“As crianças jogavam as coisas no
chão e diziam ‘pega escrava'”. “Minha refeição era inferior à do restante da
família”. “De repente, senti um negócio duro nas minhas costas, ele se
esfregando em mim”. Babás na Irlanda, jovens brasileiras relatam assédio e
humilhações
“As crianças não me respeitavam. Jogavam as
coisas no chão e diziam ‘pega escrava‘”. “Minha refeição era inferior à do
restante da família“. “De repente, senti um negócio duro nas minhas costas, ele
se esfregando em mim“. As frases acima retratam as humilhações e agressões
pelas quais algumas jovens brasileiras de 20 a 39 anos vivenciaram trabalhando
como babás na Irlanda. De acordo com dados do setor de imigração irlandês,
cerca de 12% dos estrangeiros não europeus no país são brasileiros, o país
aparece em segundo lugar na lista de solicitação de visto.
Diferentemente dos EUA, por
exemplo, a Irlanda não possui um programa de au pair –projeto que envolve
jovens de diferentes países, que vão morar com uma família estrangeira e tem
como objetivo aprender o idioma nativo, cuidar das crianças, além de receberem
um salário– regulamentado no país. E por conta da informalidade os abusos
acontecem.
Atualmente, mais de 20 mil
famílias no país europeu utilizam os serviços de babás, mas pagam apenas 2,50
euros por hora em uma jornada de 40 horas semanais, valor abaixo do mínimo
irlandês (9,15 euros por hora). Os dados são de uma pesquisa da ONG MRCI
(Migrant Rights Centre Ireland). Segundo o agente de políticas do MRCI, Pablo
Rojas, disse à BBC no ano passado, dos mais de 35 casos de exploração
registrados em 2015, cerca de 75% envolviam cidadãs do Brasil.
Recém-formada em ciências sociais
pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Bruna Saldanha, 22,
resolveu embarcar com o noivo para Dublin há quatro meses. Querendo aprender
inglês e vivenciar uma nova cultura, a carioca aceitou trabalhar como au pair
na casa de uma família irlandesa e, em troca, poderia morar na casa nos fundos.
Como de costume, a remuneração
estava abaixo do previsto por lei, apenas 480 euros mensais por uma jornada de
20 horas semanais (período máximo permitido por lei para estudantes
estrangeiros). Durante a entrevista de emprego, ficou acertado que ela cuidaria
apenas das crianças. “Em pouco tempo estava passando, cozinhando, lavando e
trabalhando cerca de 30 horas por semana. Todo dia recebia uma tarefa nova, era
desgastante“, conta a jovem que teve que limpar uma lareira, vidraças, um jogo
de talheres de prata e seis pares de botas sujas de lama.
Além da cobrança pelos afazeres
domésticos, Bruna também ouviu gritos, intimidações e insultos xenófobos. “Ela
[a patroa] me xingava, sugeria que eu era ignorante e preguiçosa. O fato de eu
comprar os mesmos produtos que ela no supermercado incomodava. Nunca me senti
parte da família, as crianças não me respeitavam. Elas jogavam as coisas no
chão e diziam ‘pega escrava‘”.
Outra situação complicada era ter
que lidar com o salário incompleto. “Sempre vinha faltando cinco, dez euros.
Ela se incomodava quando eu cobrava. Sempre soube o valor do meu trabalho“,
conta Bruna.
No entanto, o estopim ocorreu
quando a carioca decidiu deixar a casa e teve seu notebook furtado. A condição
para devolução era que Bruna lavasse a louça suja (dois copos e dois pratos)
que havia ficado na pia da casa onde a jovem morava. “Tive que ligar para a
polícia e falar com o marido dela. Ainda ouvi que eu e meu noivo arruinamos a
vida dela“.
Assédio sexual
O assédio sexual também aparece
como um dos problemas enfrentados por algumas intercambistas, como é o caso da
advogada Elisangela Cristina de Carvalho, 39. Após aceitar trabalhar como babá
live in (morar na mesma residência) na casa de uma família composta por uma
irlandesa, um marroquino e as filhas gêmeas, a estudante enfrentou o cerco de
seu chefe, que chegou a mudar o horário de trabalho para poder ficar a sós com
ela.
“Já no meu primeiro dia de trabalho
ele apareceu de cueca na minha frente“, conta a paulistana, que com o objetivo
de pagar um novo curso para poder estender sua permanência na Irlanda aceitou o
trabalho que apareceu no momento.
