembro de 2015, que a Guararapes deve pagar o equivalente a 40%
da última remuneração da costureira enquanto durar a incapacidade, além de 10
mil reais a título de indenização. A pensão vitalícia pode se prolongar até que
ela complete 70 anos.
Outro abuso relatado no processo,
que teve início em 2011, foi o atendimento médico dentro da fábrica. Ao se
dirigir à enfermaria da empresa com sintomas de Síndrome de Túnel do Carpo, a
trabalhadora conta que era medicada com analgésico e recebia a determinação de
retornar ao trabalho.
Em resposta à reportagem, a Guararapes
afirmou que cumpre a aplicação da jornada de trabalho prevista na lei. “Além
disso, a companhia conta com auditoria interna em todas as suas operações, com
o objetivo de monitorar o cumprimento do Código de Ética e os horários de
trabalho de acordo com a legislação”.
Sobre o controle às idas ao
banheiro mediante fichas, a empresa diz que “não adota essa política e não
compactua com a prática” (leia aqui as respostas da empresa na íntegra).
Migração às inversas
A condenação reforça uma série de
constatações sobre violações trabalhistas dentro da fábrica do grupo Riachuelo
pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Em 2012, o órgão ajuizou uma ação
contra a Guararapes cobrando multa de R$ 27 milhões por descumprimento de
normas de saúde e segurança na fábrica. Anos antes dessa ação, devido ao grande
número de lesões por esforço repetitivo, um acordo fora firmado entre a empresa
e o MPT. Nele, a empresa se comprometia a fazer adequações nas instalações,
máquinas e mobiliário.
No entanto, uma fiscalização
conjunta do MPT e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) constatou o
descumprimento do acordo, incluindo máquinas inadequadas, banheiros fechados,
calor excessivo, baixa iluminação do ambiente de trabalho.
Os depoimentos colhidos pelos
fiscais do trabalho corroboram a denúncia feita pela costureira que ganhou a
ação individual contra a empresa: os relatos descrevem as limitações de idas ao
banheiro, não recebimento de atestados médicos válidos e falta de realização de
exames médicos periódicos.
Ainda em 2012, foi firmado um
acordo de conciliação entre o MPT e a Guararapes no qual a empresa se
comprometeu a pagar multa de R$ 3 milhões para encerrar a ação. Nesse novo
acordo a indústria assumiu novas obrigações. Entre elas, aceitar os atestados de
funcionários emitidos por médicos do SUS ou particulares, mesmo que eles não
integrem o plano de saúde da empresa. O pagamento da gratificação de
produtividade e a cesta básica também foram estendidos aos trabalhadores
afastados ou que faltem por problemas de saúde.
De acordo com o CEO da Riachuelo,
Paulo Rocha, a decisão de terceirizar a atividade de costura, a partir de 2013,
deve-se em parte à fiscalização trabalhista. “Tivemos que assinar um acordo com
40 cláusulas absolutamente leoninas. Isso feriu de morte a competitividade (da
fábrica)”, diz o CEO da Riachuelo, Paulo Rocha, em entrevista concedida à
Repórter Brasil em dezembro. “Foi quando o meu pai [Nevaldo Rocha, fundador do
grupo] nos disse: ‘vocês estão liberados, produzam onde quiserem.’”
Para alguns, é preciso ter
cuidado com o argumento de que a terceirização é uma consequência da
fiscalização. “Acredito ser mais uma “boa desculpa” que o real motivo pelo qual
a empresa tomou essa medida”, afirma Renato Bignami, auditor do trabalho e
doutor em direito do trabalho pela Universidade Complutense de Madrid.
As consequências da tercerização
foram investigadas pela Repórter Brasil em matérias publicadas em dezembro de
2015, quando a reportagem visitou as oficinas no sertão do Rio Grande do Norte
e encontrou costureiras fazendo longas jornadas, ganhando salários menores e
recebendo menos benefícios do que os funcionários da indústria na capital.
Enquanto as costureiras
terceirizadas no sertão recebem R$ 793 por mês, as costureiras da capital não
ganham menos do que mil reais, revela Maria dos Navegantes, presidente do
sindicato das costureiras. Além disso, na capital elas recebem benefícios como
cesta básica e plano de saúde.
O crescimento da terceirização na
indústria de roupas pode aumentar o número de doenças ocupacionais e acidentes,
afirma o juiz Alexandre Érico Alves da Silva. “No Rio Grande do Norte, a
maioria das costureiras que trabalham já há algum tempo na profissão estão
adoecendo”, diz ele. “Tendo em vista que a estrutura dessas facções [pequenas
oficinas terceirizadas] é muito mais carente do que a das grandes empresas, a
perspectiva é a de que isso permaneça e até se eleve”.
Maria dos Navegantes, presidente do sindicato
das costureiras, diz que os salários e os benefícios são menores para as
costureiras do sertão
De acordo com o juiz, que
coordena o Programa Trabalho Seguro do Tribunal Regional do Trabalho no Rio
Grande do Norte, doenças laborais representam entre 30% e 40% das ações
recebidas pela Justiça do Trabalho local. A maioria, segundo ele, está
relacionada à indústria têxtil.
Os efeitos da “Fast Fashion”
A estratégia da Riachuelo no
sertão brasileiro segue a lógica de grandes marcas do mundo todo: a “Fast
Fashion”. Segundo esse modelo, as peças devem ser produzidas com agilidade, de
modo a responder por demandas instantâneas da moda, e devem resultar em grandes
quantidades de peças acessíveis para a classe média.
Por que exige picos de produção
acelerada, esse modelo frequentemente demanda muitas horas extras e pode elevar
os problemas de saúde das costureiras. Invertendo as prioridades da legislação
trabalhista, ele impõe um sistema mais “flexível” em que os trabalhadores são
obrigados a se adaptar ao ritmo do mercado.
Para Renato Bignami, o maior
impasse na tentativa de regular este sistema é justamente o fundamento sobre o
qual ele opera, o da flexibilidade. “Primeiro, o modelo é baseado na lógica de
que se deve trabalhar mais horas extras em ocasiões de pico e menos horas
durante a letargia produtiva. Segundo, os salários devem ser diretamente
relacionados com a produtividade: se produzir, ganha, se não produzir, não
ganha. E, por fim, rejeita-se qualquer tipo de responsabilidade jurídica [das
empresas que terceirizam] nesse rearranjo, como falta de pagamento, horas extras,
licenças por gravidez, por doença profissional, etc”.
Garantir os direitos trabalhistas
dentro do Fast Fashion é um desafio para a indústria da moda do mundo todo.
Para Bignami, a solução passa pelo fim da terceirização da atividade principal
da indústria, que é justamente o corte a costura das peças.
“O segredo estaria em uma fórmula
que garanta segurança do contrato de trabalho com fórmulas que facilitem a
rápida resposta de produção”, afirma. “Não é fácil. Ainda assim há experiências
sendo levadas adiante, em que se busca uma maior previsibilidade de compras,
maiores prazos para produzir as peças e melhor preço, relacionado com a
qualidade da produção”.
Costureiras trabalham para cumprir metas da
lousa, modelos das peças são definidos pela Guararapes, do grupo Riachuelo
Fonte: Blog de Sakamoto
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