E foi em uma manhã que Elisangela
teve certeza que estava sendo assediada. “Ele acordou, desceu até a sala de
pijama e, de repente, senti um negócio duro nas minhas costas, ele se
esfregando em mim. Saí correndo e vesti mais uma calça e mais uma blusa. Tentei
me refugiar entre as filhas dele, mas ele ficou durante meia hora andando com o
pênis ereto. Não sabia o que fazer.”
Intimidada, sem o pagamento da
última semana (125 euros) e com medo de ser abusada sexualmente, a paulistana
enviou um e-mail para a mãe das crianças no mesmo dia, disse que não poderia
continuar no trabalho, mas não relatou o real motivo. “Tive crise de pânico.
Tinha medo da minha sombra, mas preferi não arrumar confusão [denunciar] com
esse muçulmano. Quando cobrei meu salário, ele disse que eu queria dinheiro
fácil. Fiquei com medo, me hospedei em um hostel e deixei tudo para trás“,
conta ela que ainda hoje tem medo de ficar a sós com um homem no mesmo espaço.
Processo trabalhista
Taís Regina da Silva, 33, decidiu
trabalhar como au pair quando finalizou um curso de seis meses em Dublin. Assim
como outras garotas, encontrou a oferta de trabalho em uma das muitas
comunidades do Facebook direcionadas para estrangeiros que moram na Irlanda.
Após acertar que trabalharia 20
horas por semana, cuidaria de três crianças, moraria na casa junto com a família
e ganharia 90 euros (abaixo do mínimo), a paulistana foi surpreendida com um
e-mail após se mudar para o novo lar. “Além do trabalho como babá, também teria
que limpar a casa, que era uma fazenda, cuidar dos cachorros, dos cavalos e
cozinhar“.
“Depois de um mês, percebi que
estava fazendo muitos afazeres domésticos, além das outras atividades. Acordava
às 8h e só parava de trabalhar às 22h, quando os pais das crianças voltavam“,
conta. Formada em psicologia e administração de empresas, a estudante nunca
havia trabalhado como babá antes e não sabia quais tarefas envolviam a função.
A relação com a família se
desgastou quando Taís não conseguiu mais administrar suas diversas funções e
parou de fazer faxina. “Era discriminada a todo momento. Minha refeição era
inferior à do restante da família, não tinha data correta para receber meu
salário, muitas vezes tinha que cobrar.”
Ao negar trabalhar em uma de suas
folgas, ela foi expulsa da casa e recebeu apenas 70 euros do total de 180 que
deveria ter ganhado por duas semanas de trabalho. Acuada e sem moradia, Taís
procurou o Centro de Apoio aos Imigrantes e foi orientada a autuar a família.
Além do auxílio jurídico, o MRCI também disponibilizou advogados e tradutores.
“Meu objetivo nunca foi processar
a família para ganhar dinheiro. Só fiz isso porque me senti muito humilhada. A
todo momento, eles me tratavam de forma inferior, como se não tivesse nenhuma
estrutura emocional e financeira. Como se fosse uma coitada. Aceitei trabalhar
como babá pois acreditava que seria uma troca de culturas“, afirmou. Ela ganhou
a causa após seis meses.
Não acredite em tudo que dizem
À frente do grupo Au Pair Rights
Association Ireland (Associação Irlandesa de Direitos da Au Pair) há cerca de
três anos, a brasileira Jane Xavier, 36, pede para que garotas, principalmente,
não se enganem com propostas de curso de inglês + trabalho oferecidas por
empresas de viagem.
“As agências costumam vender o
trabalho de au pair ou quando não possuem o serviço dizem que as pessoas podem
conseguir empregos como babás e terão casa e comida gratuitos. Essa informação
é completamente equivocada. Muitas pessoas chegam à Irlanda com a ilusão de que
sendo babás terão salário, cuidarão das crianças e farão serviços leves nas
casas. A maioria nem sabe que não existe regulamentação para as atribuições da
função no país e muito menos o valor do salário. Existem diversas meninas
fazendo limpeza pesada“, afirma Jane, que costuma auxiliar jovens que relatam
abusos e aconselha quem deseja vir para a Irlanda a pesquisar a empresas e as
condições apresentadas na internet e com associações como a que ela está à
frente.
A ativista salienta que o cargo
de babá está rotulado na categoria de “trabalhador doméstico“, que também
engloba cuidadores e faxineiros. “As babás devem receber o salário mínimo e
caso residam na casa dos patrões, eles só podem descontar 54,13 euros por
semana (referentes a moradia e alimentação)“, explica Jane, que esclarece ainda
que isso foi acordado após uma reunião do MRCI e da associação que participa
com o departamento de empregos e empresas do país.
Fonte: Pragmatismo Politico
Nenhum comentário:
Postar um comentário